1. O INE calcula um Índice de Bem-estar (IBE) da população com valores iniciados em 2004. O bem-estar é observado em duas perspectivas, as «condições materiais de vida» e a «qualidade de vida». Em cada perspectiva são considerados domínios relevantes, dez ao todo, nos quais se compreende a saúde, o trabalho e remuneração, a vulnerabilidade económica, a segurança e a educação.
2. A leitura do índice global, ou IBE, dá-nos uma visão que diríamos cor-de-rosa: há uma subida quase contínua em todo o período, apenas com uma inflexão em 2012, no pico da austeridade. Este resultado pode ser considerado surpreendente dada a nossa história recente marcada pela diminuição do nível de vida, pelo desemprego massivo, por cortes ou diminuições salariais e pela deterioração de serviços públicos.
Mas se olharmos para os dois índices sintéticos que compõem o IBE, salta à vista a evolução em sentido opostos. O índice qualidade de vida (composto por sete domínios onde se integram, entre outros, a saúde, a educação, o balanço vida-trabalho, a segurança pessoal e o ambiente) aumenta contínuamente. O contrário aconteceu no índice condições materiais de vida (abrange os domínios do bem-estar económico, vulnerabilidade económica e trabalho e remuneração), embora em recuperação (moderada) nos últimos anos.
Seria apressado concluir que a austeridade ocorrida na década presente foi «compensada» por serviços públicos subjacentes ao índice da qualidade de vida. Sabemos que isso não aconteceu. Além disso, pode ter acontecido que um trabalhador, um desempregado ou um reformado que viram as suas condições materiais de vida degradarem-se tenham passado a ter, por exemplo, menos acesso aos cuidados de saúde. As desigualdades tendem a ser cumulativas e o IBE mal dá conta desta realidade, embora inclua alguns indicadores de desigualdades.
«os portugueses estão mais qualificados, não apenas os que saem do sistema de ensino mas também os empregados e a população em geral – mas esta realidade não tem correspondência nas condições de trabalho e de remuneração»
3. Vale a pena observar dois domínios onde a evolução tem sido mais contrastante: o domínio educação, conhecimento e competências (que tem em conta indicadores relativos não apenas à escolaridade mas também à aprendizagem ao longo da vida e a consumos culturais, entre outros) e o trabalho e remuneração (com indicadores respeitantes ao emprego, desemprego, precariedade e salários, entre outros). O primeiro é o que mais sobe no conjunto dos 10 domínios do IBE. Já o trabalho e remuneração é o que apresenta evolução mais desfavorável; desce desde 2004, embora de modo mais intenso entre 2009 e 2013. Estes dados apontam para um desajustamento fundamental na sociedade portuguesa: os portugueses estão mais qualificados, não apenas os que saem do sistema de ensino mas também os empregados e a população em geral – mas esta realidade não tem correspondência nas condições de trabalho e de remuneração.
4. A visão optimista do primeiro gráfico esbate-se mais quando se isolam dois domínios fundamentais do bem-estar da população, a saúde e o trabalho, e se observa apenas a década em curso. Os 10 domínios do IBE têm a mesma ponderação (nenhum vale mais que outro) e o mesmo acontece com os indicadores usados. Mas o foco na saúde e no trabalho não choca se atendermos: no trabalho, à dimensão da população envolvida e aos indicadores usados, onde também se inclui a remuneração mediana mensal líquida dos pensionistas; e à importância vital da saúde para o bem-estar das pessoas.
A evolução do domínio saúde revela estagnação no período 2011-2015 com ligeira recuperação em 2016. Dito isto, não se tem uma visão maniqueísta do sistema de saúde português. Houve importantes progressos feitos desde a criação em 1979 do Serviço Nacional de Saúde. Mas também subsistem importantes desigualdades sócio-económicas e, se vivemos mais, também vivemos muitos anos, demasiados, em estado não-saudável. E há o lastro dos anos da austeridade. Em suma, nestes dois domínios do IBE os resultados deixam inquietações.
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