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Pronunciar (mas bem) certas palavras…

Pronunciar (mas bem) certas palavras, para amanhã saber pronunciar muitas outras. Exposições, músicas, livros, teatro, filmes e o que mais se verá… para continuar a alimentar a inteligência crítica e a vontade de mudar o mundo.

Óscar Lopes
Óscar LopesCréditos / Porto.pt

Lá pelos inícios dos anos 80 do século passado, Eugénio de Andrade escreveu um curto poema de exaltação da língua, mais do que dos frutos, que viria a fazer parte do seu livro Aquela Nuvem e Outras, de 1986.

Ouvi o poeta a dizer esta composição, em público, mais do que uma vez. Sei que gostava dela. O título era precisamente «Frutos». Ora leiam, para verem aonde depois quero chegar: «Pêssegos, peras, laranjas, / morangos, cerejas, figos, / maçãs, melão, melancia, / ó música de meus sentidos, / pura delícia da língua; / deixai-me agora falar / do fruto que me fascina, / pelo sabor, pela cor, / pelo aroma das sílabas: / tangerina, tangerina.» Fernando Lopes-Graça viria a transformar este poema em canção, tal como fez com todas as outras do livro citado.

Apoiando-se na sinestesia, Eugénio falava dos frutos, ou melhor, das palavras-nomes-de-frutos que o fascinavam. Uma mais do que todas: a palavra «tangerina».

Inspirado por este poema, deixai-me então agora falar de certos nomes, extraordinários topónimos que a mim me fascinam também, sobretudo depois do dia 1 de Outubro.

Passando para o registo da segunda pessoa do plural, por respeito a Eugénio, ora escutai, ou melhor, lede e dizei comigo estes nomes, para fixardes e repetirdes aos «frustrados cangalheiros» que por aí andam. E, ao dizê-lo, reganhai, por favor, novas energias. Aí ficam: Alvito, Cuba, Serpa, Vidigueira, Arraiolos, Évora, Montemor-o-Novo, Mora, Vila Viçosa, Silves, Loures, Sobral de Monte Agraço, Avis, Monforte, Alpiarça, Benavente, Alcácer do Sal, Grândola, Moita, Palmela, Santiago do Cacém, Seixal, Sesimbra, Setúbal.

Ainda não estais contentes? Pois vou pronunciar mais alguns, de maravilhosa ressonância. Mas só alguns, que não posso passar o dia a enumerar nomes de lugares espalhados por todo este país, do sul mais extremo ao norte mais extremo: Merelim (São Paio), Panoias e Parada de Tibães, Boidobra, Cernache, Taveiro, Ameal e Arzila, Monte do Trigo, Amieira e Alqueva, Santa Bárbara de Nexe, Almeida, Marinha Grande, Carnide, Alpalhão, Fânzeres e São Pedro da Cova, Banho e Carvalhosa, Parada de Todeia, Vilar de Mouros, Santa Maria Maior e Monserrate, Meadela, Real… Enfim, cansei-me. É muito nome.

Tinha aqui apontados, nesta segunda lista, 139, mas fico-me por estes. E desafio-vos, leitores: adivinhai todos os outros topónimos que eu gostaria de pronunciar, topónimos tão belos como é bela a firme vontade das gentes que mos fizeram aqui pronunciar.

Salto, de novo, para o «vocês» do início, que me força à conjugação das formas verbais na terceira pessoa do plural (gramática obriga). Compreendem agora por que comecei por citar o poema de Eugénio? E captam a razão por que enumerei tantos topónimos? Pois se ainda não compreenderam, por favor, perguntem aos amigos, que lhes explicarão, certamente com simpatia. Ou não. Depende dos amigos que forem…

Deixemo-nos, por agora, da música das palavras e vamos a outras músicas. Caminhemos até à beira mar, a norte.

Música, em Matosinhos, o mar e os seus cantores e Óscar, sempre

Em Matosinhos, no renovado (há poucos anos) Teatro Municipal Constantino Nery, está em curso um belo Ciclo de Música de Câmara: no sábado 7 de Outubro, poderá escutar Pedro Burmester e o Quarteto de Cordas de Matosinhos (Carlos Azevedo e Fernando Bessa Valente, ou seja, portugueses e contemporâneos, serão os compositores a ouvir, mas também Dimitri Shostakovich).

A 13 de Outubro, assistir-se-á à actuação dos cantores Sara Braga Simões, Job Tomé, João Alves e, no piano, de Ángel González. É o concerto All’Opera, com música de Donizetti, da ópera cómica Rita (1841).

E, já agora, vá-se preparando para, a 27 do mês que está a começar, um decerto magnífico recital para piano, de Fausto Neves. No programa, Mozart, Prokofiev, Lopes-Graça, Ravel e Debussy. Vá pensando nos bilhetes. É a não perder. E o ciclo, adianto já, estende-se por Novembro e Dezembro.

Sugiro-lhe ainda que consulte a interessante programação do Teatro Municipal Constantino Nery para os próximos tempos. Há teatro, espectáculos para bebés, outros concertos. E lembre-se: está em Matosinhos, terra de pescadores, ali bem pertinho da lota e do mar. Aproveite.

Aproveito eu, que aqui falo agora do mar, para recomendar um regresso aos versos e à prosa de grandes escritores portugueses do mar (os trovadores galaico-portugueses, Camões, Fernão Mendes Pinto, António Nobre, Raul Brandão, Pessoa, Torga, Nemésio, Bernardo Santareno, Sophia de Mello Breyner Andresen, José Afonso e tantos outros), e para saudar um poeta e pedagogo galego que admiro, Antonio Garcia Teijeiro – visite o seu interessante blogue literário e musical –, que acaba, há dias, de ganhar a mais prestigiada distinção dedicada ao livro infantil e juvenil no estado espanhol: o Prémio Nacional de Literatura Infantil e Juvenil.

Capa da edição

Pois bem, Garcia Teijeiro, de quem falei aqui no mês passado a propósito de um dos seus títulos, En la Cuna del Mar, obteve o prémio em causa pelo seu livro Poemar o Mar, obra poética de insinuante musicalidade e diversidade compositiva, bem enraizada na cultura galega, com a qual encerra a sua trilogia de temática marítima/marinha, belamente ilustrada por Xan López Domínguez. A chancela é a das Edicións Xerais de Galicia, de Vigo, cidade de extasiante ria e gigantesco porto pesqueiro, onde Garcia Teijeiro vive e compõe os seus versos.

E, sem sair da beira do mar e do concelho de Matosinhos, aproveito para lhe recomendar uma visita… ao Porto. Parece absurdo, mas não é. É que falo aqui, uma vez mais, de um matosinhense ilustre, Óscar Lopes, natural de Leça da Palmeira, onde, desde a infância e a adolescência, teve ocasião de testemunhar a exploração dos pescadores e a miséria das suas famílias, o que viria a ser determinante na sua opção de aderir ao Partido Comunista Português.

O grande linguista, historiador da literatura, crítico literário, professor, combatente antifascista pela liberdade e democracia e militante comunista, que foi Óscar Lopes (1917-2013), é agora homenageado com uma excelente exposição inaugurada no dia 2 de Outubro nas instalações da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto (AJHLP, ali, ao lado do Teatro Rivoli), de cuja direcção aliás foi presidente e onde organizou numerosos colóquios e publicações (nomeadamente a Gazeta Literária, o órgão da associação).

Não deixe de visitar esta mostra (aberta durante a tarde), organizada com apoio da família de Óscar e de várias instituições, a qual se encontra patente até 11 de Outubro, transitando depois, não sei se no todo ou em parte, para a Casa dos Sindicatos, sede da União dos Sindicatos do Porto, na freguesia de Campanhã.

(Sim, essa mesma que Rui Moreira/CDS parecem ter votado ao abandono e ao rol das promessas eleitorais não cumpridas, em território flagelado pelo desemprego, pelas más condições de vida, pelos inumeráveis problemas nos bairros municipais e pelo desprezo municipal pelo espaço público. O Porto, por assim dizer, é uma moeda: numa face, polida e dourada, a coroa, ou seja, a freguesia de Nevogilde/Foz; na outra face, a cara, enegrecida pelo tempo, pelo desgaste, pelo abandono e pela pobreza: Campanhã/Azevedo. Para que fique sabendo.)

A exposição documental e fotográfica de que estou ainda a falar, bem concebida e organizada por Manuela Espírito Santo, pelo filho de Óscar, Sérgio Lopes, e ainda por Alexandre Teixeira Mendes e Francisco Duarte Mangas, é anunciada por um cartaz da autoria do escritor e artista visual Augusto Baptista.

Não a perca, pois exibe muitos documentos e textos inéditos, além de dar conta do percurso cívico e científico desta figura incontornável da cultura e da política portuguesas do século XX. Um intelectual cuja combatividade, carácter íntegro e apreço pela cultura e pela intervenção sociopolítica, em constante atenção ao Outro e, sobretudo, à classe operária e aos camponeses, aos outros trabalhadores e à juventude, constitui um exemplo para os dias por vir.

No ambicioso programa de comemoração do centenário do nascimento de Óscar, a AJHLP prevê ainda a publicação de uma Gazeta Literáriaespecial Óscar Lopes, com testemunhos e ensaios de diversos autores (Albano Martins, Arnaldo Trindade, Anselmo Borges e José António Gomes, entre outros), além de um livro que reúne a correspondência entre Óscar e Vitorino Magalhães Godinho.

Nova pintura em Espinho

Ainda à beira-mar, dou um salto mais para sul, para visitar a exposição individual Ar livre, da pintora Ana Pais Oliveira, no FACE – Fórum de Arte e Cultura de Espinho (terra onde estudou em menino e está sepultado Soeiro Pereira Gomes; terra do escritor Manuel Laranjeira, por onde passou também Amadeo de Souza Cardoso).

Trata-se de uma mostra que reúne «um conjunto significativo de trabalhos produzidos durante um ano e meio de residência no FACE, apresentando o culminar de uma vivência efectiva e afectiva desse novo atelier».

Escreve a artista que «o atelier é condição básica para que o trabalho nasça e cresça» e foi neste novo espaço que desenvolveu «novos projectos de um modo quase mais público, mais disponível para quem quisesse conhecer e perceber o que fazia.»

A exposição, no piso de cima do FACE, é «um natural prolongamento deste fazer diário, de uma experimentação continuada que usufruiu de todo um novo contexto para criar as peças». Novos lugares, contextos e ambientes, afirma Ana Pais Oliveira, «são sempre motivo de liberdade, inspiração e respiração. É por isto que a exposição se chama Ar livre.»

Mais sugestões de música, cinema, exposições ao correr do teclado

Quase a terminar, aponte ainda estas outras sugestões culturais:

Bach – Cantata para o Casamento, pela Orquestra Metropolitana de Lisboa, com a soprano Alexandra Bernardo, cravo e direcção musical de Marcos Magalhães – 14 de Outubro, Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa.

Os 500 Anos da Reforma, obras de Brahms, Chaves e Mendelssohn – pela Orquestra Metropolitana de Lisboa; violino: José Teixeira; maestro Michael Zilm. Teatro Thalia, Lisboa, 21 de Outubro.

9 de Outubro no CCB (Lisboa) e 11 de Outubro na Casa da Música (Porto): alguém quererá perder Maria João e Egberto Gismonti em concerto? Eu gostaria de não perder. No Porto, o espectáculo acontece no contexto do Outono em Jazz, que decorre na Casa da Música, de 11 de Outubro a 2 de Novembro.

7 de Outubro – Simone e Zélia Duncan actuam no Coliseu dos Recreios, em Lisboa.

Como deixar de visitar a exposição de Jorge Pinheiro no Museu de Serralves, no Porto? É uma oportunidade para revisitar a obra deste grande pintor e mestre da arte do desenho (um dos 4 Vintes, juntamente com Ângelo de Sousa, José Rodrigues e Armando Alves). Um artista que sempre manteve intensa relação com a arte clássica, com os mitos e com a literatura (como aliás comprovam também as marcantes ilustrações que executou para obras de Ilse Losa, Luísa Dacosta ou Eugénio de Andrade).

Não esqueça, por outro lado, que a 14 de Outubro começa a BIG, 1.ª Bienal de Ilustração de Guimarães, que, entre outras actividades, contempla uma exposição do ilustrador Luís Filipe de Abreu, Prémio Carreira desta bienal.

Atenção ainda à estreia do filme português Al Berto, realização e argumento de Vicente Alves do Ó, inspirado na via e obra do poeta de Sines.

Não esqueça, tão pouco, o Festival Doc Lisboa; e a Festa do Cinema Francês a decorrer no São Jorge, em Lisboa, com destaque para a comemoração do centenário do nascimento do realizador Jean-Pierre Melville.

Importa também registar na agenda a programação da Fundação José Rodrigues, situada no coração do histórico bairro operário da Fontinha, no Porto (onde nasceu o poeta José Gomes Ferreira, em 1900). Há muitas actividades a decorrer e eu próprio apresentarei aí, no dia 28 de Outubro, o novo livro bilingue (belo livro em Português e Francês) da pintora e poeta Flor Campino. Intitula-se Elogio do Efémero, é editado pela Afrontamento, sendo, até certo ponto, escrito sob o signo do haiku japonês.

E mais algumas sugestões de livros

Ficção narrativa

Kafka na Casa de Banho (Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto, 2017), de Nuno Corvacho: contos breves e microcontos, bem escritos, capazes de prender o leitor, não raro atravessados pelo humor, com capa (cativante e elegante) de Augusto Baptista.

63 Histórias de Humor e 1 Poema Melancólico (Exclamação, 2017, tradução de Filipe Guerra) de Alphonse Allais (1854-1905), um precursor do conto breve e do microconto anedóticos.

O Caçador de Histórias (Antígona, 2017), de Eduardo Galeano (1940-2015), uma excelente tradução de José Colaço Barreiros. O grande escritor uruguaio (que foi sempre também um firme homem de esquerda e um profundo conhecedor da realidade latino-americana) apresenta, neste livro, uma notável colecção de contos breves e micro-contos, terreno de que foi reconhecido cultivador.

Poesia

Nada Natural (Douda Correria, 2017), de Gary Snyder, uma das vozes mais conhecidas da Beat Generation norte-americana, aqui numa breve antologia poética (finalmente) traduzida por Nuno Marques e Margarida Vale de Gato.

Capa da edição

A natureza no centro, mas também a cultura e, sobretudo, o olhar perscrutador e reinventor do real e do quotidiano, numa escrita por vezes desconcertante, fortemente marcada pelo convívio com as literaturas do Oriente (China, Japão, Índia) e, por isso, sempre desafiadora.

Companhia a Mrs Woolf (Eufeme, 2017), do inglês Neil Curry, em edição bilingue, com tradução de Francisco José Craveiro de Carvalho – um catedrático de Geometria também poeta e tradutor que acaba, aliás, de lançar, ele próprio, um estimulante pequeno livro a não perder: Quatro Garrafas de Água (Companhia das Ilhas, 2017). Como sempre, neste poeta, a atracção iniludível pelas formas breves de inspiração japonesa.

Termino com um desafio: (re)visitar a obra para a infância e a juventude de Luísa Ducla Soares, que está a ser editada e reeditada, a velocidade estonteante, pela Porto Editora (e ainda bem). Eu não perco nem os seus poemas, nem os seus contos, nem as suas narrativas juvenis, nem as suas adaptações de clássicos.

Graça e humor, «nonsense» ou então a mais perfeita das lógicas (mesmo quando se faz uso da hipérbole), crítica social (consumismo, desrespeito pela natureza, materialismo exacerbado, belicismo…) são algumas das características mais marcantes desta obra inventiva, singular, que faz há várias décadas as nossas crianças pensar a sociedade e divertirem-se. Alguns (apenas alguns) dos últimos títulos vindos a lume: Um Gato Tem 7 Vidas, A Fada dos Dentes, A Cidade dos Cães e Outras Histórias, O Coelhinho Afonso e Outras Histórias, Se os Bichos se Vestissem como Gente, A Princesa da Chuva, Contos para Rir, O Capuchinho Vermelho no Século XXI. Não hesite: (re)leia Luísa Ducla Soares.

E não se esqueça: pronunciar (mas bem) certas palavras, para amanhã saber pronunciar muitas outras.

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