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Alterações legislativas de Temer premeiam o latifúndio

Os actuais retrocessos na legislação sócio-ambiental brasileira são destacados por Julianna Malerba, da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, numa entrevista à Fundação Böll. «A reestruturação do mercado de terras está no centro dos interesses dos grupos que mantêm Temer no poder», sublinha.

Os Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul
Os Guarani Kaiowá no Mato Grosso do SulCréditos / cimi.org

Malerba, também assessora nacional da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), está neste momento a efectuar um levantamento de alterações legislativas que envolvem questões sócio-ambientais e direitos territoriais. Neste âmbito, salienta que, ainda durante o governação de Lula, se começou a sentir a pressão de «um fortíssimo lobby de empreiteiras e demais grupos interessados, em favor da flexibilização das normas de licenciamento ambiental».

Numa fase que caracteriza como «primeiro momento», a legislação ambiental e a que reconhecia e protegia a «posse da terra em favor de indígenas, quilombolas e outros povos e comunidades tradicionais começaram a ser atacadas por uma articulação de forças situadas dentro e fora dos poderes legislativos e executivo», diz na extensa entrevista concedida à Fundação Böll, transcrita no Portal Vermelho.

Era a chamada bancada ruralista ao ataque, nos anos 2000. A sua acção daria frutos, em 2012, com a publicação da Portaria 303, pela Advocacia-Geral da União, estabelecendo-se que «os direitos dos índios sobre as terras não se sobrepõem ao interesse público da União, de forma que seu usufruto fica condicionado à política de defesa nacional, à expansão da malha viária, à exploração de alternativas energéticas e de riquezas de cunho estratégico para o país, como a mineração».

Por pressão de movimentos sociais, a portaria viria a ser suspensa, mas, com o governo de Temer, voltou a ser republicada e a ter força de norma federal.

Alterar a legislação, favorecer o latifúndio

Os retrocessos vêm desde a «era Lula» – que os justificava com o estímulo ao desenvolvimento económico para o país, explica Malerba, sublinhando que a «esquerda histórica brasileira» alimentou um «projecto desenvolvimentista», um «padrão de crescimento baseado na extracção intensiva de recursos naturais e na produção sistemática de injustiças ambientais» que lhe valeu «muitas críticas».

Com Temer, a «agenda dos retrocessos» responde às exigências dos sectores que representam a base de sustentação do seu governo, «com destaque para a bancada ruralista, cuja agenda se tem concentrado, sobretudo, em questões fundiárias». «Com o golpe, a reestruturação do mercado formal de terras parece assumir o centro das motivações», defende.

As alterações legislativas em curso deixam em evidência que «o objectivo é libertar terras públicas e devolutas ao mercado, premiando o latifúndio», neutralizando desse modo «regimes fundiários que garantem o acesso à terra aos trabalhadores rurais e que estabelecem reconhecimento e protecção da posse da terra em favor de indígenas, quilombolas e outros povos e comunidades tradicionais».

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Ataque à Constituição, exclusão dos desfavorecidos

Desde a promulgação da Lei de Terras de 1850 – lembra Julianna Malerba –, a construção da propriedade privada no Brasil «deu-se por meio da expulsão violenta dos povos indígenas das suas terras e da exclusão de um conjunto enorme de homens e mulheres pobres do acesso à terra».

E, hoje em dia, existe uma «tentativa muito clara de desconstruir os regimes fundiários instituídos pela Constituição Federal de 1988 e, sobretudo, as premissas que os balizam», estabelecendo que «a destinação de terras públicas e devolutas deve ser compatível com o Plano Nacional de Reforma Agrária» e que «a propriedade deve ser condicionada ao cumprimento da sua função social e ambiental». Ou seja, um ataque à legislação tendente a proteger os excluídos.

Neste sentido, Malerba defende que «não são apenas motivações económicas que justificam o objectivo de alterar as leis ligadas ao uso do território a fim de que o direito individual, absoluto e ilimitado de propriedade, que havia sido superado pela Constituição de 1988, volte a imperar e a orientar as acções do Estado».

«Há uma sistemática e histórica invisibilidade da diversidade cultural e social brasileira que volta a ganhar força numa sociedade que, amparada num imaginário racista, nega aos grupos historicamente vulnerabilizados – negros, pobres, índios, populações tradicionais, sem terra/tecto – o papel de sujeitos políticos», denuncia.

Temer e a centralidade da mineração

Uma parte substancial da entrevista é dedicada à abordagem do sector da Mineração e dos seus impactos, vincando a noção de que, se o governo de Dilma Rousseff teve de enfrentar o Congresso – ou «a bancada de deputados financiados por grandes mineradoras» – na tentativa de garantir um maior controlo estatal sobre a política mineral, o governo de Temer neutralizou esse combate, assumindo ele próprio a iniciativa de «viabilizar as propostas liberalizantes» e deixando clara a intenção de impor a mineração «acima de outras actividades sócio-produtivas».

À questão ligam-se vários debates, como sejam o da posse da terra, do «reconhecimento das territorialidades específicas», e da centralidade que «deve ter na economia brasileira uma actividade marcada pela exportação primária de recursos naturais, pela baixíssima arrecadação de impostos e tributos, e por impactos sócio-ambientais expressivos», nota a investigadora.

Ao encarar a história da mineração no Brasil e a actual experiência de expansão da actividade na América do Sul, percebe-se que «a prioridade dada às actividades minerais em relação a outros usos económicos e culturais dos territórios, longe de ser construída através de processos democráticos, é antes implementada, muitas vezes, por meio da violência, da criminalização e da destruição das bases materiais de reprodução sócio-económica dos grupos locais», denuncia a entrevistada, tendo em conta «o carácter de controle e reorganização do espaço que a dinâmica mineral impõe aos territórios».

«Se considerarmos seriamente os impactos negativos da mineração do ponto de vista sócio-ambiental e económico, no plano local e nacional, chegaremos à conclusão que se trata de uma actividade que tende mais a favorecer a concentração dos seus benefícios nos grupos económicos e a manter a concentração dos danos ambientais da mineração sobre os mais destituídos, em manifesta contradição com a retórica que recorrentemente justifica o avanço da mineração», sublinha.

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