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José Carlos Ary dos Santos nasceu a 7 de Dezembro de 1937

Ary «era grande em tudo»

Cumprem-se esta quinta-feira 80 anos do nascimento do poeta original que lutou para erguer a «palavra mais alta» e criar o futuro. Para Paulo de Carvalho, Ary dos Santos era tão só «um homem grande, grande em tudo».

Créditos

Era uma vez um homem feito de poesia. Um homem cuja origem burguesa não o impediu de identificar injustiças e de se associar aos trabalhadores e ao povo, para junto deles lutar pela  paz e pela liberdade – a «palavra mais alta», que José Carlos Ary dos Santos proclamou sempre em letras garrafais.

A todos chegou através dos textos poéticos que escreveu e declamou, e também pelos seus cantados por outros. Paulo de Carvalho é um desses artistas que trabalhou com Ary dos Santos canções alheias à passagem do tempo, tais como «Lisboa, Menina e Moça», «Os Putos» ou «O Homem das Castanhas».

«Ele escrevia poemas para músicas que eu ia fazendo. Eu fiz muita música com ele, sobretudo para o Carlos do Carmo, muitas canções», descreve Paulo de Carvalho. No total foram mais de 600 as letras escritas por Ary dos Santos para intérpretes como Amália Rodrigues, Carlos do Carmo, Fernando Tordo, José Afonso, Paulo de Carvalho e Simone de Oliveira, entre os mais conhecidos.

Em qualquer caso, e tal como atestou numa entrevista, «a poesia é, em primeiro lugar, a maneira que eu tenho de falar com o meu povo». Através desta forma de linguagem, o poeta tornou-se popular, democratizou o acesso à cultura e revelou-se um homem «grande».

«Se tiver que definir o Zé Carlos numa frase pequena diria que ele era grande em tudo. O que é que eu quero dizer com isto: era grande no talento que tinha para fazer o que faz como escritor. O que fez e o que faz, para mim a obra está aí», prossegue Paulo de Carvalho.

A obra bebeu do povo a inspiração, retribuindo-lhe a capacidade de sonhar e de lutar. «Ser operário é apenas saber dar mais um pouco de nós ao que nós fomos», eternizou Ary no poema «A Fábrica».

«Poeta do povo e da Revolução», foi a nomenclatura que se lhe colou e que tanto terá agradado a este homem bom. «O Zé Carlos tinha um enorme amor pelos outros e traduzia isso nas dádivas, na forma de conviver. Mas quando não gostava de qualquer pessoa seria bom sair da frente porque ele não fingia», assume Paulo de Carvalho.

Frontal e irreverente, Ary tinha uma ímpar capacidade de criar. «Era muito engraçado. Quantas vezes ele fazia um texto para uma cantiga e, chegávamos ao fim, todos nós estávamos maravilhados com o que ele tinha feito. Ele agarrava o papel, rasgava aquilo tudo e dizia: "Não gosto disto!", e depois fazia melhor. Essa capacidade era uma coisa incrível, era incrível», recorda o intérprete de «E Depois do Adeus».

Poeta revolucionário

Nascido a 7 de Dezembro de 1937, José Carlos Ary dos Santos recorreu às metáforas para sobreviver ao fascismo e ao PCP para lutar pela liberdade e fraternidade. Foi em 1969 que aderiu ao «melhor partido» (como reconhece no poema «Tomar Partido»), a quem deixou os direitos de autor de toda a sua obra.

Esse mesmo ano haveria de marcar a sua vida e o seu trabalho, que passou a ter desde então um cunho revolucionário. Publica a obra Insofrimento in Sofrimento e o seu poema «Desfolhada», escrito um ano antes (patenteado primeiro como Desfolhada Portuguesa), vai ao Festival RTP da Canção pela voz de Simone de Oliveira.

A prestação, já o sabemos, ficou em primeiro lugar. Digno de registo é o génio de Ary dos Santos, capaz de passar o crivo da censura com um poema cuja mensagem se insurgia contra os ditames conservadores da ditadura.

O gozo que o acontecimento terá dado ao poeta voltou a repetir-se, estavam ainda cerradas «As portas que Abril abriu». Em 1973, novamente a partir desse festival, a voz de Fernando Tordo levou a todo o lado o poema «Tourada».

As várias participações no festival da canção permitiram a Ary um reconhecimento alargado. O poeta valorizava, no entanto, a «pedrada no charco» que as suas letras representavam, numa altura em que o País vivia asfixiado pela ditadura de Salazar.

«Ao contrário do que pensavam certos puritanos da pena e do papel, eu já nessa altura entendia que a popularidade, utilizada de uma maneira correcta, podia conduzir, nas condições que existiam, a uma intervenção poética e política mais eficaz», revelou mais tarde.

Um criativo da palavra

Reconhecido por Natália Correia como um «dinamizador da matéria poética», Ary congregou no discurso poético a história do País, antes e depois do Abril por que lutou («Só nos faltava agora que este Abril não se cumprisse», exclamou no poema «As Portas que Abril Abriu»).

A guerra colonial, a carência de pão e de liberdade, a reforma agrária, as nacionalizações e as lutas dos trabalhadores foram parte da realidade que sempre interpretou.

Mas o poeta destacou-se também no teatro e na publicidade, carreira que inicia em 1958. Por essa altura (finais da década de 50), outros intelectuais portugueses como Alves Redol, Alexandre O’Neill e Urbano Tavares Rodrigues recorrem ao mundo publicitário para poderem pagar contas.

LPE Morrison, Zeiger, Suíço-Português e Espiral são as empresas de publicidade que integram o currículo de Ary dos Santos. Na Espiral, onde começou a trabalhar em 1970, criou alguns dos slogans mais marcantes da época.

«Minha Lã, Meu Amor», criado para a Woolmark, «Knorr é naturalmente melhor» ou «Mais seguro, mais futuro», cujo cliente era o Grémio Nacional dos Seguradores, foram alguns dos mais reconhecidos.

Outro slogan que permaneceu durante anos foi o de um purificador de hálito, que Ary terá criado a meio de uma reunião, «Halazon, a melhor invenção depois do beijo», e também «Cerveja Sagres, a sede que se deseja».

«Foi muito popular e isso não é bem aceite»

Cantou a força do País e admitiu ser «tudo o que disserem», mas foi pouco o que se escolheu dizer do génio e da obra. A tarefa de remeter ao esquecimento o poeta incómodo começou logo após o seu falecimento.

Isso mesmo atestou o jornalista e crítico de televisão, Correia da Fonseca, a 20 de Janeiro de 1984, no jornal O Diário: «Anteontem ao fim da noite, acabara o poeta de morrer, a RTP, saqueando-lhe a biografia, não reconheceria nele mais que o "publicista" e o autor de canções. De facto, foi como se tivesse querido ofuscar-lhe a imagem».  

Paulo de Carvalho justifica o apagar da memória com a existência de um preconceito relativamente à popularidade de Ary, um sentimento radicado entre os intelectuais. «O meio intelectual é um bocado estranho, no mínimo estranho. Acham que ele é um fazedor de versos menores e nunca falam de toda a sua obra. Porque ele não fez só cantigas, antes pelo contrário».

Acrescenta que «o meio intelectual ou não gosta ou não aceita a grande popularidade das pessoas. O Zé Carlos, para além do talento que tinha, foi muito popular e isso não é bem aceite. É raro estar numa dessas antologias da poesia portuguesa, isso para mim quer dizer muita coisa». «Utilizando uma linguagem à Zé Carlos, quer dizer muita "dor de corno"», remata.

José Carlos Ary dos Santos faleceu a 18 de Janeiro de 1984, era ainda «menina» a Revolução dos Cravos, onde «o povo de Portugal deu o poder a quem quis».

O funeral, conforme reconheceu O Diário, foi o maior que algum poeta teve até então. Com o caixão coberto pela bandeira que cantou, foi seguido por muitos milhares de pessoas, certamente «com uma pedra de lua no lugar do coração», desde a Sociedade Portuguesa de Autores até ao Cemitério de S. João, em Lisboa. 

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