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O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra faz 40 anos

O MST nasceu em Janeiro de 1984, em Cascavel (Paraná), tendo-se tornado um dos maiores movimentos populares da América Latina. Actualmente, está organizado em 24 estados do Brasil.

Começou esta segunda-feira e prolonga-se até sábado o encontro da coordenação nacional do MST, na Escola Nacional Florestan Fernandes, em Guararema (São Paulo), no contexto das comemorações dos 40 anos de existência do movimento 
Começou esta segunda-feira e prolonga-se até sábado o encontro da coordenação nacional do MST, na Escola Nacional Florestan Fernandes, em Guararema (São Paulo), no contexto das comemorações dos 40 anos de existência do movimento CréditosPriscila Ramos / mst.org.br

Há 40 anos, cerca de 100 pessoas juntaram-se em Cascavel para participar no 1.º Encontro Nacional Sem Terra – evento no qual surgiria o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Logo no ano seguinte à fundação, teve lugar o primeiro Congresso Nacional do MST, no qual se afirmou que «sem a terra não há democracia». O congresso, que decorreu entre 29 e 31 de Janeiro de 1985, foi um marco histórico para os sem-terra. Ali seriam construídos os lemas «Terra para quem nela vive e trabalha» e «Ocupação é a Única Solução».

Quadro décadas passadas, o MST está organizado em 24 estados brasileiros, com 185 cooperativas, 1900 associações, 120 agro-indústrias, cerca de 400 mil famílias assentadas e outras 70 mil a viver em acampamentos, indica o Brasil de Fato.

No âmbito das comemorações dos 40 anos de existência, teve início esta segunda-feira o encontro da coordenação nacional do MST, na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), em Guararema (São Paulo).

As actividades, anuncia o movimento no seu portal, prolongam-se até ao próximo sábado, contando com a participação de 400 trabalhadores sem-terra representantes de 24 estados do país sul-americano.

Também no âmbito deste aniversário, o MST irá realizar, em Julho, o seu 7.º Congresso Nacional, sendo esperadas cerca de 15 mil pessoas em Brasília.

O último evento do género, lembra o Brasil de Fato, ocorreu em 2014, quando o movimento definiu que, para além da democratização do acesso à terra, era preciso disputar o modelo produtivo de agricultura. Foi então que acrescentou a palavra «popular» à reforma agrária que defende, reivindicando de forma mais contundente, por exemplo, os debates ambientalistas e a defesa da agroecologia.

«Já nasce com cicatrizes»

Para o geógrafo Bernardo Mançano, autor, entre outros, do livro A formação do MST no Brasil e investigador do movimento desde o início, o momento mais crítico do MST foi nascer.

«O movimento nasce no seio da ditadura. Ele já nasce com cicatrizes políticas de um processo que prendeu e ceifou vidas, mas ainda assim consegue conquistar territórios e começar o processo de espacialização da luta», disse Mançano.

O caldo em que surge a fundação do MST foi o das lutas pela redemocratização na viragem das décadas de 1970 e 1980, com ocupações de latifúndios feitas por agricultores no estado do Rio Grande do Sul. Uma das mais icónicas foi a Encruzilhada Natalino, em Dezembro de 1980, que recebeu grande apoio da Igreja Católica e da população da região.

«Aqueles colonos estavam numa tentativa de sobrevivência muito concreta, certamente não pensavam no que isso viria a ser. Mas, olhando no retrovisor da história, foi uma inovação do formato de luta por terra no Brasil: a ocupação com lona preta», sublinha Ceres Hadich, da coordenação nacional do MST. «A Encruzilhada Natalino inaugurou um jeito de pensar a luta pela reforma agrária e fazer política que viria a ser uma das grandes marcas do MST», resumiu.

Gilmar Mauro, também da coordenação nacional, não esteve no encontro fundacional do MST, em 1984, mas integrou-se logo no ano seguinte, quando fez 18 anos. Nascido na cidade de Capanema, numa região paranaense de pequenos agricultores, Gilmar participou na ocupação de Marmelheiro, que em 1986 se tornaria um assentamento regularizado.

Esta foi uma de muitas tomadas de latifúndio que o movimento realizou na região Sul logo após o seu surgimento. Inspirados em experiências anteriores como a das Ligas Camponesas e do Movimento dos Agricultores Sem Terra (Master), os criadores do MST definiram que ele seria nacional e teria três objectivos: a luta por terra, pela reforma agrária e por transformação social.

«Já no início o movimento experimentou a produção com cooperativas», afirmou Ceres. «A educação também sempre teve um papel fundamental. Percebemos que era preciso criar nosso jeito de educar, formular uma pedagogia sem-terra», disse, destacando a experiência das escolas itinerantes.

A violência, a reacção e o boom do MST

Pouco depois, o movimento enfrentaria a sua década mais sangrenta, mas também aquela em que se deu a conhecer ao Brasil. Se a violência no campo esteve presente ao longo dos 40 anos do MST, para Hadich o período entre 1995 e 2010 é aquele em que a conjugação «Estado, milícia e latifúndio se revela especialmente».

O massacre de Eldorado do Carajás, que fez do 17 de Abril o dia mundial de luta pela terra, é o mais emblemático destes episódios.

No entardecer daquele dia de 1996, cerca de 1500 sem-terra chegavam ao local conhecido como Curva do S, no Sudoeste do Pará, a caminho de Belém para reivindicar ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) a desapropriação de uma fazenda. Cercados e atacados por 155 agentes da Polícia Militar, 21 camponeses foram assassinados e 79 ficaram feridos.

A comoção com o ataque, que teve cenas televisionadas, foi imensa, afirma o Brasil de Fato, lembrando que o debate sobre a reforma agrária tomou o centro da agenda política brasileira. Em 1997, três marchas simultâneas convocadas pelo MST saíram de pontos diferentes do país e caminharam durante cerca de dois meses até chegar a Brasília, no dia em que o massacre fez um ano, juntando perto de 100 mil pessoas.

«Foi histórico. Mas não foi o MST que colocou 100 mil. Foi a sociedade que aderiu. E colocou o movimento em outro patamar», salientou Gilmar Mauro.

Naquele 17 de Abril de 1997 foi lançado o livro de fotos Terra, de Sebastião Salgado, sobre luta pela terra, com uma apresentação de José Saramago e acompanhado por um CD de Chico Buarque. Os três artistas doaram os direitos de autor do trabalho ao MST, que, com o dinheiro arrecadado, construiu a Escola Nacional Florestan Fernandes, em Guararema (São Paulo).

É nessa fase pós-massacre de Eldorado do Carajás que a TV Globo transmite a novela O rei do gado. Com um enredo que envolve um romance entre uma sem-terra e um fazendeiro, a novela teve, no entender de Gilmar Mauro, «o intuito de domesticar o MST, de desfazer o conflito». «Mas teve o efeito contrário. Acabou difundindo o tema da reforma agrária e o MST a nível nacional», disse.

Marcha histórica do MST com 100 mil pessoas em Brasília, em 1997, no contexto do primeiro aniversário do massacre de Eldorado do Carajás // Douglas Mansur / Arquivo e Memória MST

Para Gilmar, 1997 é um ano de viragem para o movimento. «Ganhámos as cidades. Principalmente as universidades. Muita gente entra para o movimento. Até surge uma palavra de ordem na época: "reforma agrária se faz no campo, mas se conquista na cidade"», relembrou.

O crescimento, no entanto, não fez cessar a violência. Para Ceres, um dos marcos da nova roupagem da repressão, acompanhando as mudanças do agronegócio a partir dos anos 2000, com o boom da exportação de commodities, os transgénicos e a financeirização, foi a morte de Keno, como era conhecido o agricultor Valmir Mota de Oliveira.

Em Outubro de 2007, aos 34 anos, Keno foi assassinado por seguranças contratados pela transnacional suíça Syngenta. Ele participava, com outras 150 pessoas da Via Campesina – articulação internacional de movimentos populares do campo que o MST integra –, numa ocupação na cidade de Santa Tereza do Oeste (Paraná). A acção denunciava a ilegalidade dos experimentos que a empresa, uma gigante do sector de transgénicos e agrotóxicos, fazia na zona.

Os militantes foram atacados por 40 homens armados da empresa NF Segurança. Além de Keno, a agricultora Isabel Nascimento de Souza foi colocada de joelhos para ser executada. Quando o tiro veio, ela ergueu a cabeça e foi atingida no olho direito. Ficou cega, mas sobreviveu. Outros três activistas ficaram feridos. Em 2018, a Syngenta foi condenada pelo Tribunal de Justiça do Paraná.

«’O diferencial do assassinato do Keno pela Syngenta é que a gente não estava falando mais da violência do latifundiário, do jagunço. A gente estava falando da transnacional, daquela empresa que está no mundo impondo os transgénicos, que tem sede na Suíça», afirmou Hadich. Hoje, no local onde Keno foi morto, funciona o Centro de Pesquisas em Agroecologia Valmir Mota de Oliveira.

Este ano, em Julho, o MST celebra o seu 7.º Congresso Nacional // Priscila Ramos / mst.org.br

As décadas de 1990 e 2000, analisou Ceres, «revelaram a violência do capital e do agronegócio e, nesta dor, nos permitiu ser acolhidos pela sociedade brasileira. Escancarou isso: são trabalhadores pobres do campo que não têm nada, que estão numa luta digna e estão apanhando, morrendo por conta disso. Foi um período que, contraditoriamente, nessa violência e nesse luto, revelou à sociedade um MST que ninguém conhecia».

Transição para a disputa de modelo

Outra viragem na história do MST ocorreu em 2014. A agroecologia – modelo de agricultura baseado em princípios ecológicos e relações socialmente justas, sem utilização de fertilizantes sintécticos, agrotóxicos ou sementes transgénicas – já vinha a ser incorporada pelo movimento desde o início dos anos 2000. Foi no seu último congresso, no entanto, que o MST consolidou o entendimento de que o enfrentamento ao agronegócio é, para além da disputa pelo pedaço de chão, uma disputa de modelo, sobre como se trabalha naquela terra.

«Entendemos que não faz sentido a defesa de uma reforma agrária puramente distributivista e produtivista, ao estilo clássico. Mas que no Brasil, pelas condições características, precisaríamos de avançar para outro tipo, sim de reparto fundiário, mas pensando de outra forma a questão ecológica, produtiva, alimentos saudáveis e assim por diante», explicou Gilmar Mauro. «É um salto de qualidade imenso», frisou.

Em 2024, o 7.º Congresso Nacional deve sistematizar o próximo salto. «Essa é uma grande expectativa», disse Ceres Hadich: «acertar na síntese que vai apontar por onde vamos caminhar nos próximos anos.»

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