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Indígenas defendem direito à terra e protestam contra parecer de Temer

Um grupo de indígenas ocupou, esta quarta-feira, a sede da Advocacia-Geral da União (AGU), em Brasília, em protesto contra o parecer que alterou o modo como a administração pública lida com a demarcação de territórios. Também aqui Temer é acusado de ceder à «bancada ruralista».

Indígenas denunciam em Brasília processo de demarcação de terras
Créditos / midiamax.com.br

Indígenas dos povos Kaingang, Terena, Kadiwéu, Kinikinau e Guarani Mbya ocuparam, ontem, a sede da AGU, na capital brasileira, para protestar contra o parecer vinculativo sobre demarcação de terras tradicionais emitido por esta instituição e aprovado pelo presidente golpista, Michel Temer, em Julho deste ano, informa a Agência Brasil.

Os representantes dos indígenas foram recebidos pela titular do cargo, Grace Mendonça, a quem apresentaram documentos a questionar o parecer, segundo divulgou o Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Os indígenas defendem que o posicionamento deste órgão federal, aprovado pelo presidente golpista, limita o seu direito à terra e dificulta os processos de demarcação dos territórios tradicionais. Para além disso – argumentam –, decisões posteriores do Supremo Tribunal Federal (STF) contrariam a interpretação feita pela AGU, pelo que o parecer deve ser revogado.

A questão do marco temporal

O Parecer 001/2017 estabelece que os órgãos da administração pública devem aplicar a tese do «marco temporal», no âmbito das condicionantes determinadas pelo STF, em 2009, quando do julgamento do processo de demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, no estado de Roraima.

De acordo com a tese (vinculativa) da AGU, só podem ser demarcadas terras tradicionais em que os indígenas estavam presentes à data de promulgação da Constituição, em 5 de Outubro de 1988 – o «marco temporal».

Desde a aprovação do parecer, em Julho, indígenas, organizações que defendem os seus direitos, juristas, antropólogos, entre outros, têm denunciado o parecer e a sua aprovação, classificando o chamado «marco temporal» como uma «farsa jurídica», segundo refere o Brasil de Fato.

Também a Relatora Especial das Nações Unidas para os Direitos dos Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpuz, se pronunciou de forma crítica sobre a medida, afirmando que «os indígenas viveram nos seus territórios desde sempre, desde os seus ancestrais até ao presente». Neste sentido, «colocar uma linha temporal em cima disso para demarcar terras é violar a Declaração», disse, defendendo que «os direitos das populações indígenas, os seus territórios e recursos naturais (...) é atemporal», indica a TeleSur.


Constituição e marco temporal: uma falácia

Num texto publicado no portal do Cimi, Dalmo de Abreu Dallari, jurista e professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, defendeu que esta acção teve como objectivo «extorquir das comunidades indígenas seus direitos às terras que tradicionalmente ocupam».

Em declarações feitas ao Brasil de Fato logo em Julho, Luiz Henrique Eloy, indígena do povo Terena e advogado da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), sublinhou que a tese do marco temporal prejudica «muitos povos indígenas que já haviam sido expulsos das suas terras na data da promulgação da Constituição».

«A Constituição trabalha no sentido de reconhecer direitos originários, anteriores a qualquer outro. Ela não tem a ver com tempo e sim com o modo como as comunidades lidam com seu território, uma extensão social e cultural desses povos. Impor um requisito temporal teria um impacto imediato», disse, acrescentando: «A Constituição veio logo após a ditadura, quando os indígenas sofreram muitas violações, principalmente remoções forçadas, feitas pelos braços estatais e elites regionais. Então, como exigir que as comunidades estivessem nas suas terras nessa época?»

Esta perspectiva foi também salientada pelo antropólogo Spensy Pimentel, fundador e membro do Fórum sobre Violações de Direitos dos Povos Indígenas (FVDPI): «A raiz do absurdo é que muitas populações indígenas foram simplesmente retiradas de suas terras num período anterior ao da Constituição.»

Ligação à «bancada ruralista»

Igualmente denunciada foi a ligação da medida à chamada bancada ruralista, do latifúndio e do agronegócio. Para Gilberto Vieira dos Santos, secretário-adjunto do Cimi, a questão do parecer sobre a demarcação de terras tradicionais foi «visivelmente uma manobra do governo e da bancada ruralista».

A articulação entre AGU, Temer e a bancada ruralista ficou mais à vista quando um dos nomes mais destacados desta bancada no Congresso, Luis Carlos Heinze, se antecipou ao anúncio oficial da AGU e à aprovação de Temer, prometendo num vídeo publicado no Facebook que o parecer ia avante.

«Desde que Temer assumiu o poder, deu início a acções que vão configurando e tornando clara essa articulação, onde o alvo é o retrocesso no que diz respeito aos direitos territoriais desses povos», disse Vieira dos Santos.

Entretanto, a 16 de Agosto o Supremo brasileiro adoptou uma decisão favorável aos direitos originários dos povos indígenas do Brasil, julgando improcedentes as acções movidas pelo estado de Mato Grosso. Já em Guaíra, no Oeste do Paraná, a demarcação de terras tradicionais das comunidades indígenas está em debate. A Justiça federal deu até 31 de Dezembro para que o estudo de demarcação seja concluído.

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