Num mundo onde se debate incansavelmente o conceito de soberania e autodeterminação dos povos, é curioso como um pequeno pedaço de terra no Médio Oriente conseguiu transformar-se num epicentro de violência, impunidade e manipulação internacional, tudo com o entusiástico apoio dos Estados Unidos da América. Israel não parece ser apenas um aliado dos EUA, pois é, na prática, uma extensão do seu braço armado, económico e ideológico. Um estado não oficial da federação norte-americana, com privilégios diplomáticos, imunidade militar e uma licença quase divina para matar.
As provas estão por todo o lado. E quando digo provas, refiro-me a vídeos, fotografias, testemunhos e relatórios que qualquer um com acesso à internet e estômago forte pode encontrar. São crianças desfeitas por bombas de fósforo branco, uma arma cuja utilização em zonas civis é proibida pelas convenções internacionais. São hospitais e escolas reduzidos a escombros. São civis alvejados a sangue-frio, homens amarrados a postes, mulheres a chorar filhos que nunca mais verão. Estes crimes de guerra não são segredos. Estão documentados. Circulam em fóruns, redes sociais alternativas e nos cantos sombrios da deep web.
A questão não é saber se estão a acontecer. É perceber por que razão ninguém faz nada.
A resposta está em Washington. A ajuda militar norte-americana a Israel ultrapassa, anualmente, os 3,8 mil milhões de dólares. Ajuda essa que não vem com exigências de respeito pelos direitos humanos ou de contenção. Pelo contrário: cada bomba lançada sobre Gaza é mais uma encomenda para a indústria de defesa americana. Cada edifício colapsado é um negócio fechado. Os EUA não são apenas cúmplices. São sócios de capital num genocídio transmitido em direto.
Mas há mais. Gaza, esse pedaço de terra transformado em prisão a céu aberto, guarda algo mais do que ruínas: guarda recursos. Sob as suas águas costeiras, jazidas de gás natural ainda por explorar despertam o apetite dos que se fazem passar por libertadores. Não é apenas uma guerra por território. É uma guerra por energia, por rotas, por controlo. Como se isso não bastasse, há quem fale numa rota terrestre alternativa ao Canal do Suez, detido pelo Egito, que poderia ligar o Mediterrâneo ao Golfo Pérsico. Uma rota que passa, adivinhe-se, por territórios palestinianos. Teorias, que como o nome indica, valem o que vale, mas dão que pensar…
«Sob as suas águas costeiras, jazidas de gás natural ainda por explorar despertam o apetite dos que se fazem passar por libertadores. Não é apenas uma guerra por território. É uma guerra por energia, por rotas, por controlo.»
Israel não é só um projeto político: é um investimento geoestratégico. E como todo o bom investimento americano, vem com cobertura mediática, campanhas de desinformação e a santificação automática de qualquer ação armada como «defesa». A máquina de propaganda está bem oleada. Nas televisões ocidentais, Israel defende-se. Os palestinianos morrem. Mas a culpa nunca é de quem puxa o gatilho. É sempre de quem nasceu do lado errado do muro.
«A primeira vítima da guerra é a verdade.» Esta frase nunca foi tão verdadeira. Fala-se em escudos humanos, em túneis, em Hamas, mas pouco se diz das famílias inteiras pulverizadas durante o sono. Pouco se diz da escassez de água potável, da eletricidade cortada, dos hospitais a operar sem anestesia. Israel justifica tudo com o direito à segurança. Como se a segurança de um povo passasse obrigatoriamente pela destruição de outro.
É aqui que a ironia se torna insuportável. Um povo que foi vítima de um dos maiores horrores da história moderna, perpetua agora atrocidades com a mesma frieza, a mesma brutalidade e a mesma desumanização com que um dia foi perseguido. As imagens da Faixa de Gaza fazem lembrar guetos murados, zonas de exclusão e pogroms disfarçados de operações militares.
Chamemos as coisas pelos nomes: isto não é uma guerra. É uma limpeza.
E quando tudo isto passa com o apoio do grande império do Ocidente, sim apoio, pois sanções e «chamadas de atenção» não chegam, devemos parar e refletir: quem nos governa? Quem molda a narrativa? Quem decide o que é justiça e o que é um dano colateral aceitável?
Israel, o quinquagésimo-primeiro estado americano, age como tal: impune, protegido e armado até aos dentes. E no meio deste teatro macabro, a Palestina sangra. Em silêncio, mas à vista de todos.
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