Portugal é um dos seis países escolhidos pela FIFA para receber jogos do Mundial 2030, mas os festejos alastraram para lá dos territórios designados. Os impactos desta decisão continuarão a ser medidos enquanto pudermos falar desta competição. Um luxo que nem todos os habitantes dos países organizadores têm ao seu alcance.
A FIFA anunciou os seus planos para os próximos Mundiais. Foi um anúncio em episódios. Em primeiro lugar, a candidatura conjunta de Espanha, Marrocos e Portugal garantiu a organização em 2030. Em segundo lugar, Argentina, Paraguai e Uruguai terão direito a jogos inaugurais nos seus países nessa mesma prova. E, em terceiro lugar, com esta divisão por Europa, África e América do Sul, caberá a um país da Ásia ou da Oceania a organização da prova em 2034. O feito provocou uma onda de festejos por vários cantos do Mundo. Para as federações portuguesa e espanhola foi o culminar em vitória de um longo processo de candidatura. Para o Reino de Marrocos, a confirmação do sentido de oportunidade de, depois de terem perdido no passado, finalmente ter o Mundial no seu país. Para os três países da América do Sul que terão direito a jogos uma forma de ter esta grande prova sem arcar com os custos que este habitualmente traz. Para a Arábia Saudita, a confirmação de que terá via aberta para fazer o seu Mundial dentro de onze anos.
A vitória da Federação Portuguesa de Futebol é incontestável. O ambiente não seria nunca favorável à consumação de uma candidatura que voltasse a colocar o país perante os custos do Europeu de 2004. Segundo Celso Filipe, nas páginas do jornal Record de 5 de outubro, de um investimento de 964,4 milhões de euros, «financiado em 29% por capitais próprios, 52% por empréstimo bancário e o remanescente através da Administração Central», resultou um impacto económico direto de 300 milhões de euros, mais 140 milhões associados ao turismo. Conseguir voltar a organizar uma grande prova, perante uma realidade de crise social e de recuo na capacidade de compra dos portugueses, só poderia acontecer num quadro projetado de partilha de custos e de desagravação dos mesmos. Portugal centrará os seus jogos em Lisboa (Luz e Alvalade) e Porto (Dragão), aproveitando a necessária renovação de estádios que têm agora 20 anos para os preparar com vista ao Mundial de 2030.
«Conseguir voltar a organizar uma grande prova, perante uma realidade de crise social e de recuo na capacidade de compra dos portugueses, só poderia acontecer num quadro projetado de partilha de custos e de desagravação dos mesmos.»
O que a FIFA não esclareceu, mas nestes dias já nos foi permitido perceber, é que ninguém tinha ainda pensado que seis países poderiam conjugar-se para organizar um Mundial. No fundo, o que foi decidido pela instituição-maior do futebol mundial não foi a entrega de uma organização, mas a delimitação de um conjunto de países que terão agora que se entender para organizar a prova. Nesse sentido, é de sublinhar o silêncio de Portugal e Espanha, que se prolonga dos apelos aos festejos ao reconhecimento do Secretário de Estado da Educação e do Desporto, João Paulo Correia, na Rádio Observador, de que só agora se iria trabalhar para perceber como se iria operacionalizar o Mundial, bem como prever os custos associados ao mesmo. Quem não perdeu tempo para marcar posição foi o presidente da federação marroquina, reivindicando o desejo de organizar a final do Mundial e de ir para lá dos seis estádios que havia projetado. O mesmo se aplica à Argentina, que disse ir lutar para ter mais jogos, não restando nenhuma palavra para o facto de o Chile, que também estava na protocandidatura sul-americana, ter sido excluído pela FIFA.
Percebe-se perfeitamente que, como tem sido costume, será o dinheiro a delinear o Mundial que teremos em 2030. Essa será a luta que os seis países designados terão pela frente nos escritórios onde formalizarão a proposta a apresentar à FIFA. Nesse sentido, é bom recordar que o benefício da Arábia Saudita é um dos pontos mais fortes deste anúncio. Não será de espantar, por isso, que conforme vem acontecendo nos últimos anos venha de lá um forte investimento para apoiar o Mundial 2030 e o papel de Marrocos no mesmo. Sendo certo que o Reino de Marrocos, nos relatórios da Amnistia Internacional e da Human Rights Watch, se vem demonstrando incapaz de resolver os problemas de direitos humanos no país, com a ocupação do território do Saara Ocidental (apoiada diplomaticamente pelos sauditas) ou com a perseguição a jornalistas, académicos e opositores, entre outros.
«Percebe-se perfeitamente que, como tem sido costume, será o dinheiro a delinear o Mundial que teremos em 2030.»
A questão ambiental também entra na liça, com o jogo inaugural e a final a poderem distar cerca de 10 000 quilómetros entre si. Essa é uma realidade que tem sido constantemente ignorada pela FIFA, quer na escolha dos territórios para organizar a prova, quer na forma como permitiu a utilização abusiva da etiqueta ambiental no Mundial do Catar. O facto é que, com custos galopantes de organização, e conforme apontou Miguel Poiares Maduro na edição do Expresso desta semana, nenhum estudo confirma os benefícios económicos de organizar um destes eventos – aos quais costuma vir acrescentado um enorme perdão fiscal concedido à FIFA.
Uma prova que todos queremos ver, mas que nenhum de nós sente estar em condições de sustentar, com 48 países e 104 encontros espalhados pelo mundo e companhias que dificilmente permitem a visão do desporto como uma prática libertadora e emancipadora das populações. Façamos a festa, sim, pela singularidade de conseguir ter um Mundial à porta de casa, para aqueles que vivem em Lisboa ou no Porto. Os preços dos bilhetes logo nos dirão quem terá direito a entrar nos estádios. Se o futebol não tem que resolver os problemas da sociedade, como muitos repetem, também é verdade que o preço final a pagar por esta organização futebolística é uma conversa que teremos que continuar a ter durante os próximos sete anos.
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