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A importância da Associação de Estudantes do Técnico

O período da AEIST, entre 1967 e 1974, caracterizou-se por os estudantes terem assumido a associação como sua, estabelecendo as linhas gerais de orientação, o planeamento do trabalho e a sua execução.

Estudantes assistem a representação do Grupo de Teatro da AEIST (1967-1974)
CréditosFonte: Ephemera - biblioteca e Arquivo de José Pacheco Pereira

Por iniciativa de antigos dirigentes da Associação de Estudantes do Instituto Superior Técnico (AEIST), que desde há quase vinte anos procuram que seja feita história, pela voz das suas vidas, da AEIST e também do Instituto Superior Técnico (IST) – ambos criados ao mesmo tempo, em 1911 –, pelo IST e actual direção da AE, e desta vez com a colaboração da Ephemera e de José Pacheco Pereira, deu-se um outro passo.

Fez-se o enfoque especial sobre os anos 67-74 por nesse período ter ocorrido um dos mais graves surtos de prisões que os fascistas lançaram sobre dirigentes, colaboradores associativos e outros estudantes, iniciado em 1964, e também pelo impacto que teve no IST a participação na solidariedade estudantil às vítimas das cheias de Novembro de 1967.

Assim, estão a realizar-se debates no Salão Nobre do IST, estando os próximos marcados para dia 25 de Outubro – sobre épocas anteriores a 1967 na luta – e para dia 12 de Janeiro – os estudantes do técnico e o 25 de Abril, enquanto estudantes e militares saídos da escola participantes na insurreição militar– coincidindo com o encerramento de uma exposição que será inaugurada no Pavilhão Central em 8 de Novembro, às 18h.

O período 1967-1974

O que caracterizou essencialmente este período foi os estudantes terem assumido a AEIST como sua, estabelecendo as linhas gerais de orientação, o planeamento do trabalho e a sua execução, de maneira a envolver mais estudantes nelas.

Os estudantes tiraram muitos benefícios de serem seus associados mas, ao envolverem-se na vida associativa, também deram outro «músculo» à AEIST, permitindo-lhe ir mais longe.

A AEIST tinha, a números de hoje, um orçamento da ordem dos 30 milhões de euros/ano.

A sua capacidade tipográfica (off-set e stencil) cobria perfeitamente as necessidades pedagógicas dos docentes e investigadores, de informação e propaganda da AEIST, e da estrutura federativa estudantil nela sediada e ainda cobria as necessidades próprias de informação resultavam, de escolas ou AEs fechadas, de listas impugnadas, de apoio a estudantes vitimas da repressão fascista. Na AEIST vários destes estudantes encontravam apoios em salas para reuniões, refeições na cantina, etc.

Fechar a AEIST para os fascistas podia ser atractivo, mas os estudantes reagiam com greves, e mesmo que os diretores tentassem reabrir a Cantina ou a Papelaria, por exemplo, para desmobilizar a greve, não encontravam interlocutores para isso. Eram forçados a dar a volta por cima e aceitar reabrir a AEIST.

Ao longo de décadas, a AEIST foi disponibilizando um número crescente de actividades e serviços, que o Ministério apenas disponibilizava parcialmente e sob gestão da Mocidade Portuguesa – o que os estudantes rejeitavam.

No final dos anos 60 essa rede incluía secções e serviços como: Estágios, Secção de Folhas, Grupo Desportivo, Cantina, Revista Técnica, Revista Esteiro, Grupo de Teatro, Secção Social, Gabinete médico, Secção de Intercâmbio internacional, Organização de Convívios, Secção Pedagógica e Junta de Delegados, Lar, Cabine Sonora, Biblioteca, Secção Fotográfica, Departamento Aeronáutico e Secção de Propaganda.

Estruturas do movimento estudantil

A AEIST cooperava com as Comissões Pró-Associações (CPA) que o regime não legalizara, como as CPAs de Medicina, de Letras ou de Belas-Artes.

Existia a Junta de Delegados, constituída por delegados de Curso, eleitos pelos estudantes de cursos e turmas. Marcava as datas de exames e falava com os professores sobre matérias e exercícios, a partir da opinião dos respectivos estudantes.

A Reunião Inter-Associações (RIA) foi uma estrutura federativa das associações de estudantes de Lisboa, incluindo as CPAs. Incluía o Técnico, Económicas, Letras, Direito, Medicina, Veterinária, Agronomia e Belas Artes, Institituto Industrial e Instituto Comercial e os Liceus de Lisboa (que se integrariam no MAEESL-Movimento Pró-Associação dos Estudantes do Ensino Secundário de Lisboa, incluindo liceus e escolas técnicas). Com idêntica estrutura no Porto e com a Associação Académica de Coimbra, foram as três academias encaradas durante anos como as estruturas que integrariam a futura União Nacional dos Estudantes (UNEP).

A partir da luta dos estudantes de Coimbra, em 1969, teve papel importante para a coordenação do movimento associativo mas diferenças de opiniões no seu seio limitaram o alcance da sua intervenção, não permitindo uma representação de todos os estudantes face aos governos. Um destacado dirigente da AEIST sustentava até que essa aceitação seria amarrar o movimento estudantil a algo facilmente recuperável por um movimento de oposição social-democrata ou mesmo uma ala mais liberal do regime…

Estatutos da AEIST que o governo de Salazar quis mudar

O regime fascista compreendeu a grande identidade entre a AEIST e os estudantes e temeu-a. Por isso tentou pôr fim às associações dos estudantes. A AEIST tinha os seus estatutos aprovados, em Assembleia Geral, desde 1954.

O Decreto-lei 44632 e 44357 de 1962 procuraram retirar à gestão das AAEE as secções de folhas, desportivas e cantinas, suspender e demitir dirigentes associativos, nomear comissões administrativas, impedir realizações de carácter colectivo e acabar com a Autonomia Universitária.

Os Estatutos que o Governo então quis impor às associações pretenderam ainda:

- Restringir o campo de acção da Associação aos sócios, negando que ela representasse todos os estudantes e defendesse os seus interesses;

- Suprimir a cláusula tradicional da «apoliticidade e arreligiosidade», que defendia a Associação da intromissão das estruturas políticas estudantis do regime e da submissão a qualquer confissão religiosa, não ignorando, de facto, a AEIST que a apoliticidade não podia impedir posições políticas suas, no quadro de grande conflitualidade política que o regime mantinha contra as AAEE;

- Consagrar a aprovação «superior» dos regulamentos da AEIST.

Noutras escolas, de associações mais débeis, registaram-se vários casos de não homologação de direcções eleitas pelos estudantes, de adiamento da legalização de Associações (AAEE) que mantiveram Comissões Pró-Associações (CPA) em exercício até ao 25 de Abril de 1974.

Marcelo Caetano ainda publicou o Dec-Lei 629/73 de 26 de Novembro para recusar a matrícula ou inscrição aos alunos «prejudiciais à disciplina». Ainda teve tempo para a aplicar a 70 estudantes do IST. Mas já era o canto do cisne e as intenções prescreveram.

É certo que nem tudo podia estar consagrado nos estatutos…

O aprofundar do carácter repressivo do regime, o impacto de outras lutas estudantis e não só, as guerras coloniais e do Vietname geraram, naturalmente, situações de manifestações de rua, em convergência com as lutas da oposição democrática – com quem nem sempre foi fácil a relação –, acções marcadamente políticas. E que os seus dirigentes, colaboradores, delegados de curso reconheciam como tal. Com toda a naturalidade, a propaganda percorria os corredores do IST.

Mais inusitado foi em 1970, no 100.º aniversário do nascimento de Lenine, um busto seu entrar na escola. Por essa ocasião, também as portas e vitrinas do IST receberam centenas de vinhetas, feitas com um linóleo onde a maestria das goivas esculpira a sua efígie num delicado carimbo.

Um dos estudantes do IST que participou nesta operação, revelou-nos ter o busto sido esculpido em gesso pelo grande escultor e professor da Escola António Arroio, Vasco Pereira da Conceição, com obras por exemplo nos jardins e lago do Parque Eduardo VII, companheiro de outra grande escultora, a Maria Barreira (1914-1992). Era uma peça que teria uns 50x30x50cm, com cerca de 10 kg de peso. Veio de carro e entrou pela porta da Av. Rovisco Pais.

Foi colocado inicialmente no muro que separa os pavilhões de Química e Minas do campo de jogos da AEIST. O diretor de então, Fraústo da Silva, não o soube ou decidiu não tomar nenhuma atitude. Alguém o terá metido, posteriormente, no cimo do armário na sala de biblioteca/reuniões da AEIST, o que certamente inspirou alguns pensamentos aos muitos estudantes que lá reuniam. Outro alguém o mutilaria mais tarde e acabou por desaparecer.

Um dos estudantes que produziu e distribuiu pequenos panfletos com o rosto de Lenine e os apelos – se bem se recorda – «Nos cem anos do nascimento de Lenine, Por comemorações no Técnico», referiu-nos que estes pequenos panfletos (tamanho A5?) produziram alguma preocupação na direcção da AEIST. Numa reunião de colaboradores o assunto foi abordado e este estudante recorda um dirigente da associação declarar então, com ar de entendido, que devia ser coisa da Legião pois o panfleto teria sido feito em stencil electrónico…

Mas para o estudante que, de facto, os fez, fora a glória nas lides do Agit-Prop. De facto tinha sido utilizado um duplicador manual, que ele e outros tinham construído e que não funcionava lá muito bem (o rolo era um vulgar «rolo da massa» revestido com uma câmara de ar de bicicleta). O desenho foi preparado por ele (que confessa não ter grande jeito para o efeito), por decalque do contorno de uma fotografia, com uma esferográfica directamente sobre o stencil que se apoiava numa capa de plástico rugoso (daí o ar de stencil electrónico). Não terá sido utilizado para produzir algum outro material pois não tinha qualidade suficiente para imprimir texto normal.

Outra referência com algum interesse foi o binómio ter publicado em 1972 uma capa com um desenho de Álvaro Cunhal, acompanhado pela frase «O futuro é nosso».

Oito anos num contínuo sobressalto, num contínuo processo de aprendizagem das engenharias, da cultura, da política e da relação com a sociedade

Foi marcante nesta relação a experiência de centenas de estudantes do IST na solidariedade estudantil às vítimas das cheias de 1967 (que já tivera expressão poucos anos antes nas inundações da Cova do Vapor), com capacidade de gerar pontes de entendimento com a JUC, ela própria em processo de mudança depois da influência do Concílio Vaticano II.

Também contribuíram a resistência no movimento estudantil contra a repressão e a crescente ousadia de atitudes e acções contra o regime, bem como o ensinamento sobre medidas a tomar em eventuais prisões e torturas.

No plano nacional influenciaram muito as campanhas da oposição democrática ao regime de1969 e 1973 e o III Congresso da Oposição Democrática em 1973, em que muitos estudantes se envolveram, a guerra colonial, o assalto ao Santa Maria, as acções armadas contra o esforço de guerra, o assalto do banco da Figueira da Foz, o assassinato do General Humberto Delgado, o caso da Capela do Rato e as perseguições a padres no activo, o caso da Capela do Rato, os assassinatos de Ribeiro Santos e Daniel Teixeira, o assumido movimento para libertação das mulheres, com expressões diversas, a indignação perante as perseguições políticas e a acção da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos.

Muito influenciou, também, a proliferação de bairros de barracas, a emigração e a inflação.

Pesou muito nessa formação o conhecimento de muitas lutas de trabalhadores, testemunháveis por quem vivia em Lisboa (Carris, Bancários, Seguros, Metropolitano, UCAL, Diário Popular), ou na sua periferia (Siderurgia Nacional, Lisnave, Sorefame, Cometna, UTIC, Melka, Ford Azambuja, Fundição de Oeiras, Casa Hipólito, Sódoa Póvoa, Lever). A criação da Intersindical com a presença de 13 direcções sindicais em 1970 teve grande impacto, mesmo que em surdina.

No plano cultural interno, com a música de José Afonso, Sérgio Godinho, Luís Cília, Francisco Fanhais, Adriano Correia de Oliveira, Rui Mingas, a novidade dos poetas portugueses progressistas nas canções ditas «ligeiras», o encerramento da Sociedade Portuguesa de Escritores por premiar Luandino Vieira, a interacção com outros movimentos artísticos, principalmente europeus, o novo cinema português, o cineclubismo (CCUL e ABC) e os Cahiers du Cinéma, os filmes proibidos, as exposições de artes plásticas na SNBA, a influência progressista do jazz e o Festival de Cascais, foram também importantes influências.


No plano político os percursos foram diferenciados, todos eles mais ou menos ligados a diferentes correntes políticas, mais ou menos clandestinas.

Depois das prisões de 1964/5 reduziu-se a influência que os comunistas tinham no conjunto do movimento associativo e desenvolveram-se e foram-se ramificando diferentes organizações de origem maoista e anarquista. No caso do IST fizeram o seu curso com a reivindicação de «um ensino popular», com a recusa de aceitar os «8 pontos» reivindicativos de Coimbra como válidos para as três academias, que receavam a posição dos comunistas de reflexão sobre uma plataforma organizativa nacional do movimento. A corrente socialista nestes anos não se reflectiu muito na AEIST mas agiu quando das cheias de 67 com iniciativas próprias, garantiu a presença na direcção de alguns simpatizantes da ASP e influenciou alguns monitores e assistentes, estando muito virada para a discussão da reforma de Veiga Simão no que às engenharias dizia respeito. Até que em 1972, depois de três anos de trabalho político na escola, de novo uma lista unitária de influência comunista ganhou as eleições, sendo que, na véspera do 25 de Abril, esta influência era em Lisboa, nas faculdades, institutos superiores, nos liceus e escolas técnicas, muito elevada, superior à de outras formações políticas.

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