Os problemas estavam lá e os estudantes sempre se organizaram para os denunciar. Mas com as medidas de combate ao surto epidémico de Covid-19, todas as desigualdades ficaram expostas de uma forma gritante.
Já antes do surto os estudantes precisavam de aceder à internet e ter um computador para trabalhar, mas quando este é partilhado com os irmãos, e os pais estão em teletrabalho durante o confinamento, as aulas à distância são postas em causa e a aprendizagem transforma-se num processo solitário.
«Quem tem falta de meios fica com um ensino sem acompanhamento», disse ao AbrilAbril Tomás Urbano, dirigente da Associação de Estudantes da Escola Secundária Fernão Mendes Pinto, em Almada.
Madalena Castro, estudante e activista do movimento «Exames não», está de acordo e acrescenta que todos têm «dificuldades e necessidades diferentes no que toca ao estudo» pelo que o acompanhamento é essencial, mesmo na escola.
«As famílias estão a passar um período muito complicado por causa do teletrabalho ou da perda de rendimentos», afirma a estudante, que conta o seu caso pessoal em que é obrigada a partilhar o computador com a mãe e a irmã. «Chegou uma altura em que os professores perceberam que era muito difícil estarmos todos síncronos a acompanhar as aulas e passaram a enviar-nos mais fichas de trabalho que depois corrigiam», referiu.
Também estudante no Porto, na Escola Secundária Filipa de Vilhena, Francisca Sousa lembra que este regime online «não é justo» porque, numa casa com falta de meios informáticos, há sempre alguém a sacrificar-se.
A concentração também é mais difícil para uma carga horária reduzida relativamente aos tempos lectivos normais, pelo que a matéria não é tão aprofundada, explicou a estudante. «Temos que aprender muito mais sozinhos. Os alunos que já antes tinham dificuldades ficam prejudicados, isso agora torna-se muito mais evidente», disse.
De volta ao presencial, no caso das disciplinas para as quais têm Exames Nacionais, acabou em muitos casos o ensino à distância, mas no lugar de quatro horas online passaram a uma hora por semana na escola.
«Voltarmos às aulas presenciais só para fazer exames é muito negativo», defendeu Tomás Urbano, que lembra que as condições desiguais sempre foram uma realidade, mas agora com o encerramento das escolas e a adopção de modelos distintos, os estudantes vão a exame com preparações completamente diferentes.
Francisca Sousa sublinha que se houve uma tentativa de adaptação do País às exigências criadas pelo surto epidémico, a verdade é que «não se adaptou tudo». «Se fosse para se adaptar tudo não havia exames», afirma, acrescentando que de um dia para o outro todos os factores mudaram mas esta «barreira» manteve-se.
O movimento «Exames não», que já dinamizou acções em várias cidades, parte da necessidade de denunciar e organizar os estudantes contra esta «injustiça». Madalena Castro refere que estas provas mostram que «não há preocupação com a formação pessoal e espírito crítico». «O foco é todo para a parte da matéria que vai sair em exame. Na disciplina de História, por exemplo, há épocas de que não falamos simplesmente, porque não vai sair», explica.
O contacto entre estudantes é feito para tentar «consciencializar» para as desigualdades que ficaram bem ilustradas pelos meses de confinamento, seja através de distribuições de panfletos nas escolas, seja através das redes sociais.
Mas as reivindicações destes estudantes não se esgotam na rejeição dos exames. No próximo ano lectivo, defendem que deve voltar-se ao presencial, mas garantindo menos alunos por turma e a necessária contratação de professores e funcionários.
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