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|Venezuela

«Os EUA gostariam de ser donos do Essequibo», diz autarca venezuelano

Numa entrevista ao Brasil de Fato, Ángel Prado, coordenador nacional da Unión Comunera e autarca do município de Simón Planas, defendeu que a Venezuela não pode aceitar a presença de «gringos» no território.

Ángel Prado é coordenador nacional da Unión Comunera e autarca de Simón Planas, município do estado de Lara, na Venezuela 
Ángel Prado é coordenador nacional da Unión Comunera e autarca de Simón Planas, município do estado de Lara, na Venezuela CréditosNatxo Devicente / Brasil de Fato

O venezuelano Ángel Prado esteve recentemente no Brasil para participar na formatura da primeira turma internacionalista do Instituto Educacional Josué de Castro, de Viamão (estado do Rio Grande do Sul), com jovens da Venezuela e da Argentina.

O coordenador nacional da Unión Comunera e autarca de Simón Planas, município do estado de Lara, com 35 mil habitantes, também visitou comunidades rurais e urbanas e cozinhas solidárias.

Muito próximo do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Prado conversou com o Brasil de Fato, abordando questões como a disputa com a Guiana pelas terras do Essequibo, o papel central das comunas na defesa da revolução bolivariana, a importância da educação e da consciência de classe, a solidariedade internacional dos movimentos quando a Venezuela ficou isolada e o seu «grande amor pelo MST», que ajudou a matar a fome no seu país.

Brasil de Fato – Nos explique este conflito agora envolvendo a Venezuela e a Guiana?

Ángel Prado – Entendo que o imperialismo norte-americano e as potências europeias buscam desesperadamente controlar a América Latina. Temos visto, nas últimas três décadas, o surgimento de movimentos populares e indígenas fortes que tomaram o poder, geraram mudanças e que conseguiram muita participação popular. Isto representa um perigo para os donos do poder e um grande perigo para a burguesia. E a América Latina tem as maiores reservas minerais do mundo.

O Essequibo sempre pertenceu à Venezuela ou, pelo menos, como há uma disputa, ninguém deveria estar operando ali. Ninguém poderia estar extraindo recursos dali. Os estadunidenses e os britânicos sempre foram os que lideraram esta luta ou controvérsia entre a Guiana e a Venezuela. Sempre se reservando o direito de opinar sobre o território. Desde 2015, num momento de extrema debilidade política venezuelana, começaram a extrair petróleo. Instalaram-se ali suas transnacionais e muito perto instalam as suas bases militares. Há uma divisão política na Venezuela entre a direita, supostamente nacionalista, e o governo socialista.

Há uma crise política e parece ser o momento preciso para começarem a ocupar o território (do Essequibo) porque lhes pareceu que não teríamos condições. Às portas de uma guerra civil, não teríamos condições para levantar a voz como estamos levantando. Dizendo que historicamente este território nos pertence. E, neste ano, na véspera de eleições, não somente na Venezuela, mas também nos Estados Unidos, os abusadores se atrevem. Celebramos que, em 2020 e 2021, Maduro aprofundou a reclamação sobre Essequibo e, agora, a aprofundou mais ainda.

Parece que a direita ficou entusiasmada na América Latina com a vitória de [Javier] Milei, na Argentina, e [de Daniel Noboa] no Equador. Aumentam o bloqueio contra Cuba e esperam o possível retorno de governos de direita em nossos países. E o governo títere da Guiana rende-se ao imperialismo. Chávez chamá-lo-ia cachorro do imperialismo. Vínhamos de boas relações com a Guiana e não havia confrontação. Tememos que os Estados Unidos tomem a área petrolífera do [rio] Orenoco, que é a segunda maior do mundo. Gostariam de ser os donos do Essequibo.

Criticaram a Venezuela por ter anexado o Essequibo. O que estamos fazendo é uma frente de defesa do nosso território e da nossa soberania. Não podemos ser ingénuos e crer que isto é casual. É todo um plano. E, bem, seguramente vamos ver muita confrontação. E toca-nos defendermo-nos, buscar o apoio internacional.

A Venezuela lutou por este território nos anos de 1960 e 1970. Em 2023, nos cremos em condições de enfrentar a situação. Não podemos deixar que os Estados Unidos se instalem como um estado autónomo para ter o controle total dessa zona com a cumplicidade do governo da Guiana. Dentro de algumas semanas teríamos os gringos na faixa petrolífera do Orenoco controlando todo o Sul da Venezuela.

Como é o funcionamento das comunas na Venezuela?

Sou um comuneiro, venho de uma comunidade localizada no centro ocidental da Venezuela. É uma organização popular que existe desde 2009. A minha comuna lança-se a partir da revolução. É formada por muitas famílias camponesas sem terra. Tem uma estrutura e personalidade jurídica. E tem conta bancária, agenda de trabalho e plano de lutas. Tem um território definido, e as decisões são submetidas à assembleia cidadã. Trabalha-se o político, o social, o económico, o cultural e também o territorial. Há um autogoverno num território que funciona sobretudo a partir da visão da comunidade.

Quantas pessoas vivem na tua comuna?

Somos 9000 habitantes. Existem programas que chegam a uma parte da população segundo o interesse das pessoas em participar. Assumem competências da necessidade comum, como a distribuição do gás, dos alimentos e dos serviços. O autogoverno do território assume parte desse trabalho. A comuna nasce como uma nova forma política de se fazer governo.

Como se dá a relação com o governo da cidade?

Há uma disputa entre os dois modelos. O modelo comunal, socialista, contra o modelo liberal burguês. O presidente Hugo Chávez foi o grande promotor que buscou construir uma nova forma de se fazer política.

A comuna começou já no primeiro governo de Chávez?

Em 2006, Chávez propõe criar governos territoriais que se chamam conselhos comunais. E comités de trabalho tocam a agricultura, o social, a saúde, as finanças. Começou a executar os projectos, planos de habitação, as missões sociais. Chávez não as executava pela via tradicional e conseguiu a participação de muita gente. O povo assumiu o poder, aprendeu a gestionar a partir da sua organização e participação. Passou a executar projectos e a dar resposta às nossas necessidades. Isto para sair do paternalismo e do assistencialismo que sempre se teve com a política representativa da Venezuela.

«O meu primeiro voto foi para Chávez. Não sabia nada de política», conta Ángel Prado // Natxo Devicente / Brasil de Fato

Em 2009, aprofundou-se o modelo comunal. A produção da comuna. Também se começa a eliminar algumas estruturas do Estado tradicional burguês, como as estruturas legislativas e paroquiais. E estamos na tarefa de construir o Estado comunal. É normal reconhecer que esta não era a nossa tradição. É um factor de vontade política do governo de seguir construindo as comunas.

Percorremos toda a Venezuela e levantamos a situação económica, a situação do bloqueio, a pandemia, os embargos. A aposta comunal segue em marcha. Hoje, muitas comunas organizadas vão-se juntando com outras que estão nascendo. Está surgindo uma poderosa organização nacional de comunas, disputando espaços no campo económico, político e, agora, disputa no campo eleitoral. O que conta com o reconhecimento e o apoio financeiro do presidente Nicolás Maduro.

Esta conquista não estamos dispostos a perdê-la. Sempre se negou a participação ao povo. A revolução bolivariana permitiu a participação popular, convocou-nos a fazer política e, bem, já temos anos nas ruas e já estamos há anos organizados.

Existe uma tarefa clara que temos: disputar o poder ao Estado tradicional burguês. Algumas estruturas não aceitam e pretendem preservar o poder. Porém, há uma consistência entre a revolução bolivariana de Maduro e a base popular. Com a intenção de concretizar o nosso projecto primeiro. O que sustenta a revolução bolivariana é um compromisso moral com o seu comandante Hugo Chávez. E é a estratégia bolivariana para realizar as mudanças necessárias.

Como se mantém o governo Maduro mesmo com os ataques da extrema-direita dentro do país? E dos Estados Unidos? Qual o papel das comunas nisso?

Sim, temos avançado nos campos ideológico, político e cultural. Nós sustentamos a revolução popular na Venezuela. Se não houvesse a organização popular, já não teríamos o que temos. Sabemos o que ocorreu noutros países, o que ocorreu no Brasil e também o que se tentou fazer contra Chávez em 2012.

Hoje, visitei o Morro da Cruz, aqui em Porto Alegre, e fiz algumas perguntas. Perguntei sobre as estruturas político-organizativas do bairro. E falaram-me de várias. É certo que, no Brasil, o movimento campesino leva muita vantagem. Está muito organizado para disputar a terra, para produzir, para educar-se, para realizar, para distribuir.

Porém, é certo que, na zona urbana, na Venezuela, se avançou antes e é onde está concentrada a população. Esta base popular organizada viveu uma bonança económica, a era boa do petróleo. Depois, houve as guarimbas, os protestos contra Maduro, onde vimos até a prática de queimar pessoas. Tivemos uma debacle económica. Uma situação muito dura, enfrentar uma migração forçada, logo depois da pandemia, para o Brasil. Superámos tantas coisas graças a esta base social organizada nas grandes cidades e menos nos campos e zonas rurais. É uma base que efectivamente está decidida a preservar o modelo político que hoje temos. Porém, preservar desde a Constituição, resistir dentro da Constituição.

O meu primeiro voto foi para Chávez. Não sabia nada de política. E foi tanta a participação que permitiu à juventude venezuelana formar políticos e dirigentes. Na Venezuela, antes de Chávez, os jovens da periferia chegaram a comer sapatos para suportar a fome, além de muitas outras coisas terríveis que agora não se vêem, apesar dos problemas que temos.

Somos cinco milhões de habitantes que estão em comunas e participam da estrutura política. São 42 mil conselhos comunais. Cada conselho pode ter de 100 até mil moradores. Estamos em cerca de três mil comunas pelo país. Algumas com mais avanços e outras com menos.

Trabalham dentro das comunas?

Muitos trabalham dentro das comunas, mas não são necessariamente comuneiros. Podem trabalhar para o governo, para uma empresa privada, mas, na comunidade em que vivem, há um conselho comunal, uma assembleia, um comité de trabalho e actividades comunitárias. De maneira militante.

São pessoas que nem compartilham ideologicamente a revolução, mas vivem ali e interessa-lhes que a comunidade seja organizada e por isso participam. São patriotas que se ocupam que não ocorra uma guerra civil no país. É essa base organizada que mantém o projecto da revolução bolivariana.

Como as comunas trabalham com a formação, a educação e a comunicação?

Há um modelo educativo para conscientizar a partir da informação, do estudo. Conscientizar a população e construir a participação da juventude desde o desporto, a cultura, a comunicação. Creio que as comunas que terão maiores avanços são as que fazem a disputa ideológica. As que têm maior interesse em aprofundar a mudança de modelo e transitar para a nova sociedade.

Ángel Prado foi ao Brasil para a formatura da primeira turma Internacionalista do Instituto Educacional Josué de Castro // Natxo Devicente / Brasil de Fato

Se uma comuna não tem dirigentes com propostas conscientes, se não tem clareza da luta de classes, se não tem clareza da luta anti-imperialista, não irá avançar e, facilmente, um partido político irá apropriar-se dela. Controlá-la. Há experiências que propõem a comunicação como um meio para transmitir informações. Temos periódicos comunais, existem escolas de comunicação que fazem murais, transmitem mensagens de conscientização.

Procuramos esclarecer sobre quem estamos enfrentando, mostrar quais são as causas da situação da economia do nosso país, alertar sobre a necessidade de adoptar novos meios para ter melhores resultados.

Por exemplo, na Venezuela, durante uns três anos, os pequenos agricultores não puderam plantar porque não havia sementes. Não entravam sementes no país. Tivemos que convencer a todos que devíamos produzir sementes. Num momento ficámos sem a arepa [bolo de milho], a principal comida venezuelana, e ninguém do sector privado fabricava farinha. Fizemos uma mobilização forte de gente do movimento popular que entrou no campo industrial e fabricou a farinha. Não fez falta o sector privado e isso deixou um ensinamento.

Estamos reinventando-nos, rompendo esquemas. Não estamos produzindo carros, mas estamos produzindo hortaliças. Nunca se importou hortaliças mesmo na situação mais dura da guerra económica de 2016 a 2018. Descobrimos que podíamos jogar com a arma que tinha a direita que eram os alimentos. Para nós era impossível fazer os embutidos, processar carne. Agora, podemos.

Isto se dá na parceria com o MST. Vieste aqui no Brasil para a formatura de jovens que estudaram na escola do movimento. Como se dá esta parceria?

Temos um grande amor pelo MST. Ele tem dado muita solidariedade ao nosso povo. Temos comido na Venezuela o arroz agroecológico do MST. Temos conseguido alimentar-nos com vários produtos que foram daqui, sobretudo nos momentos mais duros.

Quando os governos do mundo nos deixaram sozinhos. Quando Nicolás Maduro saía pelo mundo buscando quem se animava a vender comida para a Venezuela, entre os que se atreveram estava o MST. É gente que se organizou como comuna numa grande nação, uma potência económica.

Agora tive a oportunidade de conhecer experiências com companheiros e companheiras da minha comuna e da minha organização, a Unión Comunera. Somos povos que nos abraçamos, que nos completamos. Somos povos anti-imperialistas. Cremos no socialismo. O que ocorre entre as pessoas de uma comunidade no meu país é como uma prática socialista. Sentir a dor do companheiro, das famílias, dedicar-se voluntariamente, sem remuneração, fazer um trabalho, sobretudo as mulheres.

Foram anos duros, os governos deixaram-nos sozinhos, mas os povos sempre creram em nosso futuro. Cubanos, gente da Nicarágua, brasileiros do MST e do MPA [Movimento dos Pequenos Agricultores], argentinos, companheiros da Colômbia, companheiras do País Basco. Estou seguro de que a Venezuela sairá dessa, apesar da quantidade de coisas negativas nos meios de comunicação de massa de 150 países.

Sentimos a necessidade de ensinar os nossos filhos sobre os programas de educação popular, de educação técnica. Entramos no debate em torno do modelo agrícola, que trata de fazer o possível para se afastar do modelo tradicional explorador que acaba com o meio ambiente. E isso aproxima-nos muito do MST e andamos por esta terra procurando ideias para implementar no nosso país.

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