Morrer com dignidade?

A interrogativa do título pode parecer, neste tempo em que o debate sobre a eutanásia é, não poucas vezes, crispado, uma tomada de posição. Não o é – a verdade é que permanecem dúvidas, que só um debate mais aprofundado virá a esclarecer.

A eutanásia entrou na discussão pública em força nos últimos meses, particularmente nas últimas semanas. A discussão de uma petição no plenário da Assembleia da República deu o mote e abordamos o tema pela primeira vez, com cautela, mas com a abertura necessária para contribuir para o debate que se seguirá nos próximos tempos.

A interrogativa do título pode parecer, neste tempo em que o debate sobre a eutanásia é, não poucas vezes, crispado, uma tomada de posição. Não o é – a verdade é que permanecem dúvidas, que só um debate mais aprofundado virá a esclarecer.

O cavar de trincheiras – entre bons e maus, entre progressistas e conservadores, ou entre ateus e religiosos – em nada contribui para o esclarecimento e a discussão necessária sobre o tema, que assume, em primeira linha, problemas da ordem da ética. Mas essas são questões que não abordamos hoje.

A eutanásia tem uma História negra de crimes, associada à eugenia e que teve no nazi-fascismo o seu ponto mais devastador. Isso, por si só, pode ajudar a explicar porque só recentemente, nos últimos 20 anos, foram adoptadas medidas legislativas pelo mundo, não só despenalizando, mas regulando a prática da eutanásia.

Na discussão que já começou e que se seguirá, olhar para estas experiências recentes e suas evoluções permite entender melhor as potenciais consequências de qualquer alteração legislativa que se faça no nosso país. Olhemos então para os casos europeus.

Em três países, Bélgica, Holanda e Luxemburgo, a eutanásia é legal. Na Suíça, apenas é permitido o suicídio assistido (em que o médico prescreve uma droga letal, mas não a administra).

Os casos belga e holandês, onde a alteração legislativa foi feita há 15 anos, mostram uma subida muito acentuada dos casos de eutanásia, desde 2002. Essa subida é particularmente visível a partir de 2008/2009, coincidindo com o início da crise económica de que a Europa ainda não saiu.

As mortes por eutanásia representavam mais de 4% do total de mortes na Holanda e na região belga da Flandres, onde se registaram 80% do total de casos no país. Para ajudar a compreender o que significam estas percentagens, corresponderiam, nesse ano, a 4340 dos mais de 108 mil óbitos registados em Portugal.

São dados que levantam questões pertinentes, referidas por médicos na discussão em curso, em torno da banalização da prática de eutanásia e do suicídio, particularmente sobre os mais fragilizados, económica e socialmente.

Mas outros relatos, mais assustadores, vêm igualmente do país das tulipas. Nos últimos dias, um médico foi ilibado num processo judicial por ter pedido à família de uma paciente sua, que se debatia enquanto lhe era administrada uma injecção letal, que a imobilizasse. Foi entendido que o médico não agiu por má-fé. A idosa sofria de demência e tinha expressado o desejo de morrer «quando chegasse a altura certa». A decisão sobre o momento não foi tomada pela senhora.

Outro caso que assumiu proporções mediáticas foi o de uma jovem, com menos de 30 anos, que pediu a morte assistida por sofrer de stress pós-traumático, fruto de abusos sexuais sofridos. O pedido foi confirmado pelas autoridades.

Estes casos, assustadores, mostram como pode ser perigosa uma formulação legal genérica, como a holandesa e a belga, que permita a sua existência. Como garantir uma decisão consciente, reiterada e independente da parte de quem sofre de demência, depressão ou outras psicopatologias?

O debate prosseguirá e nele participaremos, sem dogmas, demagogia e preconceitos. O objectivo de aliviar o sofrimento de seres humanos em situações extremas deve sempre dirigir a discussão, olhando para o que ainda há por fazer a montante – designadamente no plano dos cuidados paliativos – e estudando outras opções. Com a seriedade que uma discussão sobre o mais fundamental dos direitos – à vida – exige.

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