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«O direito de desligar»: um direito de todos ou um problema de comunicação?

Na última semana os grandes órgãos de comunicação social vieram dizer que em França foi aprovada e entrou em vigor uma lei que criou um novo direito para proteger todos os trabalhadores: «o direito de desligar». O que é este direito de desligar e a quem se destina?

Não quero ser grosseiro, mas, confesso, apetece-me sê-lo e muito! Com efeito, na última semana os grandes órgãos de comunicação social vieram dizer que em França foi aprovada e entrou em vigor uma lei que criou um novo direito para proteger todos os trabalhadores: «o direito de desligar». A Espanha já estará no mesmo comprimento de onda e, no nosso canto, já se agitam as bandeiras com o anúncio de iniciativa legislativa idêntica.

E o que é este direito de desligar e a quem se destina? O «direito de desligar» é, segundo a informação divulgada, a faculdade de os trabalhadores desligarem o telemóvel e o sistema de e-mail que o liga à empresa, depois de cumprida a sua prestação laboral, dispensando-o, assim, de responder a instruções da entidade patronal quando fora do seu horário de trabalho. A imprecisão, intencional ou não, das notícias leva à conclusão de que, hoje e com a legislação existente, todos os trabalhadores estão obrigados a manter-se ligados e a responder a instruções da empresa mesmo depois de cumprido o seu horário de trabalho, o que é falso. Se a intenção de tais notícias é a de gerar essa convicção, então estaremos perante uma situação de má-fé, já que o anúncio contraria o princípio geral. Se a intenção é aumentar a proteção, há que saber do que estamos a falar e a quem se dirige uma tal medida ou iniciativa legislativa.

Mas, afinal do que estamos a falar? A que trabalhadores se dirige uma tal iniciativa, ou seja, quais os trabalhadores que estão afetados pelo dever de não desligar? A todos os trabalhadores? Ao motorista da Carris? Ao caixa do supermercado? Ao operário da Autoeuropa ou da chafarica de vão de escada (com todo o respeito que merece a chafarica)? Ao operário da construção civil? Ao funcionário público em geral? A lista é interminável e leva-nos a concluir que tal ideia não se dirige a proteger nenhum destes trabalhadores. E se não se dirige a nenhum destes trabalhadores, que constituem a quase totalidade dos trabalhadores por conta de outrem, a quem se dirige, afinal, essa medida legislativa? Existem trabalhadores que são incomodados 24 horas em cada dia pela sua entidade patronal? E se existem quem são eles?

Em primeiro lugar, situemos o problema para evitar a generalização da ideia: os trabalhadores para quem a medida pode ser útil são aqueles (os trabalhadores à chamada) que, por contrato individual ou por convenção coletiva, estão obrigados a manter-se ligados à empresa onde trabalham, fora do seu horário de trabalho, mediante a perceção de uma retribuição, em geral pequena. E, se é a este pequeno grupo, e apenas este, que nos estamos a dirigir, a comunicação tem que ser precisa e o modo de regular a situação deve ser a adequada.

«Quanto à generalidade dos trabalhadores, o problema apregoado como sendo de todos não existe.»

Com efeito, não devemos esquecer que estamos a referir-nos a relações contratuais que, pela sua natureza de subordinação – em que o poder económico, o poder disciplinar, o poder de direção em geral e, obviamente, o poder de fazer cessar o contrato retirando os meios de subsistência ao trabalhador –, dominam toda a relação condicionando o comportamento do trabalhador, levando-o, não poucas vezes, a não reclamar o exercício dos seus direitos. E, se assim é, porque é esta a natureza da relação de trabalho, a proteção da parte fragilizada não se consegue, apenas, atribuindo-lhe mais um direito, que ele pode não estar em posição de usar, mas mediante a proibição de a entidade patronal (a que tem o poder) contratar uma determinada situação que se pretende evitar.

Quanto à generalidade dos trabalhadores, o problema apregoado como sendo de todos não existe. Por ora, diria eu, enquanto a má comunicação não gerar a convicção de que o trabalhador, quando fora do seu horário de trabalho e depois de cumprido o período de trabalho diário, mantém a relação umbilical de dependência da empresa, ignorando os princípios constitucionais laborais, a lei atual e o próprio direito comunitário em matéria de organização do tempo de trabalho e tempos de descanso mínimos e de períodos de autodeterminação (de liberdade e de o direito ao descanso) do trabalhador.

No nosso país o debate já foi iniciado. E o entusiasmo parece em alta. O objetivo será, segundo a comunicação social, produzir legislação seguindo o modelo francês. E a medida pode ter sentido se for exclusivamente destinada aos trabalhadores que estão sujeitos ao regime de chamada (on call) e se servir para esclarecer todos os demais que, quando fora do seu horário de trabalho, não estão obrigados a receber e a reagir a instruções da sua entidade patronal, designadamente, divulgando o direito de «desligar», mas também a proibição de a entidade patronal «estar ligada» aos trabalhadores em geral quando estes estão fora do seu horário de trabalho.

Finalmente, não aceitemos entrar na esquizofrenia daqueles que pensam ter inventado a pólvora porquanto, nesse registo, bem podem acabar a dinamitar o próprio direito do trabalho.

Comigo não contém para esse peditório.

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