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Os serviços públicos defendidos pelos utentes

Está a decorrer este sábado o 13.º Encontro Nacional de Comissões e Associações de Utentes dos Serviços Públicos, organizado pelo MUSP, onde está em discussão o estado dos serviços e a intervenção e acção dos utentes na sua defesa.

Foto de Arquivo: Marcha de protesto junto ao Hospital de Portimão, realizada a 7 de Fevereiro de 2015, com o objectivo de exigir a reposição de todos os serviços que foram encerrados, nomeadamente a manutenção da maternidade, bem como chamar a atenção para a falta de medicamentos.
CréditosFilipe Farinha / Agência Lusa

O coordenador do Movimento de Utentes dos Serviços Públicos (MUSP), Rui Monteiro, falou ao AbrilAbril antes do encontro, afirmando a expectativa da presença de cerca de 30 comissões de utentes e uma centena de participantes, oriundos de Norte a Sul do País.

Neste Encontro discute-se o estado dos serviços públicos e a perpectiva dos utentes, com base num documento que será votado, e será eleita uma nova direcção, «composta por cerca de 30 membros de comissões de utentes de todo o País com o objectivo declarado de reforçar o trabalho das comissões de utentes», refere o coordenador do MUSP.

A proposta de documento, à qual o AbrilAbril teve acesso, com o título «Pela defesa e melhoria dos serviços públicos», afirma que «depois de anos de ataques fortíssimos», em particular do último Governo, ao acesso aos serviços públicos, o actual quadro político revela-se como «um tempo de esperança». No entanto, constata que «fruto da aceitação por parte do actual governo dos condicionalismos impostos pelas políticas europeias e pelos interesses dos grandes grupos privados nacionais e internacionais, estamos ainda longe do que utentes e populações» necessitam.

Rui Monteiro afirma mesmo que, nos serviços públicos em concreto, «não se sentem diferenças substanciais». Vários são os exemplos reportados, que também constam no documento que inclui as reivindicações dos utentes.

Da Saúde à Educação

A Saúde é uma das questões destacadas. Rui Monteiro fala-nos de «mudanças cirúrgicas», como a diminuição das taxas moderadoras, mas dá exemplos de problemas que persistem, como o facto de «não haver construção de centros de saúde que não sejam as câmaras a subsidiar fortemente» e dos hospitais, que «estão todos na gaveta». O documento destaca ainda «graves problemas aos nível dos recursos humanos», com a falta de médicos e outros profissionais.

Reivindicando «um melhor Serviço Nacional de Saúde, nos seus vários níveis de proximidade na prestação de cuidados», os utentes defendem «uma reforma hospitalar com os profissionais e meios técnicos necessários», recusam as parcerias público-privadas, exigem a abolição das taxas moderadoras e rejeitam a «deslocação das farmácias das zonas rurais para as zonas urbanas».

No plano da Educação, os utentes apontam que a rede pública de ensino pré-primário é insuficiente e que continua a ser necessária a manutenção e melhoria das infraestruturas escolares e a construção de novos espaços. Chamam a atenção para a externalização de serviços e as suas consequências, nomeadamente na qualidade das refeições.

Defendem ainda «o reforço das estruturas de apoio a famílias com filhos em idade escolar». Rui Monteiro lembra «a tremenda falta de assistentes operacionais», mesmo que sejam cumpridos os rácios definidos.

«A Justiça foi das poucas coisas que, ao nível dos serviços públicos, teve algumas melhorias, com a reabertura de alguns tribunais que tinham fechado», refere Rui Monteiro, havendo no entanto aspectos a melhorar. O documento aponta o preço das custas judiciais, que continua a dificultar o acesso, e «as carências de meios humanos, equipamentos e instalações condignas» em alguns tribunais.

No texto, os utentes lamentam ainda «a prevalência de prestações sociais dramaticamente baixas» ao nível da Segurança Social e que as estruturas públicas sejam insuficientes. A garantia da «Segurança Social pública e universal» e a «actualização extraordinária anual das pensões mais baixas» são duas das reivindicações destacadas.

Os utentes abordam ainda a necessidade de «valorização do património edificado, cultural e natural», um aumento do apoio à produção cultural e o reforço de «políticas de informação que respeitem a isenção e o interesse das populações, reforçando a sua acção pedagógica».

Quanto à Segurança Pública e à Protecção Civil, os utentes denunciam a falta de recursos humanos nas forças de segurança e de «meios para policiamento eficaz, preventivo e de proximidade», assim como «a escassez de meios para resolver as necessidades das populações».

Os transportes e acessibilidades

Os transportes, na perspectiva dos utentes, «continuam a ser caros, com pouca qualidade, frequência e coordenação, não correspondendo às necessidades das populações».

Segundo o dirigente do MUSP, «na Área Metropolitana de Lisboa está o caos instalado», como na Soflusa e Transtejo, «que não têm barcos suficientes para fazer a travessia, não cumprido os horários». Também no Metropolitano de Lisboa, com as constantes «perturbações», ou ainda na linha de Cascais, «que se degrada de dia para dia», com material circulante «que era utilizado na linha de Sintra há 20 anos atrás» ou «os atrasos e supressões diárias na linha de Sintra».

Rui Monteiro defendeu ainda que o Metropolitano do Porto deveria ter ficado sobre a alçada do Estado e que, depois de um ano «da passagem da Carris para a Câmara de Lisboa, o caos mantém-se inalterado – atrasos são mais que muitos, supressões de carreiras, não há nova frota, não há mais motoristas».

O dirigente lembra ainda que a concessão da Fertagus termina no final de 2019 «e não se vêm sinais de poder integrar o serviço na CP», sublinhando que, comparando a linha de Sintra com a linha de Setúbal, «o preço que os utentes pagam por quilometro é normalmente o dobro na Fertagus», empresa que «ainda recebe uma indeminização do Estado de muitos milhões de euros todos os anos para funcionar».

O documento destaca como reivindicações dos utentes o investimento em equipamentos, a «melhoria e enquadramento regional dos passes», a «coordenação entre os diversos operadores e modalidades de transporte colectivo» e a valorização da ferrovia. Defendem ainda o reforço da frequência do transporte colectivo de passageiros diariamente e em todo o território nacional e a «reversão para o sector público das concessões de transportes».

Nas acessibilidades, os utentes entendem que «a ferrovia não tem merecido a dinamização necessária» e que «continuam por concretizar vias rodoviárias estruturantes». Considerando que «é gritante o estado de manutenção e sinalização de muitas das rodovias nacionais e regionais, potenciando elevados índices de sinistralidade», defendem «a melhoria da circulação urbana e em espaços para veículos e peões». A abolição das portagens nas vias estruturantes sem alternativas viáveis é outra das reivindicações destacadas no documento do Encontro.

Outros serviços essenciais com insuficiências

A discussão estende-se a outros serviços e problemas com que as populações se deparam no seu dia a dia. É lembrado que ainda falta saneamento numa grande parte do território e que as privatizações no sector da Água trouxe preços «elevadíssimos» e diminuiu a qualidade. É defendida a necessidade da propriedade e gestão pública de todo o sector, e preços que se ajustem aos rendimentos das famílias.

A privatização dos CTT trouxe consequências para o serviço que são apontadas no documento: poucos carteiros, encerramento de estações ou postos CTT. Os utentes exigem o «controlo público do serviço estratégico da distribuição postal». O mesmo é defendido para as telecomunicações, tendo também em conta que estas ainda não cobrem todo o território nacional.

A necessidade de redução do preço do gás de botija e da factura da energia eléctrica, a necessidade de proximidade de serviços financeiros e a redução das suas taxas, assim como o combate à poluição são outras das medidas apontadas.

Os utentes lembram ainda que «não devem ser atribuídas novas competências às autarquias sem medidas prévias e paralelas de âmbito financeiro e de organização» e que é «fundamental a reposição das freguesias existentes até 2013». O documento também sublinha que é necessário «apoiar as reivindicações dos trabalhadores para melhorar a proximidade e qualidade dos serviços públicos».

Reforço da luta das populações e das comissões de utentes

Lembrando que foram «centenas as lutas das populações e das suas estruturas de utentes em defesa de serviços públicos de proximidade e qualidade», com resultados práticos, é afirmado no documento que «as comissões de utentes têm sido, em muitos locais, o garante da defesa dos serviços públicos e da universalidade do seu serviço».

O Encontro abordará «a necessidade de alargar a luta e a intervenção das populações na defesa dos serviços públicos» e a «criação de mais comissões de utentes, alargando os sectores em que intervêm e assegurando uma actividade regular».

Para tal, são referenciadas linhas de trabalho das comissões como «abrir as portas a quem queira participar», «privilegiar o trabalho colectivo», «dar conhecimento público das suas propostas, análises e das suas iniciativas». Fala-se do «contacto directo com as populações nos seus diversos locais de residência, no comércio local, junto das empresas, nos mercados, para a resolução dos problemas concretos das populações».

Uma camapanha de defesa e valorização do Serviço Nacional de Saúde, a apresentação das propostas e reivindicações dos utentes a todos os órgãos de soberania e outras entidades, o reforço das acções de defesa e melhoria dos serviços públicos, e a realização de debates temáticos e regionais são várias das iniciativas apontadas no texto que vai hoje a aprovação.

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