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Velhos nos jardins

Na espuma dos dias, todos ignoram que um dia serão velhos, à espera que alguém não os deixe morrer sozinhos.

Uma tarde desta semana dispus-me a visitar alguns jardins de Lisboa. Porquê? Perguntam os leitores. Precisamente devido a uma questão que me foi suscitada, no decorrer da conversa que tive com um amigo: «Tu já viste a quantidade de velhos que estão sentados nos jardins de Lisboa, como quem espera, serenamente, pela morte?»

Pus os pés ao caminho, usando o privilégio de hoje ser dono do meu tempo e de praticar o método da observação da realidade social que me rodeia.

Príncipe Real, Estrela e Campo de Santana foram os alvos da minha observação. Nestes jardins de Lisboa podemos ver dois tipos de velhos: os que se sentam isolados nos bancos e os que se agrupam, à volta das mesas de pedra ou madeira, para jogarem às cartas.

Os primeiros são mais velhos do que os segundos. Olham para toda a gente que passa, como que dizendo «estou aqui». Os segundos constituem uma espécie de tertúlia, tendo o jogo como motivo para ali ficarem horas a fio, mas também para comentarem de tudo um pouco: política, futebol e problemas de família.

«Prepara-te que vais perder outra vez. Cá a gente joga muito. Vocês ouviram ontem aquela calhandrice de mais um Banco?». Assim se expressa Raimundo, enquanto com as cartas na mão mede o olhar dos seus adversários, procurando ler-lhes o jogo. Tem 73 anos. Recebe uma reforma «miserável», como classifica. Aquela mesa, os amigos e o jardim são a motivação que tem para se levantar cedo e, assim, atravessar cada dia. Como ele, muitos mais.

Faustino e Amélia são um casal, ele com 72 anos e ela com 70. Quando não chove vão para ali sentar-se, «nem sempre no mesmo banco», dizem-me. «Vemos passar os autocarros, as crianças e as pessoas a correr para o trabalho. Vemos os pombos e a mulher que vem varrer as folhas do chão. Depois damos uma volta ao jardim e vamos para casa, comer a bucha», descreve Faustino, com um sorriso resignado. Os filhos emigraram e levaram os netos. O que resta da família está lá para as terras de Lafões. São tão velhos como eles.

Mais adiante um velho está sentado noutro banco e fala sozinho. Aproximo-me. Chama-se Joaquim, tem 78 anos e diz estar a falar com os seus botões, pois é o que lhe resta. Vive só. A mulher com quem casou há mais de 50 anos morreu há um ano. Não tiveram filhos. Todos os dias senta-se ali, no banco do jardim a ouvir-se, pois diz não ter ninguém que o ouça.

Terminado este périplo, concluo que o meu amigo tinha razão. Os jardins de Lisboa estão cheios de velhos sozinhos, uns resignados e outros inconformados, razão porque se juntam, numa espécie de gueto.

Entretanto, em redor, a cidade movimenta-se sem neles reparar. Na espuma dos dias, todos ignoram que um dia serão velhos, à espera que alguém não os deixe morrer sozinhos.

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