Nos últimos 45 anos estive na decisão de muitíssimas, algumas das maiores e mais prolongadas, greves realizadas em Portugal.
Sempre tive a preocupação de que fossem claros e transparentes os objectivos da greve, provocasse o maior custo aos patrões e ou governos responsáveis pelo seu desencadear, e tivesse o menor impacto colateral nos utentes das empresas e serviços afectados pela greve.
Os piquetes de greve eram constituídos e instruídos para garantir a segurança dos equipamentos e instalações, e no caso de serviços públicos e sociais serem afectados, sempre se tomavam medidas e despenderam valores significativos para produzir informação a esclarecer os utentes para lhe permitir atenuar as consequências e impacto da greve.
Ainda assim, quando as greves eram de maior impacto, sempre as vi serem zurzidas pelos partidos da direita, PSD e CDS-PP, pela maioria da comunicação social e «opinadores» de serviço.
Desde finais de Novembro, assistimos à greve dita «cirúrgica» envolvendo umas dezenas de enfermeiros dos blocos operatórios de cinco unidades do SNS, formalmente declarada pela novel Associação Sindical Portuguesa de Enfermeiros (ASPE), constituída em finais de Junho de 2017, com sede em Ovar, e, também pelo novel Sindicato Democrático dos Enfermeiros Portugueses (SINDEPOR), constituído em Setembro do mesmo ano, com sede em Évora, patrocinada pela Ordem dos Enfermeiros Portugueses – onde os ditos sindicatos, é público, reúnem.
Extraordinário que esta greve não tenha sido objecto de critica intensa, ao contrário conta com o apoio embevecido do PSD e CDS-PP, embora seja claramente contra os utentes dos blocos cirúrgicos de cinco das principais instituições de saúde pública portuguesa, como qualquer pessoa com um mínimo de experiência facilmente constata, especialmente se reflectir sobre as alarmistas declarações dos dirigentes ditos sindicais e da senhora Bastonária da Ordem dos Enfermeiros, conhecida activista e ex-dirigente do PSD.
Bastonária que em vez de falar de como salvaguardar os cuidados de saúde aos doentes necessitados, eventualmente da justeza das reivindicações e da adesão dos profissionais à greve, vem agitar a opinião pública com as consequências das greves sobre os utentes, mais de 5 mil actos cirúrgicos por realizar.
Sobre este alarmista parlar, não vi os «opinadores» zurzir os promotores da greve, e já soube haver apelos para a reflexão sobre o direito à greve dos trabalhadores da administração pública.
Com sinceridade, depois duma greve tão irresponsável e oportunista, com consequências tão dramáticas, os apelos à reflexão sobre o direito à greve, obviamente, visam liquidar o direito, não é preciso tirar nenhum «doutoramento» em reflexão para enxergar tal desiderato.
Há situações em que não podemos ficar-nos pelas manifestações de muita perplexidade e pouca acção.
Não questiono as reivindicações dos enfermeiros portugueses, que me parecem justas e oportunas, nem o direito básico dos enfermeiros lutarem por elas, incluindo o recurso à greve, porque isso é básico para um ex-sindicalista defensor do sindicalismo de classe e dos direitos e interesses dos trabalhadores, sejam eles enfermeiros, empregados de super's, hipermercados e logísticas, médicos, juízes, guardas prisionais, magistrados do ministério público, ferroviários, metalúrgicos ou outros.
Questiono a actuação da senhora ministra da Saúde e do Governo porque essa, sim, me deixou perplexo, quando, depois do que vimos e ouvimos das «Ordens» sobre as greves, a propósito das consequências para os utentes, oiço a mesma garantir que «tenho a certeza de que, se estiverem em causa riscos deontológicos, as ordens profissionais garantirão que os doentes não são colocados em risco».
Não! Quem tem de dar garantias de que os utentes são bem e adequadamente tratados, em tempo oportuno, é a senhora ministra da Saúde e o Governo.
Outra anormalidade desta greve!
É mesmo uma anormalidade, porque não conheço que alguma vez tenham sido pagos dias de greve com fundos recolhidos directamente ou via internet, como é anunciado ter acontecido com esta.
Anunciam, com a greve ainda em curso, que já recolheram, em poucos dias, mais de 360 mil euros para pagar os dias de greve. Dizem que vão fazer uma recolha, ainda maior, para pagar aos grevistas da próxima greve, já anunciada para Janeiro, nos blocos operatórios de mais unidades do SNS.
Participei em algumas campanhas de recolha de fundos, com destinos bem mais populares do que para financiamento de greves impopulares, e nunca tive notícia que se tenham recolhido, em tão pouco tempo, valores tão significativos.
Não acredito em bruxas, mas que as há, há!
Por isso, é preciso saber quem financia quem, e não é porque a recolha é feita via net, que não deve ser possível saber da origem das transferências para estes pagamentos.
Há muitos interesses em jogo, alguns bem endinheirados, aos quais muito interessa o desprestígio do SNS e das suas unidades mais apetrechadas e capacitadas, a transferência dos actos clínicos por fazer no público para o privado, bem como a liquidação do direito à greve.
É altura de agir, travar o passo a aventuras que usando e abusando da liberdade e da democracia, criam as condições para o seu funeral, e o retorno a tempos que queremos nunca mais ver repetidos!
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