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IRS 2024: O grande embuste

Há 2,32 milhões de agregados que não pagam IRS, pois os seus rendimentos são demasiado baixos. São quase metade dos agregados familiares do País. Nenhuma redução do IRS os afecta directamente.

Proposta dos comunistas tem como alvo os mais baixos rendimentos
Créditos / SBSI

De repente, quer o PS, quer o PSD tornaram-se os campeões – no plano do discurso – da redução do IRS para os trabalhadores. Convergindo estes partidos na defesa dos interesses do grande capital, de onde vem tal carinho pela causa dos trabalhadores? Desde logo, do carinho pelos votos dos trabalhadores. Mas há mais. É que os baixos salários começam a ser um problema para o próprio patronato: estão a levar à fuga da mão-de-obra mais qualificada. E sem trabalhadores para explorar, não há lucro. A solução que encontraram – veja-se as propostas da CIP – é aumentar rendimentos em vez de aumentar salários. Ou seja, aumentar o rendimento dos trabalhadores sem que os patrões aumentem as suas despesas. Por exemplo, cortar nos rendimentos futuros dos trabalhadores a troco de um aumento nos rendimentos actuais.

O Estado recebe menos em impostos, a Segurança Social recebe menos dos trabalhadores e dos patrões, e essas diferenças servem de «aumento» para os trabalhadores. Só não se aumenta os salários, que é a verdadeira solução para o problema, porque essa solução iria reduzir as gigantescas taxas de lucro que hoje estão a acumular as grandes empresas.

Onde, na proposta de Orçamento do Estado (OE), existe «descida do IRS»  para os trabalhadores é esta a razão. Mas muita desta «descida de IRS» é uma fraude. Ela não tem nem a dimensão, nem a profundidade anunciada. E mais do que outra coisa, ela corrige anteriores opções do próprio Governo PS, que fizeram crescer o IRS pago. Sendo real, a redução atinge essencialmente as camadas de trabalhadores com rendimentos médio/altos. Aqueles que o patronato quer «segurar», pois está convencido que para os trabalhadores menos qualificados tem sempre solução: o recurso massivo à imigração.

Zero menos Zero igual a Zero

Há 2,32 milhões de agregados que não pagam IRS, pois os seus rendimentos são demasiado baixos. São quase metade dos agregados familiares do País. Nenhuma redução do IRS os afecta directamente. Destes, 1,91 milhões têm rendimentos do agregado familiar inferiores a 13 500 euros e 300 mil têm rendimentos entre 13 500 euros e 27 500 euros.

Da mesma forma, os trabalhadores com o Salário Mínimo não pagavam IRS e continuam a não pagar. A actualização do «Mínimo de Existência», sendo justa, não tem como consequência a redução de impostos: essa actualização deveria resultar da inflação e da actualização do Salário Mínimo. 

Mas estes trabalhadores que não pagam IRS pagam impostos. Pagam IVA em quase tudo o que consomem, e consomem quase tudo o que recebem. Pagam IUC se têm um carro por ausência de alternativas para se deslocarem para o trabalho. Pagam taxas verdes sobre os sacos de plástico. Pagam os impostos indirectos, que continuam a aumentar, e a fazer aumentar a injustiça fiscal. É que o IVA vai aumentar com o fim do IVA zero sobre os alimentos (como o PCP alertou logo na altura da aprovação desta medida). O IUC vai aumentar, particularmente para os carros mais velhos, e só para os sacos plásticos ultraleves (os que usamos para a carne, o peixe, as frutas), vão passar a ser 4 cêntimos em cada. 

A Dedução Específica

Outra coisa que é sempre ignorada nas abordagens sobre o IRS é que este imposto tanto taxa os rendimentos do trabalho (actual ou passado) como os meros rentistas. As descidas também se aplicam a esses rendimentos. Até pode ser justo, mas não são rendimentos do trabalho. 

Um bom exemplo do carácter de classe das medidas do Governo é o facto de se recusar a actualizar a dedução específica. Esta é apenas abatida aos rendimentos do trabalho. Deveria ser hoje de 5135 euros. São 1031 euros que não são abatidos por cada contribuinte. Para um trabalhador no terceiro escalão, aplicando a nova taxa de 23%, isso implica 237 euros de imposto a mais!!! 

Por outro lado, a dedução específica só se aplica aos trabalhadores cujos descontos para a Segurança Social não lhe sejam superiores, pois nesse caso podem abater aos rendimentos todos os descontos para a Segurança Social. Ou seja, só os trabalhadores com rendimentos anuais menores que 37 500 euros beneficiariam de um aumento da dedução específica.

Já a redução das taxas, em vez da actualização da dedução específica, beneficia todos os rendimentos (e não apenas os que têm origem no trabalho) e todos os escalões (os primeiros 21 321 euros de todos os contribuintes são taxados às taxas agora reduzidas dos primeiros cinco escalões, e não apenas os rendimentos dos contribuintes nos cinco primeiros escalões). Ou seja, esta opção do Governo PS, de não actualizar a dedução específica, prejudica directamente os rendimentos do trabalho dos cinco primeiros escalões. E nesses escalões, reduz, anula ou reverte mesmo o efeito da redução nos escalões e das taxas.

As Deduções à Colecta

As deduções à colecta são omissas na maior parte das simulações que vemos ser feitas para «demonstrar» a redução do IRS. Há uma explicação técnica para tal: elas são variáveis, tendo um tecto máximo nunca é seguro saber quanto se vai deduzir com as despesas com a habitação, a saúde ou a educação. É por isso que a maior parte das simulações utiliza apenas o efeito das Deduções Automáticas (ligadas aos dependentes a cargo) e da Dedução de Despesas Gerais (que toda a gente atinge e tem como limite 250 euros por contribuinte activo).   

Por um lado, há muitas famílias de trabalhadores, particularmente as que têm dois ou mais filhos, cuja dedução à colecta simplesmente as coloca a pagar zero de imposto. E, por essa razão, não têm qualquer benefício com a redução operada nos escalões. No exemplo que o Governo dá no próprio Relatório do OE2024, um casal, ambos com rendimentos de mil euros, a sua colecta passa de 3182 euros para 2830 euros com as variações introduzidas nos escalões e taxas do IRS. Mas com dois filhos, as deduções automáticas são de 1500 euros a que se somam os 500 euros de deduções das despesas gerais que toda a gente atinge.

«Há muitas famílias de trabalhadores, particularmente as que têm dois ou mais filhos, cuja dedução à colecta simplesmente as coloca a pagar zero de imposto. E, por essa razão, não têm qualquer benefício com a redução operada nos escalões.»

E este agregado ainda pode descontar quase 3000 euros em despesas de saúde (até 800 euros), de educação (até 1000 euros) e de habitação (até 1000 euros). Por exemplo, basta que viva numa casa arrendada e cumpra as despesas mínimas de saúde e educação, e as deduções são suficientes para que o imposto apurado seja zero. Ou seja, teríamos mais uma situação de variação de zero para zero.

Mas, mais significativo: vejam as contas feitas aquando da dedução específica. Por cada membro do casal, são 1031 euros de roubo na dedução específica por efeito da sua não actualização à taxa de inflação. Este casal é taxado a 18%. São 372 euros que paga de imposto por via da não actualização da dedução específica. Em vez dos 361 euros que a proposta de OE2024 lhe dá com tanta pompa. Mais uma vez: obrigado por nada. É que actualizar a dedução específica e os escalões à taxa de inflação – o que o PCP tem proposto em cada discussão do OE – é o mínimo para que os impostos não aumentem. E a redução actual não cobre sequer as perdas acumulados pelo congelamento da Dedução Específica (desde 2010) e dos Escalões (desde 2019).

As actualizações dos escalões

O Governo actualiza em 3% os patamares dos escalões, porque diz que a inflação em 2024 vai ser de 2,9%. O facto de só o Governo acreditar nesse número não o torna falso, só suspeito. Mas há algo de muito objectivo: as actualizações dos escalões têm acompanhado a inflação?

Se recuarmos apenas a 2019, a inflação acumulada já vai nos 17%. Se a aplicarmos aos escalões do IRS percebe-se a diferença: o Governo actualiza o primeiro escalão para 7703 euros, mas deveria actualizar para 8296 euros se quisesse corrigir a inflação desde 2019.  No segundo escalão, são 11 623 euros mas deveriam ser 12 519 euros, no quarto são 21 321 euros e deveriam ser 23 705 euros, no quinto são 27 146 euros em vez dos 29 250 euros.

E agora, alguns exemplos concretos

São quatro as simulações contidas no Relatório do OE2024 para «demonstrar» a redução de IRS sobre os trabalhadores. Vamos comparar essas simulações com a mera actualização dos escalões (desde 2019) e da dedução específica (desde 2010, desde que está congelada). Só para vermos o que é que o Orçamento do Estado para 2024 de facto oferece a cada família trabalhadora.

 IRS em 2023IRS em 2024 com proposta OEGanho anual apontado pelo GovernoIRS em 2024 com actualização da Dedução Especifica e dos escalões sem a redução das taxas proposta)Ganho efectivo
Solteiro com 1300€/mês237920453342003-42.00 €
Casal com 1 filho 2x1000€/mês14841123361939-184.00 €
Casal sem dependentes 2x1500 €627854048745360-44.00 €
Pensionista sem dependentes 860/mês670267403206-61.00 €

Sublinhe-se a conclusão, que é óbvia: bastava ter actualizado a dedução específica (congelada desde 2010) e os escalões (desde 2019), e, nos próprios exemplos escolhidos pelo Governo, seria menor o imposto a pagar que com «a redução» agora proposta. O Governo reverte – e só parcialmente – o muito que o IRS tem crescido para as famílias trabalhadoras, só por via do congelamento dos escalões e da dedução específica.

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