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Agravamento da fome deve reforçar luta pela reforma agrária no Brasil

A observação é de Kelli Mafort, dirigente do MST, que analisa o agravamento da crise no Brasil e fala do ano que termina, sublinhando que a «prioridade é salvar vidas».

O MST é o maior produtor de arroz orgânico da América Latina
Créditos / MST / Brasil de Fato

A perda de rendimentos das famílias brasileiras e o agravamento da fome no país devem fortalecer a luta pela reforma agrária em 2021. Esta é a avaliação do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), que este mês lançou o seu Caderno de Formação n.º 53, intitulado A luta de classes no campo e a luta por reforma agrária popular.

«Não é uma questão de escolha. É uma questão de necessidade», destaca Kelli Mafort, que faz parte da direcção nacional do movimento. «Com o fim do auxílio de emergência, os índices ligados à pobreza extrema devem aumentar, com a falta de perspectiva de trabalho e rendimento, e a reforma agrária virá com muita força no ano de 2021», prevê a digirente em declarações ao Brasil de Fato.

O MST reconhece que a pandemia continua a condicionar a organização popular, uma vez que impede as aglomerações e impõe a necessidade de distanciamento social. Em 2020, as ocupações de terras levadas a cabo pelo movimento foram interrompidas, de modo a evitar a propagação do novo coronavírus entre os camponeses.

«Para nós, a prioridade é salvar vidas, aquelas que estão sendo desprezadas pelo governo brasileiro numa campanha negacionista, antivacina», declara Mafort. «Estaremos com os movimentos na rua assim que a vacina [da Covid-19] nos assegurar essa possibilidade», acrescenta.

Lutas com maior repercussão em 2020

O MST participou em duas disputas frontais com o agronegócio que tiveram repercussão nacional no ano que agora finda.

A primeira ocorreu em meados de Agosto, com o despejo violento de duas áreas do acampamento Quilombo Campo Grande, em Campo do Meio (estado de Minas Gerais), onde viviam sete famílias. A região é ocupada há mais de 20 anos por 450 famílias camponesas, que se notabilizaram pela produção do Café Guaií, um dos líderes da produção agroecológica do MST, informa o portal brasileiro.

O principal beneficiário do despejo foi João Faria da Silva, dono da marca Terra Forte e um dos maiores exportadores de café do mundo.

«Essa disputa tem uma simbologia interessante, porque são duas produções de café com relações sociais completamente distintas», analisa Mafort. «Por um lado, trabalho análogo à escravidão, expropriação de terras, de direitos. Por outro, o Café Guaií, que representa a agroecologia, que brota de uma luta pela divisão de terras, contra o machismo».

O MST considera que o governador Romeu Zema (Novo), que autorizou o uso da força contra o acampamento, representa os mesmos interesses de Bolsonaro, e que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais foi subserviente ao projecto do agronegócio ao autorizar o despejo em plena pandemia.

O segundo episódio de grande repercussão foi protagonizado pelo secretário de Assuntos Fundiários do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, Nabhan Garcia. A Força Nacional foi enviada para assentamentos do MST no Sul da Bahia sem a autorização do governador do estado, Rui Costa (PT), e voltou sem alcançar o seu objectivo, depois de questionada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

«Na prática, o que eles tentam é dividir e cooptar as famílias», avalia Mafort. «Dessas duas acções, ficou a lição de muita resistência e organização da nossa base e de muita mobilização da sociedade brasileira, com forte apoio internacional nos dois episódios», disse.

Solidariedade no terreno

O ano de 2020 fica também marcado pela solidariedade, sendo que o MST doou quase 4000 toneladas de alimentos da agricultura familiar para famílias em situação de vulnerabilidade social. Só no estado do Paraná (Sul do Brasil), foram doadas 442 toneladas de alimentos, oriundos da produção de 52 acampamentos e 121 assentamentos da reforma agrária.


«A solidariedade se impôs como uma necessidade, e os movimentos populares foram os primeiros a perceber isso, antes do Estado ou de qualquer empresa», lembra a dirigente do MST. «Os nossos alimentos encontraram panelas vazias, numa situação desesperadora», sublinhou.

Luta pela reforma agrária

Plano Emergencial da Reforma Agrária Popular, lançado pelo MST em Junho, estabelece como medida urgente, por exemplo, a expropriação de terras de evasores fiscais para assentamento de famílias camponesas. O documento também propõe o uso de terras próximas a centros urbanos, em parceria com municípios, para produção de alimentos, garantindo terra, trabalho, tecto e alimentos saudáveis para famílias empobrecidas e criando um «cinturão verde» em torno das cidades.

Em 9 de Dezembro último, o MST registou uma Acção de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) no STF, em que questiona a paralisação dos 413 processos de desapropriação e aquisição de terras para reforma agrária ao início do governo Bolsonaro, e pede a destinação de terras públicas para a reforma agrária, como previsto na Constituição brasileira.

«O ano de 2021 vai ser muito difícil, do ponto de vista dos embates que teremos. E, com certeza, a sociedade brasileira poderá contar com o MST, seja nas acções de solidariedade – que não pararam por nenhum dia e vão continuar –, seja nos trabalhos de base, organizando o povo para lutar e derrotar esse projecto de morte», afirmou Mafort.

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