Presente alemão

O BCE não existe para garantir a estabilidade dos preços ou do sistema financeiro, mas para defender a manutenção do euro a qualquer custo

Não foi só a banca italiana que esteve no centro de importantes decisões ao nível do Banco Central Europeu (BCE) nos últimos dias de 2016. Enquanto em Roma se preparava a «recapitalização preventiva» do Monte dei Paschi di Siena, em Frankfurt o rácio de capital exigido ao Deutsche Bank, cuja sede é – literalmente – do outro lado da rua, era reduzido.

O que isto importa? A decisão dá uma folga inesperada e decisiva ao gigante da finança, permitindo que em 2017 seja mais fácil regressar ao que a banca privada faz melhor: distribuir bónus aos seus gestores e dividendos aos seus accionistas.

Em simultâneo, a instituição europeia enviou uma carta ao ministro italiano das Finanças, exigindo que a «recapitalização preventiva» coloque o rácio de capital do banco italiano em apuros em 8%, o que significa uma injecção que pode chegar aos 8 mil milhões de euros, muito mais que o governo italiano esperava.

Curiosamente, esse valor está acima dos resultados dos últimos testes de stress de várias instituições financeiras europeias, entre elas o Deutsche Bank. O ministro italiano critica o BCE por não explicar como chegou ao valor que agora vem exigir, mas talvez valha a pena lembrar que também ninguém sabe explicar o porquê de os países da zona euro terem de cumprir um défice das contas públicas inferior a 3%. Ou pelo menos, alguns deles.

Na verdade, a defesa da moeda única e das regras orçamentais europeias parece justificar decisões que parecem incompreensíveis. Ora se olha para o lado sobre o défice, porque «a França é a França», ora se ignoram as regras que impuseram a entrega do Banif ao Santander quando se trata de «regatar» um banco italiano, ora se faz um favor ao mais importante banco alemão, depois de um ano em que chegou a acordo com as autoridades norte-americanas para se livrar de uma multa que poderia ter ultrapassado os 10 mil milhões de euros.

Passado o choque inicial da crise financeira, que teve no Deutsche Bank um dos protagonistas e responsáveis, e das juras de «nunca mais» se permitir voltar às mesmas práticas, ei-las de novo.

É a prova de que o BCE não existe para garantir a estabilidade dos preços ou do sistema financeiro, mas para defender a manutenção do euro a qualquer custo.

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