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|Revolução

Em louvor da guerra

Hoje já não há cravo capaz de disfarçar as multidões de «filhos da mãe» que para aí andam, farsantes que dissolvem o 25 de Abril no 25 de Novembro; para eles bastava que o salazarismo/marcelismo imitasse a sábia transição conseguida pelo franquismo aqui mesmo ao lado.

Créditos / Museu Nacional Resistência e Liberdade

Ao olhar desapaixonadamente para a relação entre a Revolução de 25 de Abril de 1974 e o cenário político, social, económico e militar hoje existente em Portugal não será abusivo concluir que o maior engano dos militares revolucionários, ou talvez o seu mais desmedido atrevimento, foi o de terem marcado tão fortemente o movimento transformador com a intenção de instaurar políticas de paz e de independência nacional.

Por alguma razão, a nova classe política emergente a partir de Novembro de 1975 os quis mandar rapidamente para os quartéis. Paz e soberania nacional não estavam, como hoje se percebe, nos programas dos políticos com ambições de poder que então já se perfilavam para tomar conta do 25 de Abril e torneá-lo à sua maneira, de acordo com as instruções dos patrocinadores externos. Não contavam, é certo, com o fulgor e a rapidez com que o povo se uniu ao MFA, fazendo seu o programa dos corajosos militares e defendendo-o nas ruas, nos locais de trabalho e nas organizações populares nascentes, começando assim a modelar verdadeiramente um novo país.

Os ambiciosos políticos que pouco ou nada fizeram para abalar os alicerces do fascismo, e que ainda hoje têm pudor em qualificar assim o regime beato-salazarista, foram inegavelmente apanhados de surpresa pela súbita dinâmica militar e popular. O carácter verdadeiramente revolucionário e de ruptura que começou a ser afirmado no próprio dia 25 de Abril trocou as voltas aos que ainda em pleno período da «primavera marcelista», nas margens do regime ou em exílios bastante cómodos e tranquilos, tomaram posições para tirar proveito de uma desejada «evolução na continuidade».

«Não contavam, é certo, com o fulgor e a rapidez com que o povo se uniu ao MFA, fazendo seu o programa dos corajosos militares e defendendo-o nas ruas, nos locais de trabalho e nas organizações populares nascentes, começando assim a modelar verdadeiramente um novo país.»

Contavam que o poder lhes chegasse às mãos durante essa fase, logo que fosse possível isolar os «ultras» e «duros» da ortodoxia salazarista, no quadro de uma democracia parcialmente pluripartidária e parlamentar abençoada pelos Estados Unidos e a NATO, na qual os «donos disto tudo» não sofressem quaisquer danos e incómodos graças a uma transição suave e cordata feita sem acordar o povo. Nessa restaurada democracia de uma «nova república» não deveriam caber o Partido Comunista Português e outras correntes antifascistas que pudessem representar uma oposição real susceptível de inquietar o atlantismo e, sobretudo, perturbassem os interesse do império e a «civilização ocidental». 

As normas oficiais e, sobretudo, clandestinas da Aliança Atlântica nessa matéria eram (e são) taxativas e custaram até a vida ao primeiro-ministro italiano Aldo Moro, apesar de ser democrata-cristão: na Europa Ocidental nenhum partido comunista poderia aproximar-se da órbita de qualquer governo; se os comunistas continuassem ilegais, melhor seria. A perseguição permanente e incansável da classe política em funções e do respectivo aparelho de propaganda contra o PCP durante as últimas cinco décadas, recorrendo a métodos sujos e inegavelmente inspirados no «antigo regime» para o fazer desaparecer do Parlamento, é a variante dessa estratégia seguida desde que o partido foi legalizado.

Do romantismo ao golpe

A História ensina-nos que os movimentos efectivamente revolucionários e transformadores estão muitas vezes à mercê da ingenuidade, do idealismo e  de algum romantismo dos seus principais actores, confiantes na justiça e na razão das suas causas perante as correntes contra-revolucionárias; estas, passada a fase inicial de choque, não tardam em reorganizar-se na base da experiência, do golpismo, do medo, boato, intimidação, violência, mentira e da ausência total de princípios. Sem esquecer a sua capacidade de se mimetizar para se inserir nos círculos revolucionários com o objectivo de os dividir e minar.

Tudo isso aconteceu em Portugal, ao longo de quase 600 dias. A aliança entre os militares de Abril e o povo que espontaneamente aderiu ao seu movimento não soube defender-se para avançar na construção de uma democracia em que o poder participativo dos cidadãos não se dissolvesse nas manobras políticas dos que, sequestrando os verdadeiros ideais de Abril, conseguiram simultaneamente dividir os militares, difamar, intimidar, manipular e neutralizar a dinâmica popular. As circunstâncias que diferenciaram a verdadeira revolução de uma palaciana transição de regime foram-se diluindo, com grande envolvimento, ingerência e conspiração dos «nossos amigos e aliados» – conseguindo até arrastar grandes massas para o campo da contra-revolução.

Eis que chegou então o comício de Julho de 1975, antecâmara do golpe de Novembro desse ano, iniciativa montada pelo embaixador norte-americano Frank Carlucci juntamente com Mário Soares e na preparação da qual participaram activamente a entranhada rede de manipulação da Igreja Católica e os partidos de direita, arrebanhando militantes e caceteiros para a Alameda Afonso Henriques, em Lisboa.

O comício foi oficialmente «do PS», organizado no terreno pelo actual secretário-geral da ONU, António Guterres (boas acções merecem melhores recompensas). Mário Soares, com a verve mais agressiva que nunca, e também a mais fiel à sua essência política e pessoal, chamou «paranóicos» ao primeiro-ministro Vasco Gonçalves e ao secretário-geral do PCP, Álvaro Cunhal, recorrendo ele próprio à paranóia mais corrente em Portugal fazendo crer que o país estava sob «a ameaça de uma ditadura comunista». Tese com caboucos de farsa cujo êxito dos efeitos tóxicos gerados terá sido decisivo na promoção de Carlucci a director da CIA e que, ao ser inventada como pretexto para o golpe de 25 de Novembro de 1975, falsificou definitivamente a História «oficial» de Portugal. A receita mistificadora está a ser intensamente reavivada em Portugal, prometendo fazer dos 50 anos do 25 de Novembro uma contundente ofensiva sem limites contra o essencial da Revolução de Abril e as forças consequentemente antifascistas, sobretudo o Partido Comunista Português.

Na Alameda gritou-se orquestradamente «se este não é o povo, onde é que está o povo?», substituindo o povo de Abril pelo povo de Novembro – que a partir daí desapareceu completamente do cenário de intervenção política e deixou de ter qualquer papel nas decisões com real influência na vida dos cidadãos. Ou seja, o tal povo de Novembro, concebido em formato de figuração de uma super-produção hollywoodesca, serviu de instrumento para nos amarrar a uma classe política estrangeirada e apátrida que, na verdade, odeia os militares de Abril e serve de tapete às ditaduras da NATO e da União Europeia. 

«Ou seja, o tal povo de Novembro, concebido em formato de figuração de uma super-produção hollywoodesca, serviu de instrumento para nos amarrar a uma classe política estrangeirada e apátrida que, na verdade, odeia os militares de Abril e serve de tapete às ditaduras da NATO e da União Europeia.»

O tempo e essa classe política que a partir de 25 de Novembro de 1975 tomou conta dos destinos da nação – anulando-a – têm contribuído, cada um à sua maneira, para corrigir e apagar os supostos anacronismos e os alegados «desatinos» do movimento revolucionário, esmagando a ilusão da «populaça» quando esta, senhora das ruas e verdadeiramente representada nos órgãos de poder, chegou a pensar que podia e devia ter voz activa nas decisões políticas, sociais e económicas do país.

Os contornos dessa classe política com identidade e vida próprias apareceram publicamente pela primeira vez no comício da Alameda, ainda assim demasiado tarde para alguns que tentaram entronizá-la logo em Setembro de 1974 e em Março de 1975; essa elite que, sem qualquer verdadeiro controlo democrático, assumiu a «vocação para governar», teve até agora cinco décadas para formatar o país segundo as normas inquestionáveis da democracia liberal e ocidental ditadas pelos interesses imperiais e coloniais.

Começa a «correcção»

As privatizações, que não tardaram a iniciar-se depois de instaurada a «normalidade democrática» novembrista, permitiram que os donos da economia e das finanças recebessem de volta, a preços praticados em qualquer feira da ladra, os bens que as nacionalizações lhes levaram em tempos de «insanidade» popular: enquanto os latifundiários, os respectivos herdeiros e outras castas que não resistiram aos apelos do ruralismo, do turismo e da ecologia fashion tomaram conta dos montes e das planícies  do Ribatejo e do Ribatejo, desintoxicando-as de quaisquer vestígios nocivos da Reforma Agrária. Até que agora ali chegou o Chega para assegurar que esta mudança ciclópica – para citar Marcello, padrinho de Marcelo xenófobo – se processe como deve ser, à moda do antigamente, realidade de que os alentejanos e ribatejanos de todas as gerações não tardarão a aperceber-se.

«As privatizações, que não tardaram a iniciar-se depois de instaurada a "normalidade democrática" novembrista, permitiram que os donos da economia e das finanças recebessem de volta, a preços praticados em qualquer feira da ladra, os bens que as nacionalizações lhes levaram em tempos de "insanidade" popular (...).»

O desenvolvimento destes caminhos para a plena entrada em vigor da democracia liberal, movimento que alguns mal intencionados qualificam como «contra-revolução», teve não só o apoio mas também a ajuda e quantas vezes o protagonismo das instâncias internacionais «nossas amigas e aliadas», solidariedade que, naturalmente, se aplica apenas à classe política porque esta conhece, define e fomenta com rigor absoluto o que o povo deseja, o que merece, quais as suas necessidades e como deve comportar-se. Por isso ouvimos tantas vezes os governantes, políticos, banqueiros, grandes patrões, analistas, jornalistas de referência sentenciar que «os portugueses sabem», os «portugueses querem», «os portugueses nunca permitiriam» e outras certezas e representatividade só ao alcance das elites, genericamente conhecidas como «o arco da governação». Estatuto que, a bem dizer, dispensaria as eleições porque, mais coisa menos coisa, sabemos os resultados que irão dar, com maior ou menor «estabilidade política», problemazinho que, caso surja, se resolve ao sabor de manigâncias para as quais a classe política já nasceu ensinada.

Cravo vermelho ao peito…

As instâncias internacionais foram generosas para com este recanto lusitano desde os primeiros minutos revolucionários. A sua presença, física ou apenas como espectro, fez-se sentir em cada momento das transformações, com especial esmero por parte da NATO e da Embaixada dos Estados Unidos da América, a funcionar como centro operacional de conspirações e acções em relação às quais a História real – não a oficial – já tem hoje poucas dúvidas, incluindo quanto aos protagonistas nacionais e internacionais, encabeçados pelo diligente embaixador Carlucci; o qual celebrou nos seus aposentos com o seu mais chegado colaborador, Mário Soares, os passos bem sucedidos da contrarrevolução.

Só o espírito benfazejo do atlantismo e de Carlucci & CIA permitiram travar os «desmandos» do 25 de Abril, obra de um povo indomável que acreditava nas possibilidades de construir um futuro melhor depois dos anos de chumbo salazaristas.

As invocações do 25 de Abril que hoje se observam em salamaleques políticos, comentários afascistados, narrativas e relatos alarves de ignorância, quando não insidiosos de veneno, dispendiosas campanhas de cartazes outdoors e outras tropelias afins parecem verdadeiros milagres, mas não passam de lamentáveis exercícios de hipocrisia, de pretextos para atacar, com espírito novembrista, as forças e personalidades mais consequentes da Revolução. Celebra-se a Revolução e, ao mesmo tempo, defende-se o fascismo económico neoliberal; saúda-se o programa do MFA e festeja-se o desaparecimento de Portugal na voragem federalista europeia; lembram-nos o fim da guerra colonial, mas não escondem o contentamento pelas oferendas de milhões de milhões de dólares e euros ao nazismo ucraniano, que patrocinam e armam, e pelo envio de tropas portuguesas para outras novas guerras coloniais.

Alguns figurantes e membros da classe política, hipocritamente tomados pelo espírito destes tempos, chegam a elogiar o facto de os militares de Abril terem defendido o empenhamento de Portugal no combate ao colonialismo e ao imperialismo; e são exactamente os mesmos que silenciam o genocídio colonial sionista na Palestina, concordam com o roubo das riquezas do Sahara Ocidental pelos países da União Europeia, com responsabilidade igualmente portuguesa. Os admiradores do fascismo económico de Pinochet, de Thatcher, Reagan e outros comparsas não hesitam até em identificar-se com os ideais do 25 de Abril.

Muitos dos que, quando chega esta altura do ano, não deixam de erguer os cravos vermelhos, evocam um 25 de Abril que nunca conheceram nem querem conhecer, e até emitem uma ou outra tirada antifascista, são os mesmos que não estão preocupados com o facto de Portugal ter o maior fosso de desigualdades na União Europeia, estar desaparecido como país, transformado num protectorado da eurocracia, da NATO, de troikas, do FMI e do Banco Central Europeu, asfixiado por uma moeda alheia, condenado a não passar de uma reserva turística; além de se ter transformado numa entidade orgulhosamente belicista. A «democracia participativa», um objectivo central dos militares de Abril que os deputados constituintes ainda inscreveram na Constituição, só não é um nado-morto porque nunca chegou a nascer. O 25 de Novembro agiu prontamente e, em vez de a conceber, preferiu dar à luz o monstro da classe política. Nada com que devamos surpreender-nos nestes tempos em que a propaganda, a mistificação e a mentira são, afinal, quem mais ordena.

«Muitos dos que, quando chega esta altura do ano, não deixam de erguer os cravos vermelhos, evocam um 25 de Abril que nunca conheceram nem querem conhecer (...)»

Há coisas que nunca mudam enquanto tudo parece mudar. Hoje, como há 50 anos, continua de uma actualidade gritante aquela oportuníssima canção em que José Barata Moura nos diz que «Cravo vermelho ao peito/A todos fica bem/Sobretudo dá jeito/A certos filhos da mãe». Em 1974, os «filhos da mãe» eram os salazaristas órfãos do velho regime, que se escondiam atrás do cravo enquanto mergulhavam de cabeça no PPD e no CDS, onde alguns ainda estão, outros deixaram semente e ainda outros assumiram mesmo a identidade salazarista fundando a Iniciativa Liberal, o Chega e mais algumas coisas do género.

Hoje já não há cravo capaz de disfarçar as multidões de «filhos da mãe» que para aí andam, farsantes que dissolvem o 25 de Abril no 25 de Novembro; para eles nem teria sido necessária uma revolução para derrubar o fascismo, bastava que o salazarismo/marcelismo imitasse a sábia transição conseguida pelo franquismo aqui mesmo ao lado.

A paz, esse anacronismo

Paz e independência nacional: dois dos princípios fundadores e identificadores da Revolução de 25 de Abril de que povo se apropriou rapidamente e com todas as suas forças. A paz matou a guerra colonial, devolveu os militares ao país acabando com a chacina a que o povo português e os povos das então colónias estavam submetidos pelo fascismo.

Sem a Revolução, e com a tal transição «ordeira», que ainda assomou através da Junta de Salvação Nacional mas que o povo logo marginalizou e rejeitou, a «solução» colonial teria sido bem diferente, tendo em conta as estratégias de António de Spínola que estavam a fazer o seu caminho. Estas ideias não passavam de um colonialismo com outra designação, mais gravoso até do que as modalidades neocoloniais postas em prática na sequência da independência de numerosos países africanos; o que certamente implicaria a continuação da guerra. A paz foi uma conquista inesquecível de Abril, mas afinal perecível nas mãos da classe política. 

A promessa de independência nacional foi outro enorme motivo de esperança trazido pela sua Revolução. Os conceitos de paz e de independência nacional sobreviveram ao 25 de Novembro ainda a tempo de serem inscritos na Constituição da República, que entrou em vigor em 2 de Abril de 1976. Tal como o conceito de democracia representativa.

A Constituição, porém, foi transformada num instrumento volátil, um obstáculo para espezinhar sempre que convenha à classe política, sobretudo em matérias como a submissão aos interesses e ordens das oligarquias económicas e financeiras, à ditadura do mercado e perante as exigências ditatoriais da NATO e da União Europeia.

A Lei Fundamental determina o empenhamento de Portugal no combate pela abolição do colonialismo, do imperialismo «e de quaisquer outras formas de agressão, domínio e exploração»; na dissolução dos blocos militares; na criação de uma «ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça entre os povos».

Comparemos agora a Constituição com o comportamento da classe política e dos órgãos de poder. Verificamos que foram devidamente corrigidos e «reformulados» pela prática política os objectivos, os anseios que possam ter sido considerados como frutos de enganos, exageros, romantismo e irrealismo dos capitães de Abril e dos próprios deputados constituintes. O país entrou «na ordem» como se não tivesse havido Revolução, como se não existisse Constituição da República.

País? Qual país? Em vez da independência nacional, certamente um conceito anacrónico, Portugal dissolveu-se na União Europeia, não tem moeda, não está autorizado a elaborar livremente o Orçamento de Estado e a gerir a dívida soberana; é uma base, uma caserna e um destacamento da NATO; destruiu o aparelho produtivo; vendeu ao desbarato os mais poderosos instrumentos da sua economia e das suas finanças; entregou a exploração dos bens e infra-estruturas a gigantescas oligarquias transnacionais; a sobrevivência dos meros resquícios de nação depende do seu funcionamento como reserva turística; um país com quase 900 anos de história não passa de uma peça do colonialismo e do imperialismo globalistas. 

«País? Qual país? Em vez da independência nacional, certamente um conceito anacrónico, Portugal dissolveu-se na União Europeia, não tem moeda, não está autorizado a elaborar livremente o Orçamento de Estado e a gerir a dívida soberana (...).»

A defesa de uma política de paz foi, afinal, um engano dos militares de Abril, o erro mais grave em termos de perspectiva histórica num país fundador da NATO, uma opção ditada apenas pelo imediatismo de acabar com uma guerra invencível. A classe política quer fazer-nos acreditar nisso em cada dia da sua actividade.

O que essa casta nos assegura, em suma, é que nenhum país pode prescindir da guerra. A guerra é fundamental para alimentar o patriotismo mesmo que já não exista pátria. A guerra é uma fábrica de heróis, de feitos históricos, é o principal alimento da história de uma nação que se leve a sério (ainda que não passe de um holograma). O culto da guerra prestigia-nos entre os «nossos aliados», torna-nos presunçosamente grandes em influência mesmo que pequenos em área, moderniza-nos o equipamento militar, permite-nos ser generosos em dinheiro e armas para com «amigos» em dificuldades, mesmo que sejam nazifascistas, como a Ucrânia e Israel. Em boa verdade, até os administradores dos grandes fabricantes de armamentos têm de pagar as contas quando chega o fim do mês.

Não há forma de atingir a paz sem fazer a guerra, diz-nos qualquer ministro de Lisboa a Kiev, de Camberra a Washington, de Seul a Tóquio. A guerra permite-nos defender interesses económicos, mesmo que não sejam os nossos, em qualquer parte do mundo: novamente em África – um regresso bastante simbólico – no Afeganistão, na Bósnia-Herzegovina, no Kosovo, no Iraque, ou mesmo enviando barcos da Polícia Marítima caçar, internar em campos de concentração ou mesmo devolver à procedência e à morte refugiados de guerras em que estamos meritória e orgulhosamente presentes. Sem guerra não poderíamos cultivar o «nosso jardim» e protegê-lo da selva que o cerca e ameaça; não podíamos salvaguardar e expandir a nossa «civilização ocidental», a única que pode e deve existir para assim afirmarmos os «nossos valores», a «nossa superioridade moral», a nossa «cultura humanista», que tem sido um exemplo para o mundo nos últimos cinco séculos. 

«A guerra permite-nos defender interesses económicos, mesmo que não sejam os nossos, em qualquer parte do mundo (...).»

Benjamin Netanyahu, que todos consideramos um grande humanista e um ainda maior democrata, explicou-nos há dias que as suas práticas genocidas e de limpeza étnica têm como preocupação fundamental a de «defender a civilização ocidental». É difícil encontrar uma circunstância mais relevante para exemplificar «a nossa superioridade moral», as «virtudes humanas» que florescem no nosso «jardim».

A guerra é igualmente fundamental para expandir a única democracia permitida, a nossa, através das regiões submetidas a ditaduras, quantas vezes encobertas por regimes mistificadores facilmente identificáveis porque ali os resultados nas urnas nunca são aqueles que desejamos, os únicos aceitáveis para que os interesses dos «nossos amigos e aliados» sejam respeitados. Há quem chame colonialismo e imperialismo a estes procedimentos, acusação que corresponde a conceitos velhos e anacrónicos através dos quais se pretende denegrir a expansão da «nossa superioridade moral» e que, infelizmente, contaminaram o pensamento dos capitães de Abril e a própria Constituição.

Colocar a paz à frente da guerra é uma atitude subversiva, uma ideia de lunáticos que devem considerar-se perigosos para o sistema. Portugal está em guerra, cercado – os inimigos ameaçam de todos os lados. Felizmente temos a União Europeia e a NATO para nos valerem: se tão desinteressadas instituições não nos tivessem acudido para emendar e apagar os efeitos dos dislates pacifistas e progressistas de Abril, onde é que nós já estaríamos?!...

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