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NATO, 75 anos de guerra contra a humanidade (I)

A NATO proclama-se em permanente cruzada pela democracia, atribuindo-se até o direito de invadir países para implantar um regime político que obedeça às suas exigências e onde as eleições dêem sempre os resultados por ela pretendidos.

Harry Truman (no centro), presidente dos EUA, observa o secretário de Estado Dean Acheson, enquanto este assina o Tratado do Atlântico Norte, a 4 de Abril de 1949 
Harry Truman (no centro), presidente dos EUA, observa o secretário de Estado Dean Acheson, enquanto este assina o Tratado do Atlântico Norte, a 4 de Abril de 1949 Créditos / NATO

                         «A adesão à Aliança significou um maior prestígio e o reforço do estatuto de Portugal no seu conjunto. Também injectou um grau de estabilidade na frente doméstica».

             (Site oficial da NATO sobre a presença do Portugal de Salazar na fundação da organização)

Passaram os anos, exactamente três quartos de século, e a NATO da actualidade mantém-se uma fiel respeitadora dos mitos fundadores, actualizados por uma dinâmica propagandística que sempre esteve na base da sua actuação mas adquiriu hoje uma amadurecida sofisticação de mensagem e meios, além de uma capacidade de controlo totalitário quase absoluto da opinião pública ocidental. O que lhe permite praticar abertamente, e sempre a coberto da proclamação das melhores intenções, a política belicista, expansionista e colonial-imperial que determinou a sua criação.

Asseguraram os fundadores da NATO, entre os quais, com papel determinante, os estrategos da integração europeia – sempre sob a tutela dos Estados Unidos da América – que a aliança nascia como organização «defensiva» para se precaver contra as ameaças de grande envergadura, existentes naquele pós-guerra, visando a civilização ocidental, os seus valores humanistas e matriz religiosa. Essa tarefa deveria assentar numa convergência de práticas políticas, princípios de liberdade, harmonia dos sistemas económicos, integração dos aparelhos militares, tudo isso para cultivar e assegurar a paz no mundo. Não é um equívoco: a NATO de então, e de sempre, que durante sete décadas e meia se dedicou a uma estratégia de terror e provocação durante a guerra fria, que actualmente se desmultiplica em guerras sem fim, que tem nos seus activos as vidas de milhões de cidadãos inocentes e a cumplicidade em numerosos crimes de guerra, faz tudo isto em nome da paz. Fiel a um dos seus princípios de sempre: a paz nasce da guerra.

Além dos objectivos «defensivos» e de segurança, em nome dos quais se permite tutelar militarmente 32 países, quase o triplo dos 12 da fundação, e de ter alargado a sua área de intervenção para todos os oceanos em vez do norte do Atlântico, a NATO proclama-se em permanente cruzada pela democracia, atribuindo-se até o direito de invadir países para implantar um regime político que obedeça às suas exigências e onde as eleições dêem sempre os resultados por ela pretendidos.

O intrigante esquecimento da democracia

Se lermos os discursos dos 12 ministros dos Negócios Estrangeiros que assinaram em Washington, em 4 de Abril de 1949, o chamado Pacto do Atlântico que deu origem à NATO, apuramos, porém, que em nenhum deles está presente a palavra «democracia». Presume-se que não fosse assim tão necessário, em termos propagandísticos, declarar expressamente esse princípio, ao contrário do que acontece hoje – em que parece indispensável afirmar uma democracia única contra outros sistemas políticos plurais em países que têm o azar, ou a ousadia, de não se situarem no mesmo plano geoestratégico da Aliança Atlântica.

Também poderia atribuir-se a omissão da palavra «democracia» nos discursos fundadores ao facto de entre os signatários do pacto estar um representante de um país fascista, Portugal, acolhido sem reservas como um esteio da civilização ocidental, a não ser a de ter sido obrigado a trocar  as «ajudas» do Plano Marshall pela protecção e solidariedade política e diplomática do regime dos Estados Unidos.

O mesmo teria acontecido com a Espanha franquista – e Salazar meteu uma cunha nesse sentido – se o Reino Unido não se tivesse oposto liminarmente, não como país em si mesmo, mas porque o Partido Trabalhista, no governo, determinou que uma entrada de Madrid na aliança estava dependente da legalização por Franco do Partido Socialista Operário Espanhol.

«Também poderia atribuir-se a omissão da palavra "democracia" nos discursos fundadores ao facto de entre os signatários do pacto estar um representante de um país fascista, Portugal, acolhido sem reservas como um esteio da civilização ocidental, a não ser a de ter sido obrigado a trocar  as "ajudas" do Plano Marshall pela protecção e solidariedade política e diplomática do regime dos Estados Unidos.»

Na verdade, o conceito anti-nazifascista da NATO tem sido bastante elástico desde a fundação até hoje. Primeiro, admitindo um regime fascista na sua fundação; logo a seguir, três anos depois da criação, integrando como membros de pleno direito os fascismos grego e turco; posteriormente, durante a guerra fria, criando e apoiando sangrentas ditaduras militares na «defesa dos valores ocidentais» contra a omnipresente «ameaça soviética», hoje reciclada em «ameaça russa»; expandindo-se de maneira fulminante a seguir à queda do muro de Berlim, apesar de ter prometido à Rússia não avançar um centímetro que fosse para Leste; actualmente, por defender os seus interesses recorrendo à utilização de selváticos grupos terroristas ditos «islâmicos» e por se envolver até ao tutano na sobrevivência do regime nazi de Kiev, que criou, e na guerra contra o seu povo que este alimenta desde 2014.

Há uma coerência histórica, ao longo dos seus 75 anos de vida, na cumplicidade e na tolerância da NATO em relação a comportamentos nazifascistas. Ao ponto de hoje confundir deliberadamente o seu conceito de democracia com o sistema nazi ucraniano, que remete para o colaboracionismo sangrento com as hordas e o aparelho de extermínio de Hitler. Sem esquecer a integração plena na organização, como aliás acontece na União Europeia, de regimes como os dos Estados bálticos, Polónia, Hungria, República Checa e Croácia, altamente influenciados ou mesmo controlados por correntes nacionalistas, fascistas e revisionistas da história no sentido de branquear as referências que mantêm em relação à Alemanha hitleriana.

Se penetrarmos ainda um pouco mais fundo na história da NATO verificaremos, já sem grande surpresa, que os seus fundadores não hesitaram em recorrer a condecorados oficiais nazis, acabados de sair das hostes de Hitler, para criarem as fundações das estruturas militares e de propaganda da organização, como veremos mais adiante.

A NATO como berço da União Europeia

A NATO nasceu grávida da integração europeia que, 50 anos depois, culminou na União Europeia como instituição autárcica, globalista, federalista e inimiga das soberanias nacionais, funcionando exclusivamente ao serviço da oligarquia económica e financeira transnacional através do neoliberalismo, o sistema de capitalismo extremista e selvagem. Os Estados Unidos exerceram, desde o início, a tutela inquestionável sobre este processo, pelo que não existe qualquer alteração substancial na actual submissão rastejante de Bruxelas à vontade de Washington, mesmo quando representada por um indivíduo desqualificado e com as capacidades mentais limitadas como é o presidente Joseph Biden. A dependência dos países da NATO e da União Europeia em relação aos interesses e às políticas imperiais de Washington, transformando-os em satélites, autênticos protectorados, esteve na essência da NATO na origem, tal como está hoje.

«Há uma coerência histórica, ao longo dos seus 75 anos de vida, na cumplicidade e na tolerância da NATO em relação a comportamentos nazifascistas.»

A cerimónia de criação da NATO decorreu em Washington, cumprem-se agora exactamente 75 anos, e o Pacto do Atlântico foi assinado pelos ministros dos Negócios Estrangeiros dos 12 Estados fundadores. Outras nações, como a Irlanda e a Suécia, também foram convidadas, mas rejeitaram. A Suécia, no entanto, demorou 74 anos a «pensar» e acabou por ceder: pelo caminho da longa neutralidade sueca ficou um primeiro-ministro, Olof Palme, de facto assassinado por defender, sem admitir interferências externas, o estatuto de soberania do país. Tal como o primeiro-ministro italiano democrata-cristão Aldo Moro foi liquidado por desobedecer às ordens da NATO, de proibir a presença de comunistas na área do poder governativo.

Os discursos pronunciados no acto fundador foram bastante redundantes, com a preocupação comum de alimentarem a fábula da superioridade civilizacional do Ocidente, um conceito xenófobo e colonial que marca os três quartos de século de existência da NATO; e agitarem com tonalidades terroristas o espectro da ameaça soviética, qualificada como «uma epidemia» na verve do ministro fascista português Caeiro da Matta, ecoando a propaganda salazarista.

Mais interessante que os discursos é conhecer um pouco melhor os ministros presentes em Washington e os seus dotes especiais para as performances hipócritas.

Pelos Estados Unidos esteve o secretário de Estado da administração militarista de Harry Truman, Dean Acheson. Declarou na ocasião que «a realidade não reside na busca comum de objectivos materiais ou de um poder sobre outro. Reside na afirmação dos valores morais e espirituais que rege o tipo de vida que propomos levar e defender por todos os meios possíveis, caso essa necessidade nos seja imposta».

Acheson foi o dirigente que estilhaçou a tradicional política norte-americana de não envolver o país em alianças duradouras, além de ser considerado o principal responsável pela decisão presidencial de lançar os Estados Unidos na guerra da Coreia.

A vida política do então secretário de Estado norte-americano foi marcada por alguns conceitos reveladores da convicção e da seriedade das suas palavras proferidas na cerimónia de Washington. Segundo uma das suas declarações, «as limitações impostas pelas práticas políticas democráticas tornam difícil a tarefa de conduzir os nossos assuntos externos de acordo com o interesse nacional». Isto é, a democracia é contra o «interesse nacional»; eliminar essas «limitações» é, com toda a naturalidade, a solução adoptada pelas sucessivas administrações norte-americanas – e também pela NATO, seu braço armado.

Acheson estava ciente, já nessa altura, de que chegara o momento da passagem de testemunho do domínio internacional ao declarar que «a Grã-Bretanha perdeu o império e ainda não encontrou o seu papel». Interessante, muito actual e franca é a sua opinião, segundo a qual «o problema da economia de mercado livre é que requer demasiados polícias para poder funcionar». Sejamos justos, quem fala verdade não merece castigo.

«Segundo uma das suas declarações, "as limitações impostas pelas práticas políticas democráticas tornam difícil a tarefa de conduzir os nossos assuntos externos de acordo com o interesse nacional".»

Se a Grã-Bretanha andava à procura «do seu papel», parecia tê-lo encontrado na pessoa de Ernest Bevin, então ministro dos Negócios Estrangeiros e depois primeiro-ministro de um governo trabalhista, que foi um dos maiores impulsionadores da criação da NATO e subscrevera em 1948 o Tratado de Bruxelas, considerado o embrião da aliança.

Bevin, que se ufanava de ser um «ex-sindicalista», era conhecido como um anticomunista feroz, capaz de lobrigar a «ameaça soviética» em cada acontecimento internacional – e até interno. Na cerimónia de fundação da NATO declarou que «os nossos povos não glorificam a guerra mas não fugirão dela se houver ameaça de agressão». Da agressão da União Soviética, naturalmente, apesar de ser um país exangue, que perdera 26 milhões de vidas para impedir o triunfo do nazismo em toda a Europa, com as regiões ocidentais totalmente destroçadas e ainda sem possuir a bomba atómica.

Pelo contrário, os planos de agressão existentes eram ocidentais e decorriam da ideia de Winston Churchill, exposta a políticos norte-americanos em 1951, segundo a qual, quando voltasse a chefiar o governo de Londres, iria lançar bombas atómicas sobre 20 a 30 cidades soviéticas, para então estabelecer definitivamente a paz. Churchill voltou a chefiar o governo de Londres em 1955, mas não cumpriu a ameaça, porque Moscovo já possuía a arma de extermínio e não hesitaria em responder. Fazer de justiceiro e valentão tornara-se perigoso, ou mesmo fatal.

Ernest Bevin tinha também um conceito bastante peculiar de guerra e paz, reflectindo o espírito do longo império, de que ele se orgulhava porque, por exemplo, «a marinha britânica conseguira policiar o mundo durante 300 anos de uma maneira bastante barata»; explicava então que «a guerra não é um piquenique, mas será melhor que milhões de vidas se percam?» Fazer a guerra para evitar mortes é uma ideia genial.

Este grande impulsionador da criação da NATO e da união da Europa Ocidental (ainda faltavam 70 anos para o Brexit) era particularmente arguto e tinha princípios pessoais e de acção política que continuam a revelar-se de grande actualidade para as classes governantes. Considerava que «um jornal tem três tarefas: uma é divertir, outra é entreter e o resto é enganar»; por outro lado, havia ilusões que Bevin não tinha: «o preço da liberdade é a eterna vigilância».


O artigo tem uma segunda parte, que será publicada esta sexta-feira, 5 de Abril. 

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