|Sudeste Asiático

O AUKUS prepara, a prazo, a guerra nuclear contra a China

EUA, Reino Unido e Austrália anunciaram um tratado explicitamente para combater a influência da China, ficando claro que o mesmo pretende ser instrumento de guerra nuclear contra este país.

Reunião virtual do presidente dos EUA, Joe Biden (C) com o primeiro-ministro da Austrália, Scott Morrison (E) e o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson (D), em 15 de Setembro de 2021, para estabelecer o AUKUS, pacto militar entre os três países
Créditos / Sipa/AP

1. No passado dia 15 de Setembro, os EUA, Reino Unido e Austrália anunciaram um tratado entre eles que criava o AUKUS1, explicitamente para combater a influência da China, ficando claro que pretende ser instrumento de guerra nuclear contra este país.

O AUKUS não é apenas um cão raivoso. Nem uma estirpe de vírus. Nem tão pouco uma variante pós-moderna de monstros primitivos. Nem uma recriação de poderio perdido pelo Reino Unido depois do Brexit através de uma nova «anglosfera». Nem apenas o «tratado dos submarinos nucleares. Nem apenas uma nova NATO para a região do Indo-Pacífico. Mas poderá ter de tudo isso um pouco.

Nem é apenas uma punhalada da Austrália à França, com o desvio de mais de 56 mil milhões de euros de um negócio da França com a Austrália de venda de 12 submarinos para negócio semelhante, mas com os EUA… É, sem dúvida, um negócio também tanto mais mafioso quanto a França não terá sido consultada para a ruptura do contrato e que fará entrar a Austrália no domínio do armamento nuclear.

E também se anuncia como não tratando apenas de dotar a Austrália com submarinos de propulsão nuclear, mas também de a equipar com mísseis Tomahawk e Hornet, e de a fazer participar nas pesquisas em matéria de mísseis hipersónicos, capazes de rivalizar com os mísseis nucleares russos.

Já anteriormente tinha sido lançado o Diálogo de Segurança Quadrilateral (QUAD) – integrado pelos EUA, Austrália, Japão e Índia, também visando o confronto na região do Indo-Pacífico.

Tal como o PCP referiu, «a agressividade do imperialismo, mais do que força, traduz debilidade face à crise estrutural do capitalismo e ao declínio relativo dos EUA e de outras potências capitalistas, que estes procuram contrariar por todos os meios»2.

«o governo da China salientou que os EUA sancionaram noutras alturas e unilateralmente outros países por desenvolverem tecnologia de enriquecimento de urânio, mas pouparam a Austrália, o que certamente trará o risco de proliferação de tecnologia nuclear e materiais nucleares e impactará o sistema internacional de não proliferação nuclear»

2. Numa primeira reacção, o governo da China salientou que os EUA sancionaram noutras alturas e unilateralmente outros países por desenvolverem tecnologia de enriquecimento de urânio, mas pouparam a Austrália, o que certamente trará o risco de proliferação de tecnologia nuclear e materiais nucleares e impactará o sistema internacional de não proliferação nuclear.

O primeiro-ministro da China foi taxativo: «Os submarinos nucleares são forças de segurança estratégicas com capacidade para entregar armas nucleares. A acção da Austrália quebrará o equilíbrio estratégico regional e transformará o compromisso assumido ao assinar o Tratado de Zona Franca Nuclear do Pacífico Sul em letra morta»3.

Até agora, apenas os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas dispunham de submarinos de propulsão nuclear. A Índia tornou-se o sexto e a Austrália deverá ser o sétimo.

A oposição ao projecto vem também de organizações internacionais de cientistas, que dizem «esperar a proliferação de tecnologia nuclear militar muito sensível nos próximos anos, com toneladas de novos materiais nucleares em circulação, livre ou sem salvaguardas internacionais, em ruptura com o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP) que apenas permite que países sem armas nucleares produzam urânio altamente enriquecido para combustível de reactor naval e que no entanto, o acordo para transferir tecnologia de submarinos nucleares dos EUA ou do Reino Unido, incluindo possivelmente urânio altamente enriquecido, foi descrito como um ato de proliferação nuclear»4.

A China e os restantes países da ASEAN, e outros países da região ao longo do tempo, dotaram a região de grande dinamismo, que se traduziu no crescimento mais rápido do mundo. No seu seio vários países mantinham alguma tensão com a China, nomeadamente na disputa de fronteiras marítimas. O aparecimento do AUKUS aproveitou-se disso e avançou para criar novas tensões regionais. Lançou uma sombra sobre a paz, estabilidade e desenvolvimento da região. E dificultará a construção de uma zona livre de armas nucleares no Sudeste Asiático.

A favor da AUKUS, além dos autores, estão até agora Taiwan e as Filipinas. Os restantes países da região estão contra ou mantêm um distanciamento crítico ou ainda não se pronunciaram.

3. O distanciamento da UE ficou logo expresso pela Presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, que discursava sobre o Estado da União (no próprio dia de anúncio do Pacto AUKUS), que declarou ter ficado «em choque». Ela evocava, então, a sua nova estratégia na zona do Indo-Pacífico, quando os britânicos lhe tiravam o tapete debaixo dos pés…

Numa declaração posterior de Joseph Borrell foi por ele afirmado que o desenvolvimento das relações com a China é uma agenda importante da UE e que é muito importante para os dois lados manterem uma comunicação próxima e tranquila. A UE, continuou ele, está disposta a trabalhar com a China para se preparar para a próxima fase de intercâmbios de alto nível entre as duas partes.

A UE sempre tem seguido a política de uma só China, que é uma pedra angular importante de suas relações com a China, e não realizará intercâmbios oficiais com a região de Taiwan, disse ele.

Borrell acrescentou que o bloco está pronto para continuar a fortalecer a cooperação com a China no combate à COVID-19, à mudança climática e pela conservação da biodiversidade.

Emanuel Macron terá saído humilhado ao receber a carta do primeiro-ministro australiano Scott Morrison a horas de ser anunciada a decisão de cancelar o contrato firmado em 2016 para comprar 12 submarinos convencionais do Grupo Naval da França em favor de submarinos nucleares construídos com tecnologia dos EUA. Humilhado também o foi porque a França é a única nação europeia presente na região, com perto de dois milhões de cidadãos e mais de 7 mil militares…e porque os EUA a mandaram às malvas…

«Para muitos analistas estes factos levantam uma questão mais geral sobre a relação entre a Europa e os Estados Unidos, que estão a «afastar-se» e não parecem importar-se muito com a opinião “europeia”»

Como se sabe, a França não está restrita ao território europeu, antes dispondo de uma constelação de territórios em todo o mundo, que faz dela o segundo maior domínio marítimo mundial (depois dos Estados Unidos). Na região do Indo-Pacífico, possui os departamentos da Reunião e de Mayotte, as comunidades da Nova Caledónia e da Polinésia Francesa, o território de Wallis e Futuna, as Terras Austrais e Antárcticas francesas (TAAF). O conjunto é habitado por 1,6 milhões de franceses.

Para muitos analistas estes factos levantam uma questão mais geral sobre a relação entre a Europa e os Estados Unidos, que estão a «afastar-se» e não parecem importar-se muito com a opinião «europeia». O sistema de «consultas transatlânticas» está a entrar em falência e afecta, uma vez mais, a já tão depauperada fiabilidade dos EUA entre os seus «aliados» europeus.

Entre nós Nuno Severiano Teixeira (só mesmo ele…), sempre ao dispor da falcoaria atlantista, publicou um escrito que mais parecia um press-release da própria novel organização.5.

4. Este afastamento dos EUA de decisores europeus faz emergir de novo as opiniões entre estes que, face aos fracassos sucessivos da NATO, as estruturas e forças desta deveriam passar em assumir em exclusivo o comando destas forças.

De novo a questão do exército europeu esbarrará na oposição dos EUA e Reino Unido.

Mas este exército, face às atitudes conhecidas dos estrategas militares europeus, traria uma acentuada dependência da soberania, e alargaria o quadro das missões em que Portugal e outros países teriam de participar.

Os principais dirigentes europeus têm declarado que querem este exército para confrontar a «ameaça russa», para defender valores e direitos próprios da sua «civilização».

Borrell celebrizou-se com as entradas de leão contra a China, para logo sair delas, de sendeiro no jeito mas não nas ideias.

E esta intervenção seria na maior parte dos casos com fins não meramente humanitários, mas também de domínio de riquezas minerais e outras e de controlo do território que poderia facilitar intervenções de outros organismos internacionais contra governos locais, afectando seriamente as soberanias. E isto não são suposições. Já tem sido realizado nomeadamente em vários países do Sahel, à boleia do antigo domínio colonial francês e das referências francófonas de uma parte do continente africano. E os ingleses também intervêm noutras zonas «da sua influência».

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