As declarações e propostas recentes da líder do CDS/PP no sentido de uma revisão da Constituição (que de resto não concretiza) na área da justiça devem ser tomadas pela real gravidade que têm e não se darem por arrumadas em razão da sua evidente inexequibilidade próxima. Por razões políticas, e até de calendário, não está no horizonte qualquer processo de revisão constitucional, todos o sabem.
Mas, as propostas de reformas da justiça merecem uma leitura mais funda. Elas não podem ser desligadas das críticas sistemáticas da direita, que não são de agora, ao sistema judicial e às suas disfunções e atrasos.
E que não visam, ninguém se iluda, melhorar a justiça mas meter na ordem os seus protagonistas e acabar com os seus «desmandos».
Não por acaso, como se tem visto, tais propósitos não vêm apenas do CDS. Surgem igualmente da parte do PSD e do seu presidente, que de há muito vem clamando por uma «reforma grande e profunda» na justiça e em que inevitavelmente se terá que «mexer na Constituição».
Tais críticas e tais propostas surgem sempre acompanhadas de recorrentes declarações contra a corrupção, que procuram hipocritamente esconder um indisfarçável mal estar, numa altura em que se tornam cada vez mais claros, aos olhos de todos, os perniciosos efeitos para a economia e o país da promiscuidade entre o poder político e os grandes negócios e, também, num quadro em que um número crescente número de investigações judiciais batem à porta de muitos dos protagonistas de uma vasta rede de interesses com ligação aos partidos – PS, PSD e CDS – que há mais de quarenta anos se têm sucedido no poder.
Este quadro, atrás descrito, configura não apenas um novo patamar de interferências e pressões partidárias (mas também a outro nível, institucional) sobre o poder judicial e os seus órgãos próprios, em desrespeito pelo princípio constitucional da separação de poderes. Ele significa igualmente, sem dúvida, mais um passo em frente na ofensiva geral contra o regime democrático.
Isto dito, significa que tudo vai bem na justiça criminal? De modo nenhum. Na área da grande criminalidade económica e financeira, para ficarmos só na área que serve de mote ao mar de críticas da direita, amplificadas pelos porta-vozes dos interesses que a servem, de há muito se vem insistindo e propondo medidas com vista a melhorar a eficácia no combate à corrupção.
Não podemos deixar de insistir no «discurso dos meios». Com efeito, é público e notório que no Departamento Central de Investigação e Acção Penal, só para referir o departamento donde partem e onde decorrem as investigações do grande crime económico, não existem as condições mínimas para para uma resposta mais pronta e eficaz na luta anti-corrupção. A exigência, justa, de maior celeridade das investigações criminais, mesmo quando depende apenas das diligências feitas no nosso país, tem de ser acompanhada da emergência do reforço do quadro de procuradores, da disponibilidade permanente de peritos e de apoio técnico especializado e outro. Sem esquecer a Polícia Judiciária, os homens e mulheres que nela trabalham, cuja importante contribuição e papel de polícia da justiça tem vindo a ser continuadamente desvalorizado (com que objectivo?), a ver pela gritante exiguidade do seu quadro de inspectores.
Interessa dizer, por último, que não é um bom sinal o silêncio do PS, designadamente da ministra da Justiça e do primeiro-ministro, sobre tais anúncios e projectos. Não basta afirmar que não há revisão constitucional à vista. Com os desafios explícitos de Cristas e de Rio ao PS e com a aproximação do Governo do Partido Socialista ao PSD, traduzida em acordos, formais ou informais, em áreas-chave como a «descentralização», os fundos comunitários ou o trabalho, é de temer que, de caminho e nos gabinetes, possa estar a ser congeminado um novo Pacto da Justiça, à semelhança do anterior Pacto de 2006, entre PS e PSD, que nenhum beneficio trouxe, pelo contrário, para a política de justiça.
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