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O mistério das desavenças entre irmãos árabes

Não esqueçamos que estão em palco políticos rudes e primários que navegam à vista, e também às cegas, sem estratégia a longo prazo, buscando vantagens e lucros logo que possível, guiados por interesses leoninos, sem olhar a meios, direitos humanos, fronteiras, soberanias e princípios humanitários.

CréditosDennis Brack/POOL / Agência Lusa

Eis a solução do grande mistério: um tenebroso hacker russo, certamente movido ainda pelos mais sinistros instintos estalinistas, penetrou na parafernália informática da TV Al-Jazeera e nela instilou o maléfico vírus da desarmonia árabe, tornando pandémico o boato de que a família reinante no Qatar é afinal a legítima descendente de Mohammed bem Abdelwahab, fundador da ortodoxia religiosa wahabita e, por acréscimo, do islamismo político emanado da Arábia Saudita.

O mal-intencionado pirata informático, por certo, não agiu sozinho. Ali há dedo de Putin, que depois de ter derrotado a pobre Clinton nas eleições norte-americanas tomou-lhe o gosto e, sempre cobardemente escondido atrás dos monitores, transformou a pacífica Península Arábica num ringue de luta livre entre parceiros da generosa e humanista confraria petroleira: num canto a Arábia Saudita, noutro canto o Qatar.

Foi assim que as coisas aconteceram; e por ser verdade passará a ser a versão oficial que a intrépida comunicação social espalhará pelas sete partidas do planeta. Acabaram os tiros no escuro sobre as causas de tão insólita discórdia entre irmãos; fez-se luz, espera-se que o mal-entendido seja esconjurado e a harmonia regresse.

Terá sido mesmo assim?

Façamos de conta que a explicação encontrada é tão verdadeira como os relatórios oficiais dos atentados de 11 de Setembro de 2001 e ousemos seguir por outros caminhos, mesmo que sejam obscuras «teorias da conspiração».

Por exemplo, podemos tentar ler o que se passa num Médio Oriente em mudança à luz do que aconteceu no conclave anual do Grupo de Bilderberg, realizado há poucos dias na Virgínia, Estados Unidos, entre 1 e 4 de Junho. Eu sei que não é suposto as actas de tão secreto concílio de deuses serem públicas, mas já lá vai o tempo em que a omertà, o silêncio mafioso, era de ouro para lá das barreiras protegidas pela NATO em coligação com milícias privadas.

Apenas posso garantir que os leaks que me chegaram não foram soprados pelos ilustres lusitanos presentes, aliás em representação do «banco de deus» de que são servidores, o todo-poderoso Goldman Sachs: Durão Barroso e José Luís Arnaut. Desta feita, tanto quanto se sabe, não esteve qualquer papagaia ou papagaio convidado pelo influente padrinho Balsemão, talvez porque os que interessam já estejam todos amestrados.

Pois bem, tal como as recentes cimeiras da NATO e do G7, o encontro de Bilderberg não foi pacífico, agravando os sinais de que no Olimpo do capitalismo continua a inquietação com a crise e respectivas sequelas, não havendo ainda maneira de fazer convergir as desarmonias de interesses.

O problema mais candente, e que mais fez sangrar as feridas das contradições capitalistas durante a magna reunião, foi o do terrorismo e a maneira como o fenómeno faz perigar a concentração e o foco que a NATO deve ter em relação à Rússia.

Ressalve-se, para que o contexto fique claro, que o problema do terrorismo não foi abordado pelo Grupo de Bilderberg na perspectiva das vítimas. Não se gastou tempo desnecessário com essas minudências. O que esteve frente-a-frente, em clima conflituoso, foram duas posições tendencialmente antagónicas. E daí decorreu, como veremos, o agravamento da chamada «crise diplomática» que eclodiu há pouco na Península Arábica.

A divisão não começou por se fazer entre bandeiras nacionais, porque é por demais sabido que o capitalismo, tal como o terrorismo, não tem pátria. Mas durante a polémica revelaram-se invulgares contradições entre países há muito irmanados, suficientes para confirmar que a fluidez da situação actual no Médio Oriente pode gerar novas alianças e desalianças de Estados, conjunturais ou não, que ainda ontem seriam muito improváveis.

«Ressalve-se, para que o contexto fique claro, que o problema do terrorismo não foi abordado pelo Grupo de Bilderberg na perspectiva das vítimas.»

De maneira sucinta pode escrever-se que as desavenças começaram por emergir entre os membros das equipas de Trump e de Obama/Hillary Clinton presentes no conclave, a propósito da estratégia a adoptar frente ao terrorismo dito islâmico. Do lado de Trump estiveram partidários da destruição efectiva do Daesh ou Estado Islâmico, que não da al-Qaida, embora deva ser «reestruturada» – o que parece já estar a acontecer; no lado oposto pontificaram ex-funcionários e apoiantes de Obama/Clinton, designadamente militares, ex-chefes da CIA e do MI6 britânico e robustos financeiros envolvidos na criação, desenvolvimento e financiamento de grupos terroristas - das milícias líbias ao Daesh, passando pelos chamados «moderados».

No quadro da sua estratégia nacionalista, que parece implicar alguma redução de gastos com o terrorismo, Trump já tinha aberto as hostilidades com os seus antecessores através da recente visita à Arábia Saudita, na qual terá conseguido o fim do apoio deste país à Irmandade Muçulmana, a mãe do terrorismo islâmico, em troca de um negócio de armas com a família Saud no valor de 110 mil milhões de dólares, para gáudio da indústria de guerra norte-americana.

Não consta que o Qatar, país estratégico no lançamento das «primaveras árabes» e nos processos de destruição do Iraque, da Líbia e da Síria, tenha merecido iguais atenções de Trump; e as consequências não tardaram. O confronto entre Doha e Riade sobre o parentesco do fundador do wahabismo e a aproximação do Qatar ao Irão – inimigo figadal do regime saudita – explodiu e teve repercussões no duelo travado durante a reunião do Grupo de Bilderberg.

Os ex-membros da administração Obama e o MI6 britânico – juntamente com a CIA um dos grandes suportes do fundamentalismo político-terrorista – brandiram a possível criação de um bloco formado pelo Qatar, Irão, Hezbollah (Líbano), Hamas (Palestina), Turquia e Irmandade Muçulmana, com apoio do Reino Unido e da França. Bloco esse que romperia a antinomia entre xiitas e sunitas através da aproximação entre o khomeinismo iraniano e a Irmandade, e manteria o status quo do terrorismo islâmico, embora deixando cair o Daesh. A inclinação francesa neste sentido foi testemunhada perante a audiência de Bilderberg por Benoît Puga, o general fascista que serviu os presidentes Sarkozy e Hollande como principal conselheiro militar.

«É por demais sabido que o capitalismo, tal como o terrorismo, não tem pátria»

Ao contrário do que se tornou vulgar dizer, o Qatar não está isolado na ruptura com Riade; além disso, é bastante improvável que um hacker, por talentoso que seja, tenha o poder de lançar tamanha baderna num sistema de alianças há muito estabilizado introduzindo na rede um simples comunicado falso e provocatório. A artimanha não funcionaria isoladamente se não correspondesse a problemas profundos reflectindo o mal-estar nas cúpulas capitalistas mundiais.

Pela ordem natural das coisas, ao lado da renovada ligação entre a Arábia Saudita e a administração norte-americana posicionam-se Israel e o Egipto, o Bahrein e os Emirados Árabes Unidos, importantes bases militares dos Estados Unidos.

Percebe-se que a fractura do velho sistema de alianças não cavalga apenas sobre sunitas e xiitas; rompe, sobretudo, a estrutura básica de gestão do capitalismo mundial invadindo o interior do império, do complexo militar, industrial e tecnológico norte-americano e da própria NATO.

A cúpula capitalista anglo-saxónica vê-se assim abalada pelo facto de os governos de Londres e de Washington estarem visivelmente de costas voltadas, replicando o cada vez mais violento confronto entre as clientelas de Trump e as de Clinton/Obama.

Sintomas exemplificativos da embrionária recomposição de alianças? A constante descoordenação das reacções aos atentados terroristas por parte de Washington e Londres, agravada com fugas de informação; o ataque dito «final», que parece sério, de grupos manipulados pelo Pentágono contra Raqqa, a «capital» do Daesh na Síria; a recente entrada de brigadas xiitas iraquianas (Al Sadr) em território sírio, como que antecipando as eventuais retiradas de militares iranianos e das estruturas do Hezbollah; o retorno da mais aguda animosidade da administração norte-americana contra o Irão, exemplificado pela nomeação por Trump do criminoso Michael D’Andrea como chefe do braço anti-iraniano da CIA.

D’Andrea foi o mandante do assassínio de Fayez Mughnyieh, alto comando do Hezbollah, executado numa operação conjunta do Mossad e da CIA em Fevereiro de 2015 em Damasco.

Historietas tais como as do hacker russo e as da intervenção de Moscovo na eleição de Trump têm como objectivo combater os efeitos da crise, da confusão dela decorrente e reorientar a estratégia global contra os inimigos claros e definidos, a Rússia e também a China. Estes países, pelo seu lado, também procuram uma adaptação aos novos movimentos, podendo notar-se, por exemplo, a aproximação da Rússia à Turquia e uma atitude mais moderada desta em relação ao regime sírio.

A fluidez é demasiada para antever a evolução destas mudanças, que podem ainda ser apenas ensaios uma vez que os gestores de capitalismo não são conhecidos por, em última instância, permitirem que as divisões se sobreponham ao essencial que os une.

Não esqueçamos também que estão em palco políticos rudes e primários que navegam à vista, e também às cegas, sem estratégia a longo prazo, buscando vantagens e lucros logo que possível, guiados por interesses leoninos, sem olhar a meios, direitos humanos, fronteiras, soberanias e princípios humanitários.

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