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|Haiti

Intelectuais haitianos opõem-se a nova ocupação militar e apontam saídas para a crise

Em conversa com Neno Garbers, jornalista brasileiro residente no Haiti, professores, intelectuais e militantes de organizações políticas abordaram a situação no país e opinaram sobre o que fazer.

Numa manifestação no Haiti, lê-se no cartaz «Abaixo a ocupação» 
Numa manifestação no Haiti, lê-se no cartaz «Abaixo a ocupação» Créditos / Brigada Internacionalista Jean Jaques Dessalines / Brasil de Fato

O país antilhano vive uma situação de crise aguda, com uma onda de violência que forçou milhares de pessoas a deixarem as suas casas e no âmbito da qual se demitiu o primeiro-ministro, Ariel Henry.

A saída acordada por actores internacionais é o envio de mais forças de segurança, sejam soldados ou polícias, apressando o cumprimento de decisão do Conselho de Segurança das Nações Unidas que foi adoptada em Outubro último a pedido do próprio Henry, com o apoio dos Estados Unidos.

Apoiar a nova missão militar tornou-se uma exigência para quem quiser ser um dos sete membros do Conselho de Transição Presidencial, que deve assumir provisoriamente o governo e convocar eleições. O órgão, proposto na Jamaica pela Comunidade das Caraíbas (Caricom), deve, pelo menos em teoria, fazer a mediação entre diversos grupos haitianos.

A medida, apoiada, entre outros, pelo secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, está não longe de ser consensual, temendo-se que esta nova missão guiada pela ONU, como ocorreu noutros momentos da história do Haiti, deixe resultados catastróficos no país caribenho.

A Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos, a Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América – Tratado Comercial dos Povos (ALBA-TCP), grupos solidários com o Haiti na América Latina (como na República Dominicana e na Argentina) manifestaram a frontal oposição a uma nova intervenção no país antilhano.

Por seu lado, refere o Brasil de Fato, as organizações políticas haitianas, muito divididas quanto a essa exigência, tiveram apenas 48 horas para decidir se estavam de acordo e indicar os nomes dos seus representantes. Muitos deles têm apontado esta como a mais recente chantagem política internacional sobre o país, destaca a fonte.

Sobre Ariel Henry, que é encarado como ilegítimo por boa parte da população, tendo sido nomeado por Jovenel Moïse, ex-presidente que foi assassinado apenas dois dias após a nomeação de Henry como primeiro-ministro, também pesam graves denúncias de ligações a diversos grupos armados no país.

Da esquerda para a direita a partir de cima: Michel Soukar, Jacques Adler Jean Pierre, Camille Chalmers e Didier Dominique / Brasil de Fato

Neste contexto, e tendo em conta que o povo haitiano já tinha formulado, em 2021, um conjunto de propostas não violentas para viabilizar a transição política no país, consagradas naquilo que foi designado como Acordo de Montana, Neno Garbers, jornalista e investigador brasileiro residente no Haiti desde 2012, conversou com vários actores políticos e intelectuais do país, procurando saber o que apontam para resolver a actual crise.

Jacques Adler Jean Pierre é membro do partido Pitit Desalin (Filhos de Dessalines) e abandonou o acordo por discordar da exigência de que todos os membros têm de aceitar a missão estrangeira.

«Hoje, mesmo se aceitássemos uma missão aqui, nós é que devíamos decidir que tipo de missão tem a ver com a gente. Depois de muitas missões, a situação política, social, etc., complicou-se e elas não trouxeram solução de verdade», afirmou.

«Não podemos dizer que o país não mereça ajuda, mas acreditamos que seja importante que os haitianos estejam unidos e reflectindo sobre o tipo de missão que queremos, de que país viriam [as tropas] e que tipo de ajuda [...]. Temos que ver com atenção quem é amigo a sério, quem é mais sincero entre os amigos, e quem tem vontade de ajudar de verdade, [...] porque as missões das Nações Unidas, em particular as trazidas pelos EUA, nunca trouxeram nenhuma solução para o país. [...] depois delas a situação sempre se complicou», defendeu.

«Todos os haitianos deveriam unir-se, e é isso que é mais difícil, unir-se para dizer de que ajuda precisamos. Mesmo que estejas com fome, correr para apanhar algo venenoso para comer, só para ficar de barriga cheia, não resolve», alertou.

«Por que a comunidade internacional, que não conseguiu dar respostas ao problema, agora nos dá apenas dois dias para tomar uma decisão? Percebes que eles nos querem fazer tomar uma decisão à pressa, para depois, graças à decisão rápida e de cabeça quente, eles terem o controle da situação», acusou.

Acrescentou: «É quando eles têm o controle da situação que se sentem à vontade [...] controlam a crise e recriam a crise, então não é bom para nós.»

Camille Chalmers é uma referência enquanto economista e sociólogo, faz parte do PAPDA (Plateforme haïtienne de Plaidoyer pour un Développement Alternatif), que integra vários movimentos sociais e organizações, e é militante do partido de esquerda Rasin Kan Pèp (Raiz do Campo Popular, em tradução livre) e da Alba Movimientos. O seu partido faz parte do Acordo do Montana.

Defende: «A demissão do primeiro-ministro Ariel Henry; estabelecimento de um governo de transição legítimo com uma série de acordos de governação; o fim do fluxo internacional de armas em direcção ao Haiti; o corte com o controle dos narcotraficantes e com outros sectores corruptos da elite haitiana que interferem no sistema político.»

Aponta igualmente: «Garantia de que não haja nenhuma intervenção militar externa; investimento e fortalecimento imediato da capacidade das instituições haitianas, incluindo a Polícia Nacional do Haiti (PNH), para fazer frente aos gangues.»

Didier Dominique é professor universitário, houngan (pai de santo vodu), sindicalista e dirigente da organização Batay Ouvriye (Batalha Operária, em tradução livre), grupo especialmente ligado à luta dos trabalhadores urbanos e que não participou de nenhum dos acordos que terão representantes no Conselho Presidencial.

«Há duas respostas actualmente em jogo: uma para a classe dominante, quer dizer, para o Conselho Presidencial, para antigos deputados, ou ainda capitalistas, globalmente, imperialistas. Vão tentar sair da crise de forma organizada entre eles, encontrarem-se à frente dos grupos armados, que eles mesmos colocaram em funcionamento e agora abandonaram», disse.

«Mas para nós, massa popular, trabalhadores, operários, camponeses, que estamos a ser desalojados, a insegurança é a primeira coisa a ser resolvida. Em seguida, há uma série de reivindicações salariais, sobre condições laborais, transporte, [em relação] às quais a população deve encontrar os resultados que deseja», defendeu.

«Esse é um segundo tipo de solução e são as massas populares organizadas que podem permitir que isso aconteça, não o Conselho Presidencial, imperialista. Pelo contrário, essas pessoas estão contra a população, elas que colocaram os gangues aí para, justamente, a população não conseguir mobilizar-se. Então, são duas soluções diferentes», apontou.

Michel Soukar é historiador e um dos jornalistas e intelectuais mais influentes do país.

«Não sei se é sonho, mas gostava que o povo, vendo quem o colocou na situação de hoje, haitianos e estrangeiros, identificasse um líder que deseja e seja da sua confiança. E que de uma maneira ou de outra o impusessem, formando uma massa crítica para o apoiar, organizando-se e controlando-o», afirmou.

«Além disso, na cena internacional a única pessoa em que tenho confiança é Lula. [...] ele gostaria de fazer alguma coisa por este país, e eu adoraria que fizéssemos um rectângulo: Haiti, Cuba, Colômbia e Brasil. Uma cooperação Sul-Sul, embora existam países no Sul Global que não estão nesta proposta», disse.

Em seu entender, «a primeira coisa é tratar da segurança, e para isso e tudo o mais vamos precisar dos jovens, que são a fundação, num projecto que coloque a juventude como agente no projecto de nação. Pela primeira vez na história do Haiti, teríamos uma juventude que criaria o Estado em fundação com a nação, o que traria um sentimento de que tudo isso é dela», frisou.

Concluiu afirmando: «Construir uma nação é construir algo que todos reconheçam como seu. Ao contrário de 2004 [ano do golpe que derrubou o então presidente haitiano Jean-Bertrand Aristide], os EUA não são os únicos que cantam de galo.»

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