O arco da designação

Nada obstaria a que se encontrassem soluções para a designação de órgãos do Estado que propiciassem a pluralidade ou a exigência de consenso.

CréditosMiguel A. Lopes / Agência LUSA

O recente falhanço da eleição do Presidente do Conselho Económico e Social é mais um episódio que questiona a exigência de uma maioria de dois terços na eleição de determinados órgãos do Estado.

De facto, vários são os órgãos do Estado cujos titulares são eleitos na Assembleia da República por maioria de dois terços dos membros presentes desde que superior à maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções. É o que sucede com o Provedor de Justiça, com dez juízes do Tribunal Constitucional, com sete vogais do Conselho Superior da Magistratura, com os membros da Entidade Reguladora da Comunicação Social, com os membros do Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP) e da entidade para a fiscalização do segredo de Estado, entre outros cuja forma de eleição decorre da lei.

Esta forma de eleição corresponde a um acordo firmado entre o PS e o PSD para repartirem entre si a designação dos titulares destes cargos. A eleição por dois terços, em listas fechadas, obriga a um acordo entre os dois partidos e fica refém desse acordo. Se o PS e o PSD não se entenderem, como aconteceu em longos períodos em torno do Tribunal Constitucional, do Provedor de Justiça e do Conselho de Fiscalização do SIRP, cria-se uma situação de impasse e os órgãos não se constituem, ou ficam os titulares em exercício muito para além dos respetivos mandatos.

Esta lógica é uma consequência da teoria, hoje moribunda, do «arco da governação», em que o PS e o PSD, com ou sem ajuda do CDS, detinham o monopólio das escolhas necessárias para o funcionamento do regime. Claro que tinham de conviver com a representação proporcional para a Assembleia da República e para os órgãos do poder local, embora não tenham faltado as tentativas de acordo para substituir esse modelo por círculos uninominais ou pela designação indireta dos executivos municipais, que levasse, na prática, ao domínio absoluto desses órgãos pelo duopólio PS/PSD.

A justificação de sempre para as eleições por dois terços é a necessidade de um amplo consenso. É óbvio que não seria desejável que os órgãos do Estado pudessem ser determinados por maiorias absolutas, ou até relativas, monopartidárias. Mas isso não significa que a eleição por dois terços seja uma garantia de consenso. Há exemplos, como o da Comissão Nacional de Eleições, em que cada grupo parlamentar indica o seu representante, ou o da Mesa da Assembleia da República, em que têm assento representantes dos quatro maiores partidos parlamentares. Nada obstaria a que se encontrassem soluções para a designação de órgãos do Estado que propiciassem a pluralidade ou a exigência de consenso, sem que essas designações ficassem reféns de acordos blindados entre o PS e o PSD, constituindo um anacrónico «arco da designação».

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