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A onda que é preciso navegar é a do progresso

A utilização de discurso de inspiração colonialista na apresentação dos novos equipamentos da seleção feminina é uma quebra do território de segurança onde o futebol feminino se tem desenvolvido. É essa a onda que é necessário navegar nos nossos dias. 

Créditos / FPF

O futebol feminino tem-se desenvolvido como um contraponto à toxicidade que tomou conta desta modalidade no masculino. Não se trata de uma singularidade feminina, mas de uma opção consciente daquelas que vão tomando palco no jogo. Várias das melhores jogadores do mundo tomaram, ao longo dos anos, posição em relação aos seus direitos, à expressão da sua identidade, à defesa do desporto que escolheram praticar como um campo de segurança para a sua afirmação pessoal.

É por isso que jogadoras abdicaram de representar as suas seleções ou de marcar presenças em eventos por não sentirem a valorização devida da sua atividade. É por isso que muitas figuras do futebol feminino se têm afirmado na defesa da sua identidade de género e trazido isso para a discussão nas principais seleções do mundo. É também por isso que o ambiente nos estádios onde se disputam os principais jogos de futebol feminino se tem mantido como um território seguro para todas as comunidades queer. 

«Várias das melhores jogadores do mundo tomaram, ao longo dos anos, posição em relação aos seus direitos, à expressão da sua identidade, à defesa do desporto que escolheram praticar como um campo de segurança para a sua afirmação pessoal.»

Por todo o mundo, futebol e nacionalismo sempre andaram de mãos dadas. As provas de seleções têm servido como uma espécie de escape para a manutenção de discursos nacionalistas, racistas e colonialistas, que pretendem afirmar uma certa superioridade em relação aos demais. É um tipo de discurso do qual é difícil separar. Se aliado à competição desportiva, as tradições e as histórias nos transportam sempre para uma continuidade no tempo, aparece muitas vezes como inevitável cair nessa tentação. Mas também cabe às instituições assumirem responsabilidade no cortar com essa tendência e inovar no sentido de serem pedagogicamente exemplares na forma de promover o jogo. 

Vem tudo isto à conversa depois desta semana, na apresentação dos novos equipamentos para a seleção feminina, que irá disputar o Mundial de futebol pela primeira vez, se ter definido o nome de «Navegadoras» como alcunha para a equipa, utilizando na promoção dos mesmos o texto «Rumo a novas descobertas, rumo a novas conquistas». Não foi capaz a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) de descolar de uma tendência pobre de, sempre que entramos numa grande competição, repetir um discurso que evoca as descobertas e as conquistas, como se aquilo que estivesse em causa não fosse, acima de tudo, a capacidade demonstrada por um conjunto de atletas, bem preparadas e cientificamente acompanhadas por uma equipa técnica de topo, para pertencer à elite do futebol mundial. 

A FPF tem assumido uma caminhada difícil de conceder ao futebol feminino todas as condições para o desenvolvimento da modalidade num quadro de igualdade. Tem procurado liderar o processo de profissionalização com melhores condições para as competições nos vários escalões. Tem servido de base para que os melhores talentos do futebol feminino se afirmem e consigam evoluir para equipas e competições mais exigentes. Mas também é fundamental que o faça no respeito daquilo que o futebol feminino tem lido como tendência um pouco por todo o mundo. É uma oportunidade de saltar para o futuro em temas que, eticamente, fazem já parte do presente da sociedade em que vivemos. Vamos aproveitá-la. 


O autor escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico de 1990 (AO90)

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