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A outra Lisboa

Este é o retrato de outra Lisboa, que está para além do bulício turístico que se apossou da cidade. Uma Lisboa envelhecida, cheia de gente retida em casa, dependente de vizinhos ou do apoio domiciliário de instituições.

Créditos / bomdia.eu

No âmbito de uma investigação que estou a desenvolver sobre a segurança dos idosos na cidade de Lisboa, tenho tido a oportunidade de contactar com vários residentes na cidade, em situação de isolamento. Os motivos desse isolamento são vários: pobreza, perda da mobilidade, doença, fratura familiar, rejeição social, entre outros.

Em todas as situações com que me confrontei, os idosos em causa estão verdadeiramente presos nas suas habitações, entregues a uma solidão profunda. Em alguns casos são apoiados por instituições para a realização de tarefas de higiene pessoal e para o fornecimento de almoço. Há ainda os que são apoiados por vizinhos. Mas, na sua maioria, os idosos estão literalmente sozinhos, nas 24 horas de cada dia.

Nas várias visitas que tive oportunidade de realizar, algumas situações marcaram-me particularmente.

No Bairro Alto, uma idosa de 82 anos confessou-me estar a ser vítima de pressão do senhorio para deixar a casa onde sempre viveu. «Para ver se me vou embora, veem para a escada fazer barulho até altas horas», relata, acrescentando que o mesmo acontece com os poucos vizinhos que ainda por ali moram. Verdadeiro terrorismo psicológico.

Testemunhei outra situação nos Olivais. Uma senhora de 90 anos vive num 6.º andar, rodeada de sacos de lixo por toda a casa, com elevada carga térmica e acentuado risco, para si e para os demais habitantes do prédio. Questionada sobre a razão de viver deste modo, exterioriza mágoas antigas de abandono por familiares próximos. Não precisa de ninguém, diz, porque chegou aos 90 anos sozinha e assim quer morrer.

Em São Domingos de Benfica, um senhor de 85 anos vive sozinho. Tem dificuldade de se mover. Há dias que não consegue sair de casa e, por isso, também não consegue comprar comida. Na manhã em que estive na sua residência não comia desde as 5h da tarde do dia anterior. Tem um filho na Holanda. «Telefona quando se lembra», murmura.

Na Lapa, intelectual lisboeta, de 61 anos, homem de muitas lutas, vive sozinho num andar. A casa tem poucos móveis, mas está completamente ocupada por livros e CD espalhados pelo chão. Beatas por todo o lado. O sofá onde se senta largas horas do dia tem vários buracos provocados por cigarro. Move-se com muita dificuldade. É apoiado por vizinhos para se alimentar, sendo estes que lhe trazem o comer já feito da rua. Parece estar dominado por uma profunda amargura. Evidencia uma grande relutância em reconhecer o precário estado físico em que se encontra. Quando alertado para o risco que corre rodeado de tanto material inflamável, responde como que ferido no seu orgulho: «São os meus livros!»

Estas são apenas algumas das muitas situações que aqui poderia relatar, elucidativas da situação de abandono e solidão a que muitos idosos residentes em Lisboa estão condenados.

Este é o retrato de outra Lisboa, que está para além do bulício turístico que se apossou da cidade. Uma Lisboa envelhecida, cheia de gente retida em casa, dependente de vizinhos ou do apoio domiciliário de instituições.

Da análise dos muitos casos que tenho estudado, concluo que há falta de respostas para suprir as necessidades mais elementares desta população da capital. Um problema a carecer de reflexão dos candidatos a autarcas, neste ano eleitoral.

Fechados em casa, em isolamento físico e dependência total, convivendo de perto com o risco, vivem as suas amarguras e dificuldades, entregues a si próprios, apenas à espera do fim que tarda.

E tudo isto passa-se perante a nossa indiferença coletiva e a omissão dos poderes políticos, incapazes de construir uma rede de intervenção que responda eficazmente a este problema.


O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990

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