Paz de Poroshenko: caem bombas sobre Donetsk

Já nos tinham alertado para a possibilidade de Poroshenko estar a abanar o cenário de uma eventual «aproximação» entre os EUA e a Rússia, em que a Ucrânia pós-Maidan – sem a sua Hillary e o seu McCain – não contasse sequer para o jogo do berlinde. «O homem quer sangue», diziam-nos.

CréditosIrina Gerashchenko / Sputnik

Estava o presidente Petro Poroshenko na civilizada Alemanha, junto da civilizada Angela Merkel, quando – note-se a coincidência malvada – teve de interromper abruptamente a civilizada visita e regressar à sua Ucrânia em chamas. Do Leste do país chegavam notícias de intensas trocas de mimos entre as artilharias oficial pró-Maidan e rebelde pró-russa, três dias assim, desde 29, com pesadas baixas militares e vítimas mortais e feridos contados entre os civis. Eram os malvados dos russos, outra vez. Diz Kiev, e a União Europeia (UE) também, que eles apoiam os «separatistas».

A «ameaça russa», tão badalada que até tem dado direito a um portentoso avanço das forças da NATO para o flanco leste, ganha aqui os contornos de «os deles» é que começaram. Poroshenko disse logo que os ucranianos russófonos da República Popular de Donetsk (RPD) e da República Popular de Lugansk (RPL) – os que em 2014 não estiveram pelos ajustes com a ordem pós-Maidan e fizeram frente aos batalhões de nacionalistas/fascistas que lhes caíram em cima – é que eram responsáveis por este recrudescer da tensão depois de Minsk e Minsk II, este último acordo de apaziguamento celebrado vai fazer dia 11 dois anos, se calhar em plena guerra.

O número de Poroshenko teve efeito e Jens Stoltenberg, secretário-geral da Aliança Atlântica, veio a terreiro exortar a Rússia a usar a sua «considerável influência junto dos rebeldes pró-russos» para que regressassem à trégua assinada – pouco importando, para o caso, os relatos de dezenas de casas atingidas por bombardeamentos, de feridos e mortos entre a população civil, de cortes no abastecimento de água, na RPD; ou de que em Avdeevka, povoação sob controlo governamental localizada na zona de desanuviamento, tivessem sido filmados, pela BBC, tanques de guerra ucranianos.

Na quarta-feira, tivemos acesso a informações sobre a intensidade da guerra no Donbass e o rumo que os acontecimentos seguiram nos dias anteriores. Na madrugada de 29, o Exército ucraniano lançou um forte ataque de artilharia sobre as posições militares da RPD. No dia 30, parecia ser certo que as forças da RPD tinham contra-atacado e anulado o ataque-surpresa do dia anterior, mas não era tão seguro que tivessem retomado todas as suas posições. Contavam-se muitas baixas em ambos os lados e mísseis a chover sobre Donetsk.

A linguagem era de guerra acesa, não da trégua morna em vigor desde Minsk. Os números oficiais da RPD relativos a 2016 apontam para 143 mil violações do cessar-fogo, pelas Forças Armadas Ucranianas, 314 mortos e mais de 400 feridos. A guerra nunca parou propriamente, mas agora falava-se de combates tão intensos na «zona de contacto» que faziam lembrar os dias tremendos do Verão de 2014 e do Inverno seguinte.

Chegados a este ponto, confirmada a anedota de Poroshenko, a questão era: que anda a armar o presidente ucraniano? Os russos já tinham reagido, de forma algo sussurrada, nos últimos dias, face à escalada de violência, fazendo apelos ao cumprimento do cessar-fogo. Quanto a Vladimir Putin, manteve-se em silêncio ou fomos nós que não o ouvimos bem. Até ontem.

Em Budapeste, falou alto e claro: Kiev provocou a escalada de violência para se fazer passar por vítima, pois precisa de dinheiro dos países ocidentais, e «a melhor maneira de extorquir dinheiro a certos países da UE, aos EUA e a instituições internacionais é apresentar-se como vítima de uma agressão»; o Governo ucraniano apoiou claramente a candidata [Hillary] à Casa Branca e os oligarcas ucranianos financiaram-na, pelo que «querem melhorar as relações com a actual administração, também usando um conflito»; o Governo ucraniano enfrenta uma cada vez maior oposição interna, devido «ao falhanço das suas políticas económicas e sociais», e quer usar o conflito no Leste como distracção; Kiev está à procura de uma desculpa para não implementar os acordos de paz de Minsk.

Já anteontem nos tinham alertado para a possibilidade de Poroshenko estar a abanar o cenário de uma eventual «aproximação» entre os EUA e a Federação Russa, e em que a Ucrânia pós-Maidan – sem a sua Hillary e o seu McCain – não contasse sequer para o jogo do berlinde. «O homem quer sangue», diziam-nos.

Ontem, não eram ainda 22h30 em Portugal continental e na RAM quando recebemos novo alerta: «Bombardeamento brutal em Donetsk. Tréguas há em Minsk!» Confirmavam-se os piores temores: a guerra da paz não ia ficar limitada à tensão das trincheiras e ao desanuviamento da diplomacia. As bombas caíam em força. Os civis estavam a ser evacuados para os bunkers.

É preciso dar o alerta! Por mais que saibamos que no Donbass vive um povo heróico, habituado a resistir ao fascismo e às bombas, e a fazer a vida diária nas condições mais atrozes, sabemos que... «já chega!»

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