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Quando para aumentar salários é mesmo preciso aumentar salários

Como se propõe aumentar os salários a Iniciativa Liberal? De duas formas: reduzindo os impostos e colocando os descontos patronais no recibo de vencimento. Não há uma única referência a aumentos de salários directos. Nada. Só palheta.

CréditosPeter Kollanyi / EPA

Tem sido uma das rábulas de estimação de Ricardo Araújo Pereira, utilizando a frase de Paulo Raimundo: «Para aumentar salários é preciso... aumentar salários!» Desde a evocação do senhor de La Palice até ao gozo puro com frases como «então para melhorar a saúde é preciso... melhorar a saúde», tudo tem valido. E a malta ri-se, que a coisa é bem feita e é feita para nos fazer rir.

Mas estamos a falar de algo demasiado importante para permitirmos este tipo de tratamento leve do tema. Porque Paulo Raimundo colocou o dedo na ferida e num dos temas que deveria ser central nesta campanha. 

Como se propõe aumentar os salários a Iniciativa Liberal? Leiam o seu programa! De duas formas: reduzindo os impostos e colocando os descontos patronais no recibo de vencimento dos trabalhadores. Não há uma única referência a aumentos de salários directos. Nada. Só palheta.

Querem «aumentar salários» baixando o IRS. Mas o IRS que iam baixar, essencialmente, era o das grandes famílias. Só um número: com as propostas da IL, os 0,08% dos agregados, aqueles que recebem mais de 250 000 euros de rendimento anual, iriam poupar quase mil milhões de euros de impostos. Em compensação, os três milhões de agregados com menores rendimentos não veriam os seus impostos reduzidos num único euro.

Da mesma forma, colocando os descontos patronais no recibo de ordenado, como defende a IL, um trabalhador que hoje recebe 850 euros líquidos e tem um ordenado bruto de 1100 euros, passaria a ter um ordenado bruto de 1350 euros. Mas continuaria a receber 850 euros líquidos.

Começam a perceber a importância de dizer que só se aumenta salários aumentando os salários?

«Essa proposta está incorporada no programa do Chega, que assim também se propõe a aumentar salários sem aumentar salários. Fala num "15.º mês", mas esse mês é fora do salário ao contrário dos outros 14!»

E a proposta da CIP de há um ano? Que quer PS, quer PSD consideram positiva. A CIP propôs que o «aumento salarial» fosse num prémio, anual, não incorporado ao salário e isento de impostos. Que assim até poderia «aumentar mais os salários». Só que também aqui propunham-se a aumentar os salários sem os aumentar. Pois nem o prémio contaria para a reforma, nem para uma eventual baixa médica, como para agravar, no ano seguinte o salário seria o mesmo, mas a necessidade de aumento seria a dobrar. Essa proposta está incorporada no programa do Chega, que assim também se propõe a aumentar salários sem aumentar salários. Fala num «15.º mês», mas esse mês é fora do salário ao contrário dos outros 14!

Esta proposta contribui para baixar os salários reais, na medida em que sem aumento salarial a inflação encarrega-se de ir diminuindo o valor real do salário. E ainda premeia o patronato com isenções fiscais por pagar em prémio e não no salário. E enquanto o salário é uma obrigação, o prémio é uma «oferta», quando o patrão quiser (e desculpas nunca faltarão, como quem trabalha sabe bem) o prémio desaparece e deixa exposto o salário real.

E isto sem falar daqueles que se propõem aumentar salários... mas não para já, como PS e PSD, que colocam os 1000 euros de salário mínimo mas só lá para 2028. Quando o que é preciso é aumentar os salários agora, que as despesas não se pagam com a promessa de um aumento. 

É pena que Ricardo Araújo Pereira não tenha encontrado forma ou vontade de fazer humor com quem promete aumentar salários sem aumentar salários. Dava mais trabalho arrancar umas gargalhadas, mas era mais sério. E o humor devia ser uma coisa séria.  

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