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A Intelligentsia nos seus Labirintos

A intelligentsia norte-americana está em guerra aberta com Trump. Na Europa, alguns classificam essa intelligentsia, escritores, artistas das artes visuais, teatro e cinema, músicos, como de esquerda, sabendo bem de mais que a grande maioria são liberais com muito pouco de esquerda.

CréditosAndrew Harrer/Pool/EPA / Agência Lusa

Fazem bem em se opor a Trump mas não deixa de ser uma curiosa posição que merece alguma reflexão. Onde estiveram esses intelectuais durante os oito anos de mandato de Obama, quando a dívida pública dos EUA passou de 11 para 20 milhões de milhões de dólares (aumento de 1 250 mil milhões por ano, 3 mil milhões por dia!), por essa administração ter uma política que defendeu os interesses da finança e do grande capital, pelos custos das guerras que fomentou.

Onde estava essa gente quando, durante os oito anos de administração Obama as desigualdades aumentaram, os salários reais baixaram, mais de 90% do aumento da riqueza nacional foram enfiados nos bolsos dos 1% mais ricos. Quando os serviços públicos e sociais se degradaram. Quando mais de 46 milhões de cidadãos – a maioria negros e hispânicos, a situação dessas minorias e a violência que sofrem agravou-se – estão abaixo do limite de pobreza.

Quando a população prisional atingiu os 2 milhões. Se as estatísticas de emprego mantivessem os critérios dos anos 80, o desemprego atingiria uns 21% (Paul Craig Roberts).

Quando o Obamacare é um seguro médico pago pelo Estado aos privados, redigido per representantes das seguradoras e farmacêuticas, com uma franquia de 6 500 dólares por família em 2015. Onde estavam? Que protestos fizeram?

Todos mudos e quedos como sempre estiveram às bombas que esse Nobel da Paz despejou pelo mundo ao ritmo de três bombas/hora, número revelado no jornal bi-mensal do Foreign Affairs, do CRF (Council on Foreign Relations), que é considerado pelo Departamento de Estado como uma espécie de how-to, um guia para a condução da política externa.

Com Obama, os EUA e aliados lançaram 100 000 bombas e mísseis, em sete países, contra 70 000 em cinco países pelo Bush da invasão do Iraque. Com Obama os gastos militares superaram em mais 18,7 mil milhões os de George W Bush. Com Obama as forças militares dos EUA estão presentes em 138 países, em comparação com os 60 quando tomou posse.
A utilização de drones aumentou dez vezes, atingindo toda a espécie de alvos e vítimas civis. Obama, informe do The New York Times, seleccionava pessoalmente aqueles que seriam assassinados por mísseis hellfire disparados de drones.

Um senador republicano, Lindsey Graham, estimou, sem qualquer desmentido, que os drones de Obama mataram 4.700 pessoas. «Por vezes atingem-se pessoas inocentes e odeio isso», disse o nobelizado com o cinismo que o caracteriza, «mas removemos alguns altos membros da Al Qaeda».

Foram recrutadas e treinadas forças mercenárias para combaterem na Líbia e Síria, esquadrões da morte para abaterem no Iraque alvos políticos «incómodos». O total de mortes infligidas desde o 11 de Setembro, em guerras terá atingido dois milhões de pessoas.

«Por vezes atingem-se pessoas inocentes e odeio isso»

BARACK OBAMA

Onde estavam quando os bombardeamentos, desde 2014 na nova campanha no Iraque e na Síria, são mais intensos que os anteriores com 65 730 ataques de bombas e mísseis em dois anos e meio.

Com Obama ampliou-se o apoio às agressões de Israel ao povo palestiniano, aos crimes da Arábia Saudita contra o povo do Iémen, financiou-se e armou-se o Estado Islâmico e a Al-Qaeda, John Kerry dixit em entrevista de fim de mandato.

Obama também aconselhou e financiou e golpes de estado das Honduras à Ucrânia. Nomeou para a CIA, chefias militares e para o governo conhecidos «falcões» como a secretária de Estado Hillary Clinton, a embaixadora na ONU Samantha Power a secretária de Estados para os Assuntos Europeus e Euroasiáticos Victoria «Que se Foda a Europa» Nuland.

Tudo isto tem coerência interna: a General Dynamics, grande fabricante de armamento pesado, submarinos, navios de guerra, financiou a carreira política de Barack Obama, desde que concorreu às primárias em 2008, quando demagogicamente fazia promessas parecidas com as de Jesse Jackson uns anos antes, antecipando algumas que vieram a ser feitas por Bernie Sanders, deixando a sua opositora Hillary Clinton boquiaberta de espanto, derrotada pela lábia desse grande vigarista que tinha garantido os apoios financeiros do complexo-militar e industrial que deviam rir a bom rir das suas tiradas Yes You Can’t, conhecendo o seu verdadeiro significado.

Intelligentsia que não mexeu uma palha quando Obama desalojou violentamente os Occupy Wall Street, fazendo um discurso em defesa dos especuladores bolsistas, sustentando-os com milhares de milhões de dólares.

As políticas de Obama e a cumplicidade da intelligentsia são o triunfo da pós-verdade, o conceito escolhido pelos Oxford Dictionaries, um canone dos dicionários, para palavra do ano 2016, como o «que se relaciona ou denota circunstâncias nas quais factos objectivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais».

Créditos Shawn Thew/EPA / Agência Lusa

A pós-verdade em que se cimenta a gigantesca fraude Obama, como se pode ler e ouvir no seu discurso de despedida. A colossal vigarice que é Obama, bem retratada por José Goulão no AbrilAbril.

Agora, com a eleição de Trump, não menos perigoso que Obama, saltam para o terreiro enterrando os pés no pântano de uma democracia esclerosada, expressão política muito clara do fracasso e da crise estrutural do modelo neoliberal nos Estados Unidos, em que quem se senta na Sala Oval, chame-se Bush ou Clinton, Obama ou Trump, prossegue políticas na defesa dos interesses imperiais dos EUA, seja sobre a bandeira do excepcionalismo teológico dos Estados Unidos da América em que Obama acredita «com toda a fibra do meu ser», ou do demagógico «Make America Great Again» de Trump.

Quais as razões por só agora as mulheres organizarem a Marcha das Mulheres contra Trump, bem oleada com milhares de dólares por esse filantropo que é Georges Soros, e nunca o terem feito contra, pelo menos contra algumas, das políticas da administração Obama?

Porquê é que ninguém esfrega na cara de Madeleine Allbright a justificação do assassínio de 500 mil crianças, meio milhão de crianças no Iraque, mais do que as que morreram em Hiroshisma, como efeito colateral, o preço certo a pagar disse ela, quando com grande descaro declara que se vai inscrever como muçulmana, em denúncia aos propósitos xenófobos de Trump?

Porquê só agora milhares de escritores, reunidos no Writers Resist, manifestarem a sua indignação porque desejam «superar o discurso político directo, em favor de um enfoque inspirado no futuro e nós, como escritores, podemos ser uma força unificadora para a protecção da democracia (...) instamos organizadores e oradores locais a evitarem utilizar nomes de políticos ou a adoptar linguagem «anti» como foco no evento do Writers Resist. É importante assegurar que organizações sem fins lucrativos, que estão proibidas de fazer campanhas políticas, se sentirão confiantes em participar e patrocinar estes eventos».

Nada disseram quando Obama alterou a lei para possibilitar que os grandes consórcios financiassem sem limites e sem escrutínio as campanhas políticas, distorcendo claramente a democracia que assim ficou dependente das cornucópias de dólares que impossibilitam de facto candidaturas, como a dos Verdes ou dos Libertários, reduzem o debate de ideias aos rodeos das primárias e das finais entre Democratas e Republicanos, diferentes na forma, iguais nos objectivos.

George Soros CréditosAndreas Gebert/EPA / Agência Lusa

Ou será por esses milhares de escritores terem ficado confortáveis numa falsa ignorância fabricada pelos discursos indirectos, fingindo que não os conseguem decifrar mesmo quando as realidades se perfilam para não deixar uma brecha de dúvida?

Não se quer, nem é desejável, que se meta no mesmo saco de lixo o ogre Trump e o contrabandista Obama. Cada um no seu saco mas ambos atirados para o mesmo aterro sanitário. Isso é o que deveria ser feito por essa intelligentsia, tanto nos EUA como na Europa.

«A acção de todos deverá ser totalmente impessoal – de facto não deverá orientar-se por quaisquer pessoas que sejam, mas por regras que definem os procedimentos a seguir»(Zigmunt Baumann). Príncipio esquecido por essa gente que anda aos baldões das emoções. Orientam-se erráticamente, nessa deriva a razão torna-se coisa descartável.

É o que está agora a acontecer sepultando bem enterrado o que Martha Gelhorn disse num Congresso de Intelectuais em Nova Iorque em 1932 contra o ascenso do nazi-fascismo na Europa e também nos EUA, recordem-se os apoios que lhe davam Lindberg, Allen Dulles, John Rockfeller, Prescott Bush, John Kennedy (pai), as grandes corporações financeiras e industriais.

Congresso que juntou, de viva voz ou por comunicações enviadas, os maiores intelectuais da época, de Steinbeck a Thomas Mann, de Einstein a Upton Sinclair: «Um escritor deve ser agora um homem de acção… Um homem que deu um ano de vida a greves siderúrgicas, ou aos desempregados, ou aos problemas do preconceito racial, não perdeu ou desperdiçou tempo. É um homem que sabe a que pertence. Se sobrevive a tal acção, o que diria posteriormente acerca da mesma é a verdade, necessária e real, e perdurará». (Martha Gelhorn).

Até agora onde têm estado, por onde têm andado esses milhares de escritores? No conforto dos seus lares, das suas tertúlias, das bolsas concedidas por fundações que também financiam acções menos louváveis.

Escrevem, filmam, realizam obras de arte onde se apagou a política, a vida das pessoas, as vidas dolorosas dos explorados e oprimidos. Em linha são celebrados por uma crítica que os aplaude, suporta, divulga.

Óscar Lopes, com a clarivência e o conhecimento que tinha, anotava que a classe operária, os dramas dos explorados tinham sidos rasurados das artes desde meados do séc. XX. Essa a regra, as excepções quase passam despercebidas, são mesmo invectivadas, acusadas de contaminarem a arte pela política.

É um fenómeno universal que Terry Eagleton, afirma em Depois da Teoria, «hoje em dia tanto a teoria cultural quanto a literária são bastardas (...) pela primeira vez em dois séculos não há qualquer poeta, dramaturgo ou romancista britânico em condições de questionar os fundamentos do modo de vida ocidental». Um dos últimos, não estava sozinho mas estava pouco acompanhado, foi Harold Pinter, nos suas peças teatrais e no discurso que fez na aceitação do Prémio Nobel, em 2005.

«É tão importante a produção de bens de consumo e de instrumentos financeiros como a produção de comunicação que prepara e justifica as acções políticas e militares imperialistas através dos meios tradicionais (...)»

Hoje não se encontram, ou raríssima vez se encontram um Alves Redol, Carlos Oliveira, José Cardoso Pires, José Saramago, para nos fixar em território nacional. Não se escrevem As Vinhas da Ira (Steinbeck), Jean Christophe (Roman Rolland) Manhatan Transfer (John dos Passos), Oliver Twist (Charles Dickens), Germinal (Zola), A Profissão da Sra Warren (Bernard Shaw), Mãe Coragem e os seus Dois Filhos (Berthold Brecht), O Triunfo dos Porcos (Georges Orwell), referências rápidas a que se poderiam agregar muitas mais.

Raríssimos os filmes sobre temas sociais e políticos como os de Kean Loach, Recursos Humanos (Laurence Cantet), Blue Collar (Paul Schrader), para nos circunscrever aos tempos mais próximos e não enumerar os neo-realistas italianos, franceses, russos.

Ninguém, quase mesmo quase ninguém fala dos pobres, dos sonhos utópicos, da imoralidade do capitalismo, ataca a classe dominante, a corrupção que espalha. Foi todo um trabalho feito nos anos da guerra fria pela CIA, leia-se Who Paid de Paper, The CIA and the Cultural Cold War, de Frances Stonor Saunders. Trabalho bem sucedido dessas tarântulas tecendo as teias onde a cultura e as artes se debatem no caldo de cultura pós-moderna em que «a ideia moderna da racionalidade global da vida social e pessoal acabou por se desintegrar em mini-racionalidades ao serviço de uma global inabarcável e incontrolável irracionalidade» (Lyotard).

Para sobreviverem e viverem comodamente, dissociam-se da política, dos dramas sociais, das guerras para encobrirem, o caos, o abismo, o sem fundo de que falava Castoriadis, para onde se é atirado sem remissão. Trabalho que teve tanto êxito, olhe-se para os paradigmas culturais do pós-modernismo, como teve o de controlar os meios de comunicação social quando em nome da racionalização e da modernização da produção, se regressa ao barbarismo dos primórdios da revolução industrial.

Uma guerra em que os arsenais são financeiros e o objectivo da guerra é governar o mundo a partir de centros de poder abstractos impondo uma nova ordem fanática e totalitária. Nova ordem em que são de importância equivalente o controlo da produção de bens materiais e o dos bens imateriais.

É tão importante a produção de bens de consumo e de instrumentos financeiros como a produção de comunicação que prepara e justifica as acções políticas e militares imperialistas através dos meios tradicionais, rádio, televisão, jornais e dos novos, proporcionados pelas redes informáticas, como é igualmente importante a construção de um imaginário global com os meios da cultura mediática de massas, as revistas de glamour, a música internacional nos sentimentos e americana na forma, os programas radiofónicos e televisivos prontos a usar e a esquecer, o teatro espectacular e ligeiro, o cinema mundano medido pelo número de espectadores, a arte contemporânea em que a forma pode ser substituída por uma ideia e a personalidade do artista transformada numa marca garante do valor da mercadoria artística que atravessa fronteiras.

É nessa nova ordem que se inscrevem os Writters Resist, em que mesmo os que se aproximam de uma ideia de esquerda europeia estão contaminados e enquadrados pela ideologia de direita dominante. Alarmam-se com Trump mas nunca se alarmaram com Obama, ou os seus antecessores. Têm razão numa coisa: estamos mais perto de uma nova versão do fascismo, como se vê no alastramento da mancha de óleo da direita e extrema-direita na Europa e nas Américas.

«Muita esquerda permanece vacilante amarrada ao ter louvado ou, no mínimo, ter depositado irracionais esperanças em Obama.»

Um clima de guerra ideológica e mesmo real avoluma-se no horizonte. Têm agora um sobressalto. Um alarme tardo, uma cortina que tapa o silêncio em que, sem qualquer vergonha, envolveram as políticas que agravaram desigualdes económicas e sociais, as agressões norte-americanas em todo o mundo por anteriores administrações, democratas e republicanas.

É chocante, obsceno ver, ler e ouvir como muitos desses obsecados com Trump bajulam Obama. Como se assemelham aos ratos que seguem, sem uma ruga de dúvida, essa moderna versão do flautista de Hamelim. Têm razão em invectar Trump, em se preocuparem com o abubar dos campos da direita e extrema-direita. Com o estado de guerra latente que se vive.

Deviam sentir-se culpados, miseravelmente culpados por terem fechado ou na melhor das hipóteses semi-cerrado os olhos aos desmandos que prepararam a sua ascensão.

Como escreve William I. Robinson, professor na Universidade da Califórnia, um dos raros não contaminados pelo pensamento dominante da ideologia de direita: «O presidente Barack Obama pode ter feito mais do que ninguém para assegurar a vitória de Trump (...) Ainda que a eleição de Trump tenha disparado uma rápida expansão de correntes fascistas na sociedade civil dos EUA, uma saída fascista para o sistema político está longe de ser inevitável. (...) Mas esse combate requer clareza de como actuar perante um precipício perigoso. As sementes do fascismo do século XXI foram plantadas, fertilizadas e regadas pela administração Obama e a elite liberal em bancarrota política».

A direita exulta. Mesmo a que inicialmente foi reticente em relação a Trump, agora vai progressivamente alinhando com as sementes proto fascistas que vai semeando, deixando cair as máscaras.

Ler ou ouvir a comunicação social mais alinhada à direita sobre Trump, durante as primárias republicanas e a campanha eleitoral e depois da vitória é assistir a um pouco árduo exercício de translação. Muita esquerda permanece vacilante amarrada ao ter louvado ou, no mínimo, ter depositado irracionais esperanças em Obama.

Ler o que por aí se escreveu e disse quando foi eleito presidente ou agora quando não há razão para qualquer dúvida, é muito instrutivo sobre algumas esquerdas, as velhas e as novas, as que repetem os vícios do radicalismo pequeno burguês de fachada socialista usando estilistas modernaços ou de antanho, as que metem com contumácia o socialismo nas gavetas abertas ou fechadas pelas terceiras vias e suas variantes.

Nas suas derivas não encontram o fio de Ariadne que lhes aponte o caminho de saída do labirinto por onde deambulam confusos.

O Minotauro espera-os.

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