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Requiem para o cinema: a extinção ou as novas figurações no tempo do digital (II)

A noção de um elo de ligação entre as imagens em movimento e a realidade, e a ameaça da sua rutura em consequência da digitalização, tem sido outro fator identificado como potenciador da morte do cinema.

«O Cinema, Manoel de Oliveira e Eu», de João Botelho
«O Cinema, Manoel de Oliveira e Eu», de João BotelhoCréditos / cinept.ubi.pt

Falou-se em artigo anterior da eliminação dos materiais convencionais do cinema – a película fotoquímica, o projetor – como causadores da perceção do desaparecimento deste modo de expressão.

A noção de um elo de ligação entre as imagens em movimento e a realidade e a ameaça da sua rutura em consequência da digitalização, tem sido outro fator identificado como potenciador da morte do cinema.

Com o registo analógico, a construção das imagens resultava sempre dos elementos colocados em frente à câmara ou da ação direta sobre o material sensível à luz, posteriormente projetado no ecrã. O «ato inaugural do cinema» consistia, como refere Arlindo Machado, «nesse instante de confrontação direta da câmara com a realidade que se [impunha] a esta, cabendo à película cinematográfica funcionar como a comprovação desse momento de verdade».

Com a digitalização, contudo, nem têm de existir vestígios materiais do registo (este pode ser transformado em linguagem abstrata), nem a realidade tem de servir de matéria-prima para as imagens (estas podem ser desenhadas informaticamente). Quer isto dizer que, enquanto o registo analógico estava dependente de uma informação material – de um contexto profílmico – para poder atuar, o registo digital pode construir-se exclusivamente a partir da simulação, isto é, utilizando imagens que não têm correspondência no mundo concreto.

Outro aspeto é ainda evocado para justificar o desaparecimento do cinema. Este diz respeito ao modo de relacionamento do espectador com a obra. Raymond Bellour, no âmbito da reflexão que conduziu ao seu mais recente livro, La Querelle des Dispositifs, afirma que a natureza própria do cinema reside no seu dispositivo. De acordo com o autor, este é formado pelo conjunto constituído pela «sala, o escuro, a projeção, e a reunião dos espectadores que assistem, por contrato, a um filme do início ao fim».

Bellour assinala que tudo o que não se enquadre nesses limites não poderá ser definido como cinema. Jacques Aumont que discorreu também há pouco tempo sobre estas questões, no âmbito do seu ensaio Que Reste-t-il du Cinéma?, apresenta uma posição próxima da do autor anteriormente citado. Ambos manifestam, em primeira instância, a necessidade de definir o cinema ou, pelo menos, encontrar as suas fronteiras, para refletir sobre a sua continuidade.

Aumont salienta que, na sua perspetiva, aquilo que determina o que o cinema é não reside na forma como este se elabora, nos seus atos de produção, mas antes na forma como o espectador experiencia as imagens. Assim, uma obra constituída por imagens em movimento será, para Aumont, considerada cinema, quando concebida como um filme (o autor admite que este termo, apesar de etimologicamente associado à película, sofreu uma dilatação do seu significado que é hoje comummente aceite), por um cineasta, para um público de cinema.

Deste âmbito estão excluídos – os exemplos são do autor – os vídeos criados para o YouTube, as instalações de Douglas Gordon ou de Pierre Huyghe, os videoclips de Michel Gondry, e muitas outras imagens em movimento contemporâneas, que competem com os objetos cinematográficos e frequentemente ocupam o seu lugar.

Embora Aumont admita a permanência do cinema (e não o seu desaparecimento), este afirma, através da forma como o define, não apenas a transformação dos modos de receção habituais mas, mais importante do que isso, a crescente diluição dos seus usos sociais convencionais. Onde está o cinema, de que forma se manifesta, quando os elementos que o compõem, que permitem reconhecê-lo como tal, estão em vias de ausentar-se?


A autora escreve ao abrigo do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990

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