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Mais e melhor investimento – uma questão de opção política

Os sucessivos anúncios dos défices orçamentais mais baixos de sempre são uma afronta a milhões de portugueses que se deparam com as insuficiências da resposta às suas necessidades mais básicas.

As locomotivas Diesel Alstom DE8 foram fabricadas pela Sorefame para os caminhos de ferro da antiga Rodésia, actual Zimbabué. Data de Fabrico: 1977.
CréditosFonte: blogue o guarda-freio; autoria: Estúdio Mário Novais

«No ano passado, o investimento privado em Portugal foi o maior dos últimos 19 anos». A afirmação de António Costa não corresponde à realidade, mas tem o condão de enfatizar uma questão central para o desenvolvimento do país. O investimento, público e privado, é uma das condições fundamentais para elevar a produção, potenciar a criação de novas fileiras produtivas e responder às necessidades da população, seja na saúde, nos transportes, na escola pública ou, entre outras, na fruição cultural. O valor do investimento privado em 2017 foi inferior ao verificado em 2000.

Investimento Privado

34

32

30

28

26

24

22

20

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

2011

2012

2013

2014

2015

2016

2017

Fonte: AMECO, evolução a preços correntes.

O investimento (também designado por Formação Bruta de Capital Fixo – FCBF), combinado com a força de trabalho, é o alimento da economia. Os níveis historicamente baixos que marcam a evolução da FBCF desde a adesão ao euro obrigam a um esforço adicional, planeado e direccionado tendo em conta os interesses nacionais, o desenvolvimento soberano do país, a criação de emprego e a redução da dependência face ao exterior.

O contexto de cerceamento do investimento é diversificado, sendo várias as suas causas, constrangimentos e implicações. Na raiz está a opção de classe de sucessivos governos ao longo das últimas décadas.

Por um lado, a privatização em massa das principais empresas e sectores, através dos quais o Estado intervém na economia, retirou da esfera pública os instrumentos necessários para lhe dar eficácia.

A alienação da banca conduz, de forma crescente, a um «investimento» na especulação e actividades imobiliárias, em prejuízo dos sectores produtivos, menos rentáveis na lógica do lucro rápido. Sem financiamento não há investimento, pelo menos para a maioria das empresas nacionais, de micro e pequena dimensão.

Outras vendas realizadas pelos governos de Cavaco, Guterres, Durão Barroso, Sócrates e Passos Coelho representaram, numa primeira fase, a perda para o Estado e, numa segunda, a perda para o País de unidades produtivas que encerraram e/ou fileiras produtivas que foram destruídas.

Como exemplos concretos temos a redução da produção e variedade de produtos da siderurgia integrada, das indústrias de bens e equipamentos pesados, da indústria de construção naval, o definhamento da indústria química de base e o desaparecimento de parte significativa da indústria de defesa.

Acompanhando a evolução das empresas privatizadas no sector industrial, verificamos que muitas estão nas mãos de capital estrangeiro, já encerraram ou estão reduzidas a um pequeno espectro.

É o caso da Setenave e Lisnave, reduzidas à recuperação naval na Mitrena (Setúbal) e já sem a componente de construção naval; da Siderurgia Nacional, agora Lusosider, reduzida a uma fábrica no Seixal; da FESIS – Fábrica-Escola Irmãos Stephen – encerrada poucos anos após a sua privatização; da Covina (depois Saint-Gobain) com o desaparecimento da produção de vidro plano ou, entre tantas outras, da Sorefame, que significou a perda do fabrico de material circulante ferroviário.

Assim, o investimento privado que fica nas mãos de grandes grupos económicos e financeiros estrangeiros está cada vez mais dependente e subordinado a estratégias de maximização de lucros e minimização de custos, da redução da produção hoje para a desmantelar amanhã, de despedimentos e contenções salariais.

Como consequência, saem cada vez mais rendimentos para o estrangeiro sob a forma de dividendos, mas também juros, muitos dos quais livres de qualquer tributação fiscal no nosso país.

Por outro lado, parte significativa do diminuto investimento público está amarrada aos fundos comunitários (77% do total realizado pelo Estado), que por sua vez respondem a uma agenda externa, que impõe constrangimentos crescentes a toda a despesa pública que não esteja, directa ou indirectamente, ligada com os interesses do grande capital, e que se tem traduzido em divergência económica e social com a média da UE e uma maior dependência do país face ao exterior.

Somado, o investimento privado e público foi, em 2017, não o «maior dos últimos 19 anos», mas sim inferior ao realizado em 1996.

 

Formação Bruta de Capital Fixo

45.000

40.000

35.000

30.000

25.000

20.000

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

2011

2012

2013

2014

2015

2016o

2017Pe

Fonte: INE, Contas nacionais; a FBCF inclui o investimento privado e público.

Desta forma, o perfil produtivo de baixo valor acrescentado que caracteriza Portugal, não só não é alterado, como vai definhando à sombra de um ou outro caso de sucesso.

No último executivo do PSD/CDS-PP, a situação atingiu dimensões que colocam em causa o presente e o futuro do País, numa situação que o actual Governo minoritário do PS não inverteu.

O investimento realizado não é suficiente, sequer, para fazer face ao desgaste da capacidade instalada. A formação líquida de capital fixo, indicador económico que mede esta realidade, é negativa desde 2012 até ao final de 2017, situação com a qual o País não havia sido confrontado nos últimos 60 anos.

 

Formação líquida de capital fixo

20

15

10

5

0

1960

1963

1966

1969

1972

1975

1978

1981

1984

1987

1990

1993

1996

1999

2002

2005

2008

2011

2014

2017Pe

-5

-10

Fonte: AMECO, Formação líquida de capital fixo = formação bruta de capital fixo – consumo de capital fixo.

Perante a deterioração anunciada na saúde e na educação, nos transportes ou na cultura, os sucessivos anúncios dos défices orçamentais mais baixos de sempre são uma afronta a milhões de portugueses que se deparam com o outro lado da moeda, com as insuficiências da resposta às suas necessidades mais básicas.

Nas actuais circunstâncias, menos défice equivale a mais atraso, a novos adiamentos na ruptura com uma política de direita que conduz o País a uma situação insustentável.

Neste contexto, não é de estranhar o caminho de degradação dos serviços públicos e das funções sociais do Estado, reflexo deste continuado desinvestimento, resultado da opção governativa.

«Nas actuais circunstâncias, menos défice equivale a mais atraso, a novos adiamentos na ruptura com uma política de direita que conduz o País a uma situação insustentável»

O estado a que chegou a CP é paradigmático a diferentes níveis. Desde logo, porque a aquisição de mais comboios vai implicar mais importações, uma vez que a produção nacional, outrora nas mãos do Estado, foi privatizada e desmantelada.

Depois, porque reflecte a opção do actual Governo que, com o PSD e o CDS-PP, chumbou na Assembleia da República propostas do PCP para o investimento na ferrovia, em nome do sacrossanto défice. Mais, demonstra o cinismo e a hipocrisia de Cristas e Melo, que usam o estado da CP (para o qual deram um forte contributo) para advogar a sua privatização.

A solução do CDS-PP para a CP é a mesma que encontraram para a ANA, a REN, a EDP, a TAP, o BPN, a Fidelidade, a EGF, a CIMPOR ou, entre outras, os CTT, empresas onde o Estado deixou de ter qualquer participação depois da opção do anterior Governo PSD/CDS-PP.

O exemplo dos CTT

Se, no início, foram apresentadas como sinal de desenvolvimento fruto da «excelência» da gestão privada e motor do investimento, as privatizações estão longe de atingir o resultado prometido de melhores serviços para as populações.

O caso dos CTT é lapidar. Desde a privatização, a empresa distribuiu mais em dividendos do que gerou de riqueza. Com um resultado líquido acumulado, desde que é privada, de 238,6 milhões de euros, foram distribuídos mais de 269 milhões de euros para os accionistas.

A taxa de rentabilidade (aquilo que recebe quem comprou acções) é de 7,4% ao ano. Contas feitas, em 12 anos estará reposto o investimento integral na compra dos CTT.

 

Resultado Líquido vs. Dividendos (milhões de euros)

90

Resultado Líquido

Dividendos

80

70

60

50

40

30

20

10

0

2014

2015

2016

2017

Fonte: Relatórios e contas dos CTT de 2014, 2105, 2016 e 2017.

Ao mesmo tempo, em linha com o que aconteceu noutros sectores e empresas alienadas, reduziu-se o número de trabalhadores, mas aumentaram aqueles que têm um vínculo precário, encerraram-se 59 postos de correio, 15 lojas e 50 centros de distribuição postal. O correio passou a ser entregue com menor regularidade.

 

Evolução do número de trabalhadores

 20132014201520162017∆ % 13/17∆ # 13/17
Efectivos no quadro11.73011.52711.36511.24711.122-5,2%-608
Contratados a termo6535936929021.04159,4%388
TOTAL12.38312.12012.05712.14912.163-1,8%-220

Fonte: Relatórios e contas dos CTT de 2014, 2105, 2016 e 2017

É este o significado das privatizações. Perdeu o País, os trabalhadores e as populações. Ganha o capital.

O caso dos CTT pode ser expandido para as restantes empresas privatizadas, as mais importantes hoje cotadas no PSI20, que destinam 71% dos seus resultados para a remuneração accionista, ficando pouco, muito pouco, para o necessário investimento.

A exigência de uma política patriótica e de esquerda

As medidas necessárias para responder a esta situação não podem ser desligadas da urgência de o Estado recuperar os principais instrumentos para a satisfação das necessidades individuais e colectivas, de se libertar das imposições externas que promovem uma sangria de recursos para o grande capital e da opção por uma política que tenha no desenvolvimento soberano do país o pilar central.

«é preciso investir melhor e de forma integrada para impulsionar o desenvolvimento em todo o território nacional»

Uma política articulada, que aumente salários e pensões, permita fixar a força de trabalho mais qualificada e desenvolva novas fileiras produtivas de maior valor acrescentado. Produzir mais, para dever menos e dinamizar a produção nacional.

Uma política que liberte parte do que hoje está afecto ao pagamento da dívida para a melhoria dos serviços públicos e das funções sociais do Estado, que tribute o capital e alivie a carga sobres os rendimentos de quem trabalha e trabalhou.

Uma política de ruptura! Porque, sendo fundamental, não basta investir mais, é preciso investir melhor e de forma integrada para impulsionar o desenvolvimento em todo o território nacional.

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