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Cultura de guerra

Nunca como hoje os ensaios reais de guerra em que se transformaram os exercícios militares foram tão abundantes e tiveram a envergadura inquietante e provocatória que os caracteriza.

Exercícios militares conjuntos entre os EUA e a Coreia do Sul, em Goyang, Coreia do Sul
Exercícios militares conjuntos entre os EUA e a Coreia do Sul, em Goyang, Coreia do SulCréditosJeon Heon-Kyun, EPA / Agência Lusa

Como um fluido anestésico, a cultura de guerra instalou-se nas nossas vidas. Injectada gradualmente através de pretextos falsos, cínicos e oportunistas engendrados por dirigentes políticos inconscientes e desumanos, distribuída pela teia venenosa universal de meios de comunicação irresponsáveis e contaminados pelo vírus da manipulação e da propaganda, afirma-se agora como a primeira e última solução das contendas internacionais que proliferam como uma peste.

As hipóteses de soluções negociadas dos conflitos quase desapareceram dos horizontes de conhecimento de qualquer um de nós, mesmo quando existem. Por exemplo, as precárias conversações que decorrem sobre a Síria tornaram-se um tabu, do mesmo modo que são ocultados os massacres de civis que a «coligação internacional», um heterónimo de NATO, vem praticando nas regiões envolventes de Raqqa para evitar a restauração da integridade territorial síria, a pretexto do combate ao Daesh, falso como o pacifismo de Trump ou as promessas de Obama.

E quando alguém como o secretário-geral da ONU evoca um dos únicos «processos de paz» ainda citados, por sinal o mais desacreditado, o israelo-palestiniano, manifestando-se crente de que dele sairá um acordo, melhor seria que se mantivesse em silêncio. Porque a ONU deste dirigente geminado do seu antecessor, o patético Ban Ki-moon, ocupa-se preferencialmente de impôr sanções contra o povo da Venezuela enquanto permite que o Estado de Israel prossiga a colonização ilegal que humilha o povo palestiniano, assim invalidando qualquer «processo de paz» e impedindo, na prática, que sobeje território onde possa nascer o prometido Estado Palestiniano, compromisso tão enganador como o da «libertação» da Líbia.

Tudo isto é parte da cultura de guerra como solução única e final para os conflitos.

Nunca como hoje os ensaios reais de guerra em que se transformaram os exercícios militares foram tão abundantes e tiveram a envergadura inquietante e provocatória que os caracteriza.

Estados Unidos e Coreia do Sul manobram em conjunto, com armas letais, contra a Coreia do Norte, que responde através de exercícios e testes de engenhos evoluídos, pelo menos a crer na propaganda que deles fazem os seus inimigos.

Ao anúncio do presidente norte-americano de que vai reactivar a guerra do Afeganistão através do envio de mais tropas da NATO, uma operação que se estende em forma de ameaça contra o Paquistão, a China respondeu com exercícios militares caracterizados por um conteúdo operacional nunca experimentado, dizem analistas. Estas movimentações traduzem um embate ao mesmo tempo estratégico e económico entre os interesses chineses e norte-americanos.

Pequim tem investido fortemente na reconstrução dos dois países, seus vizinhos, um dizimado e outro fortemente condicionado pelas agressões da NATO, entrando assim directamente em competição com um dos principais objectivos norte-americanos manifestado em todas as guerras de agressão promovidas pelo Pentágono: lucrar com a reconstrução depois de ter amealhado com a guerra de destruição

Além disso, existe um confronto múltiplo de interesses económicos, na Eurásia como em todo o mundo, através de uma renovada caça às matérias primas, um dos sinais da profunda crise de contradições e de insuficiência de resultados produzidos pelos habituais métodos rapina, problemas com que se debate o capitalismo.

O maior exemplo da cultura de guerra com impacto universal, sobrepondo-se até, potencialmente, aos efeitos dramáticos das situações no Médio Oriente e na Eurásia – embora as interligações sejam evidentes – está patente no centro e leste da Europa através do cerco à Federação Russa, cada vez mais apertado e sufocante. Todos os dias acontecem factos ignorados ou banalizados pela comunicação social, susceptíveis de provocar um conflito com dimensões inenarráveis e potencialidades destruidoras ultrapassando os mais assustadores pesadelos.

«A ONU deste dirigente geminado do seu antecessor, o patético Ban Ki-moon, ocupa-se preferencialmente de impôr sanções contra o povo da Venezuela enquanto permite que o Estado de Israel prossiga a colonização ilegal que humilha o povo palestiniano.»

O argumento brandido hoje em dia por Washington para justificar a parafernália de guerra agressiva montada nos antigos países do Tratado de Varsóvia anexados pela NATO é o da realização de manobras militares como exemplo acabado da sempiterna «ameaça russa».

A exploração propagandística da pretensa capacidade agressiva dos exercícios praticados por um país sitiado pretende esconder o verdadeiro significado das simulações de guerra que a NATO realiza, permanentemente, em regiões que vão dos Balcãs – onde acaba de transformar o Montenegro num protectorado – ao Báltico, região na qual o patrulhamento dos espaços aéreos da Estónia, da Letónia e da Lituânia, confinando com o da Rússia, passou agora a ser uma tarefa da força aérea dos Estados Unidos da América. Basta uma provocação do tipo da que aconteceu há meses na fronteira aérea sírio-turca e teremos as duas maiores potências dos ares em conflito directo, um cenário aterrador.

Acresce que os Estados Unidos e a NATO instalaram na República Checa, Roménia, Bulgária, Polónia e nos três Estados do Báltico uma impressionante e moderníssima força militar em prontidão, apoiada por mecanismos de deslocação rápida que poderão multiplicar o seu poder de morte e destruição em poucas horas. Sem contar com o controlo militar, político e económico da Ucrânia decorrente do golpe de Estado «libertador».

A propósito das novas realidades cuja instauração foi uma das consequências do derrube do muro de Berlim, o tenente-coronel checo Ivan Kratchovil explica, com as seguintes palavras, como se implanta a cultura de guerra na República Checa, considerada necessária para que o novo enquadramento político-militar seja assimilado pela classe política dominante - e num cenário de apatia social: «A NATO, assim como a elite política checa, estão a tentar transformar a opinião pública, a 'reeducar-nos', para aceitarmos como algo normal o facto de o nosso exército ser actualmente controlado pela Bundeswher» (forças armadas alemãs).

Isto acontece num país onde ainda estão bem vivas as memórias das atrocidades sanguinárias em tempos ali cometidas pelas hordas da Bundeswher, embora sob outro comando. Coisa de somenos para a NATO, uma vez que tem vindo a enquadrar, e até a encorajar através do treino de efectivos, o regresso ao passado nazi na Ucrânia e também na Polónia, embora aqui o processo seja mais lento e enviesado.

Entretanto, na sua recente visita de conforto e apoio aos saudosos de Hitler que governam a Ucrânia, o secretário da Defesa de Donald Trump, James Mattis, prometeu mais milhões de financiamento e a entrega das primeiras armas qualificadas como letais ao regime de Kiev. Armas «defensivas», garantiu Mattis repetindo a velha ladainha de qualquer burocrata da NATO; porque «só pode considerá-las ofensivas quem tem espírito de agressor», acrescentou.

Sem ser exaustivo na enumeração de ambientes conflituosas no mundo, e recordando apenas que o ambiente na América Latina se caracteriza pelos mesmos traços belicistas e golpistas dos tempos de vigência plena do conceito de «quintal das traseiras», reforçados agora pelos movimentos vigilantes da reactivada IV Esquadra norte-americana, percebe-se como escasseia o espaço para criar situações de diálogo e dinamizar a procura negociada de entendimentos quando deflagram choques de direitos ou de interesses.

O caminho tornou-se directo: contra esses conflitos emergem em primeira mão os choques militares, antes de a diplomacia, agora sempre a reboque dos generais, tentar representar o papel que se supõe ainda desempenhar. É assim a cultura internacional dominante: dispara-se ou invade-se primeiro e fala-se depois, se houver ainda quem se atreva.

Houve tempos em que se fabricavam «factos políticos» para tirar proveito de manobras institucionais. Agora, na arena internacional, criam-se logo factos militares, impondo a guerra quando o desnível flagrante da relação de forças garante o triunfo e a imunidade ao agressor; ou cultivando as estratégias mútuas de ameaça, agidas através de ensaios militares cada vez mais provocatórios, em situações nas quais as partes antagónicas se temem.

A cultura de guerra é, ao mesmo tempo, uma outra demonstração de como o capitalismo no seu estado supremo, a selvática anarquia económico-financeira, não consegue libertar-se da crise sistémica enraizada. Os casinos financeiros e a brutal concentração económica sem pátria tardam em funcionar com a ligeireza ambicionada e perante horizontes desanuviados. As soluções políticas autoritárias, impostas e multiplicadas à escala planetária, não funcionam em pleno por si e carecem de um suporte militar permanente que ignore países e direitos humanos, ocupando-se apenas de servir os interesses materiais que o sustentam.

As guerras para redesenhar mapas tanto no Médio Oriente como na Eurásia, acções como a do golpista Temer de mandar destruir parte do tesouro natural da Amazónia para reabrir a caça ao ouro, os múltiplos exemplos de golpes e guerras que se ligam à apropriação de riquezas naturais alheias como o petróleo, o lítio, o urânio, o cobre, o ouro, os diamantes, explicam-nos que o capitalismo, minado pela inquietação resultante do arrastamento da crise, reorienta prioridades económicas para a caça, sem lei, às matérias primas.

Sem surpresa, agudizam-se as contradições no todo-poderoso mundo económico-financeiro, cada vez menos disposto a perder tempo com o intermezzo político. A opção militar directa, além de alimentar um dos mais lucrativos ramos de negócio, permite avaliar as relações de poder de uma maneira mais crua.

As contradições agravaram-se de tal maneira que passam agora pelo meio do establishment norte-americano. Não entre as duas famílias do partido único, como alguns pretendem interpretar, mas sim entre grandes e poderosos interesses entrados em conflito, designadamente devido aos caprichos da crise.

Trump, sem dúvida um homem do establishment, surgiu com promessas de reactivação da economia interna e repôs as velhas fontes energéticas no topo das prioridades. Num ápice comprou duas guerras: uma com o inultrapassável lobby da guerra, inconformado com uma hipotética desactivação de frentes militares externas; e outra com os ascendentes sectores das energias renováveis.

Noutro ápice, ao aperceber-se do alto preço a pagar por esses desgastantes conflitos internos, o magnata-presidente inverteu o rumo, virou-se para as guerras externas de modo a satisfazer os falcões e os negociantes da morte; e enveredou pela garimpagem mundial de matérias-primas, ao mesmo tempo que se descartava – e continua a fazê-lo – dos conselheiros e colaboradores que foram as suas primeiras e segundas escolhas de estratégias que nasceram ilusórias e logo se tornaram perigosas.

Ainda assim, a «guerra civil» continua, enredando sectores sociais e populares bem intencionados que não passam de carne para canhão porque nesse confronto apenas se dirimem grandes interesses que em nada lhes dizem respeito, a não ser para os subjugar.

Profundas contradições capitalistas e uma cultura de guerra instalada criaram o ambiente do qual surgiu a terrível Primeira Guerra Mundial. Hoje, porém, o estado de desenvolvimento das forças capitalistas, o seu desprezo pelas fronteiras e as capacidades letais dos aparelhos de guerra multiplicam exponencialmente os riscos de há cem anos.

No cenário actual de cultura de guerra não é possível detectar um único bom prenúncio.

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