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Para acudir à «maior crise humanitária desde a Segunda Guerra Mundial»

Mil e uma sugestões ao engenheiro Guterres

A verdade é que 4100 milhões de euros não passam de migalhas quando comparados com a enormidade dos gastos em guerras, por exemplo – 0,6% das despesas norte-americanas na guerra do Iraque e 1% se a invasão comparada for a do Afeganistão.

CréditosSalvatore di Nolfi/EPA / Agência Lusa

Stephen O’Brian, secretário-geral adjunto da ONU, alertou o mundo através de uma dramática mensagem sobre a iminência da «maior crise humanitária desde a Segunda Guerra Mundial» se não forem tomadas medidas urgentes até Julho, e ao mais alto nível.

O alarme do colaborador directo do Eng. António Guterres justifica-se; talvez peque por ser demasiado sintético na região de crise delimitada, muito centrada na região do Corno de África; mas compreende-se se entendermos a situação como a urgência das urgências, devido à confluência letal de factores aterradores como a guerra, a degeneração climática, a acelerada degradação social e a aberrante incapacidade diplomática – a começar pela da própria ONU.

Stephen O’Brian localizou o epicentro da crise numa região que abrange o Iémen, a Somália e o recém-inventado Sudão do Sul; e calculou as urgentes necessidades de socorro humanitário em mais ou menos 4100 milhões de euros a reunir antes de Julho. Até ao momento a ONU terá conseguido juntar, para o efeito, a soma ridícula de 90 milhões de euros, 2,2% do dinheiro indispensável.

No mundo onde reinam a confusão dos números, as traições das estatísticas e a perda da noção da relatividade entre as verbas que são citadas aos quatro ventos, por tudo e por nada, é natural que o valor de 4100 milhões de euros, assim lançado sem padrão comparativo, pareça qualquer coisa de homérico, sobretudo tendo em conta o curto prazo de quatro meses exposto pelo secretário-geral adjunto.

Para entrarmos então em contacto com uma realidade mais palpável, bastará dizer que a verba considerada necessária para obviar «à maior catástrofe humanitária desde a Segunda Guerra Mundial» é menos de metade dos 10 mil milhões de euros que a boa vontade de Núncio e Maria Luís, na sua missão de facilitadores, deixou partir de Portugal em demanda das temperanças dos offshore.

A verdade é que 4100 milhões de euros não passam de migalhas quando comparados com a enormidade dos gastos em guerras, por exemplo – 0,6% das despesas norte-americanas na guerra do Iraque e 1% se a invasão comparada for a do Afeganistão. E por falta dessas migalhas, milhões de seres humanos estão condenados à morte, ao êxodo das suas casas e terras, à fome, a epidemias que seriam elementarmente evitáveis; e expostos simultaneamente ao banditismo de grupos tão celerados como o Al-Shabab da Somália e de regimes tão civilizados como são os da Arábia Saudita e de Israel, irmanados na sangria desatada imposta no Iémen, sob os olhos tutelares dos conselheiros do Pentágono.

Sendo quatro mil milhões de euros uns trocos – não esqueçamos que a ONU dispõe de quase 100 milhões – poderia o Eng. Guterres traçar um plano de contactos com os principais dirigentes mundiais, munido de um caderninho com algumas convincentes operações aritméticas básicas – mesmo sabendo nós, por experiência nacional, que os números não são o seu forte – e não tardaria a juntar a soma desejada.

Poderia o Eng. Guterres começar por reunir os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança num gabinetezinho do Palácio de Vidro e pedir 800 milhões de euros a cada um deles. Oitocentos milhões, tanto dinheiro! Ou seja, 0,13% do orçamento de guerra dos Estados Unidos; ou 0,4 por cento das despesas militares programadas pela China; ou 1,2% das russas; 1,5% das britânicas; 1,6% das francesas.

Se houvesse regateio, lamúria dos interlocutores queixando-se da teimosia da crise, o Eng Guterres poderia alargar a consulta chamando o G8 ou mesmo o G10 e pedindo esforço idêntico ao Japão e à Alemanha (2% cada), à Itália e à Austrália (menos de 4% cada). Nesta altura o secretário-geral estaria já a solicitar bastante menos que 800 milhões a cada, pelo que tão terríveis percentagens seriam ainda encurtadas mais ou menos para metade.

«Aos gigantes norte-americanos presentes no Top 10 do negócio da morte bastaria abdicar de 2% dos lucros e era uma vez a «catástrofe humanitária.»

Se os contactados pelo Eng. Guterres continuarem, ainda assim, a lamentar-se do tremendo esforço financeiro solicitado, poderá o piedoso secretário-geral da ONU apelar para a generosidade que está na essência das maiores empresas fabricantes e exportadoras de armas.

Aos gigantes norte-americanos presentes no Top 10 do negócio da morte bastaria abdicar de 2% dos lucros e era uma vez a «catástrofe humanitária». Se o Eng. Guterres recorresse às empresas europeias presentes no mesmo Top 10, bastar-lhes-ia abdicar de 4% dos lucros. Imaginem quanto isto custaria a cada uma se a verba fosse repartida por todas as entidades enumeradas até aqui.

O incansável secretário-geral poderia, enfim, visitar o seu homólogo da NATO, o compungido e sempre humanitário Sr. Stoltemberg, por certo mais alarmado com a situação do que o próprio O’Brien, tendo em conta o muito que a sua organização tem contribuído para o drama. Nesse caso, bastaria à aliança guerreira abdicar mais ou menos de 0,4% do seu orçamento anual e todo o mal de que sofre o Corno de África seria reparado.

Se o Sr. Stoltemberg quisesse, ainda assim, repartir os encargos pela prole dos países membros basta recordar que 20 meses da quotização portuguesa para a organização equivaleriam aos 4 mil milhões de euros; o mesmo aconteceria com um ano da contribuição belga, meio ano da contribuição holandesa, menos de um ano de prestação da tão espremida Grécia, menos de meio ano da participação polaca, um mês e meio da parte francesa, tal como da alemã, mais coisa menos coisa.

Se, por um milagre daqueles que tanto espantam a Sr.ª D.ª Teodora Cardoso, o Eng. Guterres regressasse a Nova Iorque com um sim de todas as entidades e personalidades contactadas, e pedisse aos seus directos colaboradores para fazerem as contas finais, chegaria à conclusão que uns milhares de euros a cada qual evitariam a catástrofe humanitária que está iminente. E se, no limite miraculoso, os esforços gerassem vários múltiplos de quatro mil milhões, sem que isso representasse risco de falência para ninguém, por certo passaríamos a viver num mundo bem diferente do actual.

Como sempre acontece a propósito destas aritméticas tão óbvias, muitos dirão que tal exercício não passa de demagogia barata, um resultado da tal divergência eterna e insanável entre o traseiro e as calças.

Pois é, afinal deve ser esse o problema. Porque a «catástrofe humanitária» anunciada mais não é do que um dano colateral na continuada gesta para que o regime global e o avanço da civilização se cumpram.

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