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Cravinho murcho

É triste sina nossa que os membros do governo tenham obediência obrigatória e cega à União Europeia, com excepção de uma cadeira: a de chefe da diplomacia.

CréditosOlivier Matthys / EPA

A escolha dessa posição cabe ao Departamento de Estado norte-americano, melhor dizendo, aos ogres sombrios do Estado profundo ali enquistados enquanto os presidentes e os secretários de Estado passam. Que dizer de Augusto Santos Silva e seu Guaidó de estimação, de Rui Machete, de Paulo Portas, de Luís Amado, de António Monteiro e por aí adiante? Nunca nos permitiram ter dúvidas quanto à sua filiação política e diplomática orientada pela hora de Washington, não necessariamente de Bruxelas, embora quase sempre seja a mesma segundo fusos que não querem saber da geografia.

Cravinho não foge à regra. Chamar-lhe chefe da diplomacia, como aos atrás citados, é uma incongruência porque, em boa verdade, não passa de mais um manga de alpaca pronto a cumprir ordens imperiais nestes tempos conturbados de heróicas cruzadas em que marchamos unidos como soldados da NATO.

De quando em vez, Cravinho não se esquece de pôr a máscara de compungido quando a carnificina em Gaza vem esporadicamente à superfície nas lixeiras mediáticas. Porém, logo a retira porque não é preocupação que o mobilize e lhe faça perder muito tempo, tal como aos restantes confrades deste lado do Atlântico ou do outro. Afinal ainda só morreram pouco mais de 30 mil sarracenos, seguramente mais de 15 mil crianças semitas mas de raça «impura»; fora os que jazem sob as toneladas de escombros tornados indispensáveis às necessidades de defesa do nosso querido aliado Israel, farol da democracia no Médio Oriente, esse sim um Estado homogéneo de gente de raça semita devidamente purificada por sopro divino.

O que preocupa verdadeiramente Cravinho, enquanto centenas de milhares de ucranianos continuam a ser enviados para campos de extermínio pelos seus grandes amigos atlantistas, é que Putin queira destruir a União Europeia. Que malvadez! No entanto, destruir uma coisa que está a autodestruir-se parece ser uma pura perda de tempo e de energia, uma preocupação distante para o dirigente russo; seria mais sensato que Cravinho se concentrasse nas forças centrífugas e suicidas que se cruzam de ponta a ponta da União Europeia a uma velocidade vertiginosa.

«De quando em vez, Cravinho não se esquece de pôr a máscara de compungido quando a carnificina em Gaza vem esporadicamente à superfície nas lixeiras mediáticas. Porém, logo a retira porque não é preocupação que o mobilize e lhe faça perder muito tempo, tal como aos restantes confrades deste lado do Atlântico ou do outro.»

Putin, deve dizer-se por respeito aos factos, está mesmo a contribuir com vários abanões para a desintegração da União Europeia, mas apenas como danos colaterais de estratégias primárias e prioritárias. O seu empenhamento na criação e reforço de entidades plurinacionais envolvendo espaços regionais gigantescos que vão da Ásia Ocidental aos confins asiáticos, à América do Sul e África acaba por ter um inevitável e nefasto efeito sobre a União Europeia, integralmente dependente de mecanismos coloniais que as novas dinâmicas de entendimento entre numerosas nações – a maioria das quais escapando às velhas malhas da colonização – vão tornando anacrónicos. São, por exemplo, os BRICS agora com dez membros e uma lista de espera de dezenas de países; a Organização de Cooperação de Xangai; a União Económica Euroasiática; a nova rota da seda, por impulso da China; o Corredor de Transportes Norte-Sul; e também exclusão do dólar (e do euro) de volumosas transacções comerciais e financeiras com repercussões de lés-a-lés do planeta.

Nesta perspectiva, sim, Cravinho tem razão: o maléfico Putin está a destruir a União Europeia, mas não deve chegar a tempo porque, quase pela certa, esta vai implodir antes. No fundo, o grupo dos 27 é parte integrante do confronto existencial entre a ordem internacional baseada em regras – a caricatura militarista do direito internacional que o Ocidente colectivo tenta globalizar à força – e a ascendente nova ordem internacional invocando a restauração plena do direito internacional.

Sejamos um pouco mais prosaicos. O combate é também entre o capitalismo industrial em renascimento à medida que numerosas nações se vão libertando dos grilhões coloniais e o decrépito (não para a meia dúzia que o rege) capitalismo financeiro atafulhado em dólares, que continuam a ser impressos à margem das realidades económicas mundiais e a uma velocidade vertiginosa – até ao dia do inevitável tsunami.

Este frente-a-frente titânico e inquietante, porém, nada tem a ver com os trabalhadores e com as multidões de desfavorecidos que compõem a esmagadora maioria da população mundial. Cortar as amarras capitalistas e aniquilar o sistema predador é o combate ainda por travar e vencer pelos que, de uma ou outra maneira, continuam a ser carne para canhão como peões de interesses que em nada lhes dizem respeito e para os quais entre Biden ou Putin, frau Von der Leyen ou Modi, Macron ou Orban, Cravinho e os seus parceiros dos areópagos diplomáticos, aliados ou inimigos, venha o diabo e escolha. Todos são feitos da mesma massa com que se produzem as falsificações da democracia que nos são impostas, despudoradamente, como expressões da vontade popular.

Se resistir com vida até lá, a União Europeia já não conseguirá sobreviver ao cataclismo financeiro de que apenas falta conhecer a data; será o destino certo de uma entidade incongruente e ligada por afinidades ficcionadas, desindustrializada, dependurada nas lianas de uma gananciosa e fraudulenta economia verde, desprovida das matérias-primas gratuitas outrora garantidas pela extinta ordem colonial, viciada na economia de casino, afogando-se em euros e dólares que seriam mais úteis e menos danosos como papel reciclado.

Quem vai à guerra…

Voltando ainda ao épico levantamento de Cravinho contra Putin, temível reencarnação de Rasputin, como logo pelo nome se percebe, existe um outro factor que merece ser apreciado. Talvez a intenção atribuída ao chefe russo de destruir a União Europeia não seja afinal tão escandalosa e sem razão como o homem das Necessidade pretende fazer crer. Não é segredo para ninguém que um dos objectivos ocidentais, várias vezes confirmado por altos dirigentes deste bloco, é o de dividir a Rússia em vários Estados «verdadeiramente soberanos», afinal mais uma balcanização depois do processo criminoso, ilegal e sangrento da Jugoslávia e da implosão da União Soviética.

Parece que o trabalho de pulverização não ficou completo e da sala oval de Washington às catacumbas de Bruxelas e aos subterrâneos da NATO não se esconde que a cruzada para o desmembramento da Rússia está em curso. Quatro novas nações, 20, mais, menos? Os projectos variam, mas o objectivo é o mesmo: destruir a Rússia dividindo o seu território em bantustões de cuja «independência» a NATO cuidará. Não faltarão Ieltsins e Navalnis para se esgatanharem e serem «eleitos» como «presidentes».

E quem vai à guerra dá e leva, e lá se fazem cá se pagam, não é assim ministro Cravinho? Não basta apenas ter a comovente coragem de enviar tanques coxos, capacetes, corta-unhas e até roupa íntima para as tropas ucranianas e de encher com 250 milhões de euros dos portugueses os bolsos do filo nazi Zelensky. Os actos têm consequências e nestas andanças é mais difícil encontrar um anjinho, um inocente, do que uma agulha num palheiro.

«Não é segredo para ninguém que um dos objectivos ocidentais, várias vezes confirmado por altos dirigentes deste bloco, é o de dividir a Rússia em vários Estados «verdadeiramente soberanos», afinal mais uma balcanização depois do processo criminoso, ilegal e sangrento da Jugoslávia e da implosão da União Soviética.»

O episódio revela também que Cravinho é um azarado ao ter-lhe calhado um chefe como o patético Blinken, um dos destrambelhados neoconservadores que montaram há dez anos, sob a batuta de Biden, a trágica encenação de Maidan, em Kiev, cujo preço foi até agora pago com o sangue de pelo menos meio milhão de seres humanos, ucranianos e russos; uma carnificina que não acabou porque assim como Merkels, Hollandes e Cia não honraram compromissos internacionais de paz onde inscreveram as suas assinaturas também Biden, Blinken, Van der Leyen, Scholz, Macron e a arraia miúda que os segue não querem saber que ao fim de cada dia, dia após dia, mais umas centenas de seres humanos tenham perdido a vida na Ucrânia e também em Gaza e na Cisjordânia, ou mesmo no Iraque, na Síria e outros mais por onde se estende a implacável cruzada civilizacional. Afinal são números de uma estatística pela qual ninguém lhes vai pedir contas. Podem dormir com a consciência tranquila, no caso improvável de a terem.

O que inquieta Cravinho, porém, é a ameaça contra a vida da humaníssima União Europeia às mãos do diabólico Vladimir Putin. Além de um dedicado amanuense de Blinken, o ministro de turno das Necessidades parece um émulo do inimitável mas não insubstituível Borrell. Talvez esteja até a cobiçar-lhe o lugar, nunca se sabe neste ano em que haverá danças de cadeiras entre os não eleitos que, em Bruxelas, cuidam das nossas democracias.

Um Cravinho assim, murcho de ideias, independência e patriotismo, mas com provas dadas e créditos acumulados nas folhas de serviços do Departamento de Estado, cabe perfeitamente neste cenário tecno-burocrático, ainda mais como recompensa por fazer parte activa da predadora confraria ideológica que durante 50 anos se dedicou a fazer murchar os cravos de Abril.

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