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Vergado perante Israel, o Labour abandona solidariedade com a Palestina

A liderança do Labour mostrou-se incapaz de reconhecer a necessidade de um cessar-fogo imediato diante da evidência da barbárie em Gaza.

Um palestiniano chora com uma criança morta nos braços, entre as ruínas de um prédio atingido por bombas israelitas no campo de refugiados de Nusseirat, no centro da Faixa de Gaza, em 31 de Outubro de 2023 
Um palestiniano chora com uma criança morta nos braços, entre as ruínas de um prédio atingido por bombas israelitas no campo de refugiados de Nusseirat, no centro da Faixa de Gaza, em 31 de Outubro de 2023 CréditosMohammed Dahman / AP News

A ministra da Administração Interna britânica, Suella Braverman, junto com a Metropolitan Police, todo o governo Conservador, e parte do Labour, estão a tentar demover os organizadores da manifestação de solidariedade com a Palestina convocada para o próximo sábado, 11 de Novembro, no Hyde Park em Londres, exigindo um cessar-fogo imediato na Faixa de Gaza.

Dia 11 de Novembro é a data da assinatura do Armistício que pôs fim à Primeira Guerra Mundial, em que a Alemanha e o império Austro-Húngaro foram derrotados pelos Aliados, uma data em que, desde 1919, se observam dois minutos de silêncio às 11 da manhã do dia 11 do mês 11, em todo o Reino Unido. Quase novecentos mil britânicos morreram nos combates e nas trincheiras na Europa entre 1914 e 1918, o equivalente a 6% da população masculina adulta, marcando o trauma de toda uma geração.

A Primeira Guerra Mundial e o seu Armistício são, ainda, um dos momentos de união num reino já desunido. A convocatória da manifestação de solidariedade com a Palestina para esse dia é, por isso, simbólica, como afirmam os organizadores: é um armistício que se comemora, é um armistício que hoje se exige.

A posição oficial das lideranças do Labour sobre a situação no Médio Oriente, segundo o jornal socialista Morning Star, tem posto em evidência que «qualquer governo liderado por Sir Keir Starmer estará na vanguarda da agressão internacional e será marcado pela mesma indiferença ao direito internacional e despreocupação em relação aos crimes de guerra que caracterizou a administração Blair».

Isto já tinha sido claro na postura do Labour em relação à Ucrânia, recusando-se a pedir a saída negociada para a guerra e condenando alguns dos seus militantes que se manifestaram pela paz e contra a interferência da NATO a Leste, escreve o editorial do Morning Star: «Claramente, alinha-se com o seu [de Starmer] apoio servil ao governo Conservador sobre o conflito na Ucrânia, uma postura que deixou os Trabalhistas alinhados com as forças mais beligerantes do mundo actual na tentativa de prolongar essa guerra e obstruir qualquer perspectiva de paz.»

O Labour realizou a sua Conferência Nacional de 8 a 10 de Outubro, em Liverpool – ironicamente, com painéis paralelos patrocinados pela Amazon, onde o director de políticas públicas da multinacional norte-americana disse que a «logística era uma facilitadora da mobilidade social», numa altura em que a Amazon está em disputa com os seus trabalhadores no Reino Unido e recusa-se a reconhecer os sindicatos que os representam.

Durante toda a Conferência, o Labour foi instado a comentar os acontecimentos em Israel, após o ataque do Hamas e quando já então Israel havia declarado guerra à Palestina e começado a bombardear a Faixa de Gaza. «O Labour condena veementemente o terrível ataque do Hamas a Israel», disse David Lammy, ministro-sombra dos Negócios Estrangeiros na Conferência. «O Labour apoia firmemente o direito de Israel a se defender, resgatar reféns e proteger os seus cidadãos.»

Cá fora, movimentos de solidariedade com a Palestina protestaram contra a posição do partido. Um activista da Palestine Action de Liverpool disse ao Morning Star que trazia uma grande faixa em que se lia «fim ao apartheid» israelita, porque «queremos ter certeza, tanto quanto pudermos, de que as palavras não serão censuradas» e «porque sentimos mais uma vez que são os Labour Friends of Israel que estão a tentar normalizar a ocupação».

«"O Labour condena veementemente o terrível ataque do Hamas a Israel", disse David Lammy, ministro-sombra dos Negócios Estrangeiros na Conferência. "O Labour apoia firmemente o direito de Israel a se defender, resgatar reféns e proteger os seus cidadãos."»

Lá dentro, as coisas não estavam mais fáceis. Lubaba Khalid, responsável BAME (Black, Asian and Minority Ethnic) da Juventude do Labour, abandonou a Conferência a meio, e demitiu-se do partido dias depois. No comunicado, Khalid explica que, como palestiniana, e com família directa em Gaza (uma das suas primas acabou por morrer nos bombardeamentos no final de Outubro) recebeu «zero apoio do Labour». Em virtude dos comentários de vários líderes, como Keir Starmer e Emily Thornberry, com os quais estava «chocada», conclui que «o Labour já não é um espaço seguro para palestinianos e muçulmanos».

Os comentários que incendiararam o Labour foram ditos logo após a Conferência, dia 11, em entrevista à rádio LBC, por Keir Starmer. Em resposta a «o que seria uma resposta proporcional de Israel?», Starmer responde que «a responsabilidade pertence ao Hamas» e «Israel tem o direito a defender-se». «Um cerco é apropriado? Corte de electricidade, corte de água?», pergunta o entrevistador. «Creio que Israel tem esse direito. É uma situação em evolução, claro, tudo deve ser feito dentro da lei internacional», diz Starmer. Afirma que quem pôs em causa «deliberadamente» a solução dos dois Estados foi o Hamas e comenta que, «dependendo da situação», a exibição de bandeiras palestinianas em público pode ser considerada ofensiva (proposta aliás pela ministra Suella Braverman). E conclui: «É muito importante que em tempos como este não confundamos a discussão pacífica da questão palestiniana com o Hamas.»

Nem uma palavra sobre os territórios ocupados, sobre o regime de apartheid de Israel, sobre os mais de dois milhões de palestinianos em Gaza, nem sobre o ataque desproporcional israelita e o cerco total ao território. O gabinete-sombra do Labour seguiu o guião do líder e os seus ministros-sombra estiveram na televisão a defender o indefensável.

BBC: «Keir Starmer disse que Israel tem o direito de cortar a luz e a água a 2.3 milhões de pessoas em Gaza. Defende o que ele disse?»

David Lammy: «Keir foi muito claro que a lei internacional deve ser seguida. Ele foi muito claro nos jornais esta manhã.»

BBC: «É uma resposta sim ou não.»

David Lammy: «Não, Victoria, não é uma resposta sim ou não. Eu espero um dia vir a ser ministro dos Negócios Estrangeiros (…). Isto é uma situação de guerra, e a guerra é feia. Muito, muito tristemente, pessoas morrem.»

Questionado dias depois sobre quais seriam as suas «linhas vermelhas» na denúncia de crimes israelitas – fósforo branco, punição colectiva, bombardeamento de civis em fuga – Keir Starmer não respondeu e voltou a sublinhar o «direito de Israel a defender-se». Na sequência do bombardeamento israelita a um campo de refugiados em Gaza, já no início de Novembro, Lammy disse: «É claro para mim que é errado bombardear um campo de refugiados, mas certamente se houver um objectivo militar, pode ser justificado legalmente.»

A questão deixou de ser a «condenação do Hamas» e o «direito de Israel a defender-se», e passou então à exigência imediata de um cessar-fogo. Já são 47 os militantes eleitos pelo Labour em autarquias de todo o país que se demitiram, um atrás do outro, perante a incapacidade da liderança do Partido exigir um cessar-fogo. «Apesar de compreender os pedidos de cessar-fogo, neste momento não acredito que seja a posição correcta», disse Starmer. «O Hamas sentir-se-ia encorajado e começaria a preparar violência no futuro imediato.»

Mais de 68 deputados pelo Labour no Parlamento, e 17 dos seus «ministros-sombra» também desafiaram a linha do partido ao pedir um cessar-fogo. Entretanto, mais de 330 membros eleitos do Labour em todo o país assinaram uma carta dirigida a Starmer exigindo um cessar-fogo em Gaza, condenando os ataques israelitas que definiram como «punição colectiva» do povo palestiniano. A liderança não respondeu.

Numa das marchas pela paz, Andy McDonald fez um discurso em que afirmou: «Não descansaremos até que tenhamos justiça, até que todas as pessoas, israelitas e palestinianos, entre o rio e o mar possam viver em paz e liberdade.» O partido disse que o discurso era «profundamente ofensivo» por utilizar a expressão pró-Palestina «do rio ao mar» e suspendeu McDonald do seu lugar de deputado.

O autarca Taj Salam venceu com o Labour, em Maio, e com 86% dos votos, uma freguesia de Bradford (a segunda maior cidade de população muçulmana do Reino Unido, a seguir a Londres). Abandonou o Labour em Outubro. «Sou trabalhista desde que migrei para Bradford em 1978. Assim que comecei a trabalhar, comecei a ler sobre que partido me representava e era o Trabalhista. O partido dos trabalhadores, o partido das pessoas de cor, o partido que me defenderia e se levantaria contra a discriminação, entende o que quero dizer? Não existe mais», diz. «Não pedir um cessar-fogo depois de 8000 pessoas terem perdido a vida e um milhão de pessoas terem sido deslocadas, é desumano. Votei no Labour toda a minha vida, as pessoas que me elegeram votaram no Labour durante toda a vida, mas depois disto não vou votar no Labour e, pelo que me dizem, o eleitorado também não o fará. As pessoas estão para lá de frustradas e com raiva, não acho que ele [Starmer] perceba o estado de espírito das pessoas no país.»

De facto, Starmer parece não estar a perceber o ânimo do país – manifestações pró-Palestina e a exigir um cessar-fogo imediato têm enchido semanalmente as ruas de todo o país. Só em Londres, 100 mil pessoas manifestaram-se a 21 de Outubro, e quase meio milhão dia 28. Milhares em todas as grandes cidades desde o início de Outubro. Milhares esperados este sábado. Movimentações de sindicatos e acções de bloqueio a fábricas de armamento israelita no Reino Unido, como a Elbit Systems, têm mobilizado várias centenas de trabalhadores.

«O partido dos trabalhadores, o partido das pessoas de cor, o partido que me defenderia e se levantaria contra a discriminação, entende o que quero dizer? Não existe mais»

Taj Salam

Um inquérito da Muslim Census à população muçulmana concluiu que a resposta positiva ao voto potencial do Labour nas próximas eleições desceu 66%. Em 2019, 71% dos muçulmanos britânicos votariam Labour. Em 2023, apenas 5% admitem votar nos Trabalhistas. «Quase todos os entrevistados afirmaram que a mudança na intenção de voto foi resultado da reacção aos acontecimentos em Israel e na Palestina.» A maioria dos entrevistados admite abster-se, votar em candidatos independentes ou nos Verdes.

Um membro sénior do Labour disse que as demissões em massa sobre a posição do partido sobre Gaza eram uma espécie de «afastar das moscas». O Times, jornal de direita, correu a explicar que «as sondagens mostram que (provavelmente) Starmer pode dar-se ao luxo de perder o voto muçulmano». E o antigo ministro da Defesa de John Major, Michel Portillo, disse que Starmer «fez a coisa certa» em opor-se ao cessar-fogo em Gaza, porque «os Estados Unidos querem saber se um governo Labour se desviaria da aliança com os norte-americanos».

Vários deputados do Labour disseram, sob anonimato, ao jornalista Shehab Khan da ITV, que estão «frustrados por lhes ter sido dito que parte da política do partido para Gaza era essencialmente seguir a Casa Branca»: «Não vale a pena Starmer tentar convencer as pessoas de que uma pausa humanitária é a resposta quando ele literalmente advogará uma nova posição mal Biden e Sunak a anunciem.»

A influência de Israel

Recentemente saído do escândalo sobre antissemitismo durante a liderança de Jeremy Corbyn, e após o relatório da Comissão de Igualdade e Direitos Humanos (EHRC) que reconheceu entretanto que o Labour tinha, de forma satisfatória, passado o seu período de observação, a verdade é que, como lembrou o grupo Jewish Voice for Labour, a «alegação de o Labour estar a combater o anti-semitismo resultou numa purga [de militantes] judeus». O Labour, dizem, «deixou de ser o lugar para judeus de esquerda».

Diferentes alas dentro do Labour demonstram diferentes posições ideológicas (pró-Corbyn, como o Jewish Voice for Labour; ou pró-Starmer, o Jewish Labour Movement), mas também políticas relacionadas com Israel e a Palestina. Sobretudo no que diz respeito ao posicionamento sobre a definição de antissemitismo (apresentada em 2016 pelo International Holocaust Remembrance Alliance, e adoptada pelo Labour a partir da liderança Starmer) e que faz equivalência, de forma ambígua, entre a crítica a Israel ou ao expansionismo sionista com o crime de antissemitismo.

«Diferentes alas dentro do Labour demonstram diferentes posições ideológicas (pró-Corbyn, como o Jewish Voice for Labour; ou pró-Starmer, o Jewish Labour Movement), mas também políticas relacionadas com Israel e a Palestina.»

Esta definição adoptada por mais de 30 estados e 1000 entidades políticas e institucionais em todo o mundo (incluindo os EUA e a UE, mas não a ONU), e já criticada por inúmeros académicos e especialistas em direitos humanos, a Human Rights Watch, a Amnistia International ou os Breaking the Silence, determina a impossibilidade de discussão sobre o estado de Israel e a sua política de ocupação da Palestina, sob pena de acusação de crime de anti-semitismo. Sublinhe-se, crime. Inúmeros militantes judeus do Labour foram, assim, suspensos do partido sob essa mesma acusação, por criticarem Israel ou apoiarem a libertação da Palestina.

As posições da liderança do Labour ao recusar-se a denunciar os crimes de Israel contra o povo palestiniano após 7 de Outubro, a punição colectiva de civis, a exigência de um cessar-fogo, quando mais de 10 mil palestinianos já foram assassinados pelo estado israelita em Gaza, chocam também diante das revelações de um relatório sobre a influência do grupo Labour Friends of Israel junto de vários membros do partido.

Segundo documentos a que a Declassified UK teve acesso, 13 dos 31 membros do governo-sombra do Labour, entre eles, Keir Starmer, «a sua vice, Angela Rayner, o ministro-sombra dos Negócios Estrangeiros, David Lammy, e até mesmo a ex-vice-presidente dos Labour Friends of Palestine, Lisa Nandy, que agora é ministra-sombra para o Desenvolvimento Internacional» receberam «doações de um relevante grupo de lobby pró-Israel», o Labour Friends of Israel, «que leva deputados em missões à região», e por Sir Trevor Chinn, um empresário multimilionário britânico, fundador do LFI, e que foi o maior doador da campanha para a liderança de Keir Starmer, em 2020. O Labour Friends of Israel define-se como um grupo de lobby «baseado em Westminster que trabalha dentro do Labour para promover o Estado de Israel».

Chocará ainda alguns estarmos a falar de um partido fundado por sindicatos de trabalhadores, que mobilizou, durante décadas, movimentos de esquerda internacionalista e de solidariedade com trabalhadores em todo o mundo, das Malvinas à Guiana, dos sindicatos escoceses contra o golpe do Chile às grandes marchas de apoio ao ANC e pela libertação de Mandela nos anos Thatcher, da solução dos dois Estados no Médio Oriente, aos milhões contra a guerra no Iraque em 2003.

Mas um Labour submisso aos interesses de Israel não deverá surpreender ninguém. Afinal, o Labour é também o partido fundador da NATO em 1949, um partido que teve como primeiro-ministro um dos artífices responsáveis pela invasão do Iraque e que apresentou ao mundo «provas» falsas de armas de destruição em massa que, meio milhão de mortos iraquianos depois, nunca foram encontradas.

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