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Com Óscar, o centro desloca-se um pouco para… norte

Exposições, música, dança, teatro para a infância, leitura… um punhado de sugestões culturais para os próximos dias de Maio.

Óscar Lopes
Óscar LopesCréditos / Plataforma9

Ainda não há muito foi retirada das paredes do Clube Fenianos Portuenses a exposição «Óscar Lopes – Centenário 1917-2017», inaugurada a 20 de Abril, com concepção e organização do PCP: uma digna e bem pensada mostra documental e de painéis evocando o percurso cívico e político do homenageado, a par da sua acção intelectual e do trabalho ensaístico. E já outra acaba de ser aberta à comunidade: a Exposição Biobibliográfica e Documental sobre Óscar Lopes, patente no átrio e na biblioteca da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) e concretizada por iniciativa do Centro de Linguística da UP (de que Óscar foi fundador), em parceria com outros centros de investigação da FLUP. A inauguração foi no dia 4 de Maio. Uma exposição a não perder, tal como a primeira (esta concebida para uma itinerância por vários espaços do país).

É unânime, hoje, o reconhecimento do pioneirismo de Óscar Lopes (1917-2017), mesmo à escala internacional, em diversos domínios das Ciências da Linguagem, sobretudo os que se prendem com a Semântica formal, com a Pragmática, com as relações entre Linguística e Matemática, com o Ensino da Língua.

Mas Óscar Lopes foi também um estudioso das questões da educação estética, em particular da educação do gosto literário. Muitos autores de narrativa de ficção, poetas e críticos reconheceram e reconhecem que a autoridade intelectual e a produção crítica de Óscar Lopes os interpelaram, os levaram a ressituar-se, suscitaram reflexões fundamentais sobre os respectivos percursos literários, seus propósitos e implicações (estéticos, ideológicos e outros), mesmo quando dele divergiam, designadamente no plano das ideias.

E não falta quem sublinhe o seu magistério nas áreas da historiografia e da crítica literárias, lembrando as suas interpretações iluminantes, as suas abordagens inovadoras e, em alguns casos, decisivas de escritas como as de Camilo, Antero de Quental, Aquilino Ribeiro e Eugénio de Andrade, para apenas mencionar quatro exemplos.

É sempre reconhecível um pano de fundo humanista e marxista das leituras críticas do ensaísta de Uma Espécie de Música e uma fidelidade, plurifacetada, a uma certa visão do literário e a uma literatura interpelante e com sentido do humano. Retenho, neste campo, uma expressão de Manuel Gusmão que cito de memória: a tenacidade não arrogante de Óscar.

Ou seja, a atitude de alguém que, senhor de uma bagagem cultural e científica sem paralelo, manifestou sempre aguda sensibilidade aos mais subtis matizes da Língua e um notável espírito de abertura nas suas análises literárias, a par de um genuíno interesse pela voz do outro, de uma receptividade ao novo e ao diferente e de uma ilimitada curiosidade, cujas bases podemos descortinar numa personalidade ímpar, moldada por fundas convicções filosóficas e ideológicas.

Precisamente aquelas que o acompanharam desde a sua juventude em Leça da Palmeira e no Porto e que, de certa maneira, condicionaram a sua ética, a sua acção cívica e política, mas também a sua intervenção no mundo académico e nas que foram as suas principais áreas de interesse e de trabalho. (Óscar era filho do compositor e etnomusicólogo Armando Leça e da violoncelista Irene Freitas e irmão de Mécia de Sena, mulher de Jorge de Sena e organizadora do espólio literário deste escritor).

«Indissociável da valiosíssima produção ensaística e crítica, a trajectória da vida de Óscar Lopes impõe-se como exemplo de verticalidade.»

Com a autoridade da experiência e do saber, muitos ex-alunos de Óscar Lopes, depois docentes universitários, dão-nos eloquentes testemunhos sobre o professor de excelência, o amigo, o homem generoso e de insaciável curiosidade em matéria de conhecimento, o fomentador de práticas reflexivas que a todos marcou de forma indelével.

A este propósito, cito um excerto de um texto de José Carlos Ribeiro Miranda, reportando-se ao magistério de Óscar Lopes, na disciplina de História da Língua, na Faculdade de Letras do Porto: «Não é difícil reconhecer um bom professor. A primeira coisa que comunica aos alunos é, mais do que o entusiasmo próprio, mais do que o respeito pela matéria que lecciona, um sopro vital que leva a que o objecto do conhecimento em causa se torne imprescindível, como se de uma revelação se tratasse. Ora isso estava lá, bem presente, desde as primeiras aulas do Professor Óscar Lopes.» (suplemento «Das Artes, das Letras» de O Primeiro de Janeiro, 26/11/2007, p. 14).

Se digo tudo isto sobre o professor e o investigador, é porque, em boa verdade, Óscar Lopes foi sempre uma espécie de «plantador de naus a haver», para citar o velho e conhecido verso de Pessoa. «Naus a haver» nos Estudos Literários, nos Estudos Linguísticos, no Ensino. Mas também na vida. E na política – no sentido mais nobre deste termo tão insidiosamente aviltado. Alguém que abriu caminhos e mudou vidas.

Eu mesmo o sinto, sem ter sido aluno ou discípulo de Óscar Lopes, ao lembrar as condições em que o conheci pessoalmente, nos idos de 1974 (em gabinetes, reuniões, assembleias da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, onde estudava), e os efeitos que o seu exemplo cívico e a leitura dos seus textos em mim provocaram, abalando-me, mudando por vezes a minha visão da vida e da escrita literária, sem contudo porem em causa o que subsistia em mim de «mesmidade».

Disse-o já e repito-o: ler o autor de Entre Fialho e Nemésio, assistir às suas conferências (ouvi-o falar de Antero, Aquilino, Torga, Eugénio de Andrade e de tantos outros) ou escutar as palavras por ele proferidas em ocasiões em que foi objecto de homenagens públicas (palavras que não hesitavam, quando necessário, em fazer luz sobre o estado do mundo) constituía sempre uma aventura.

A aventura de seguir o rasto de uma inteligência que a todo o momento convocava elementos das mais inesperadas áreas do saber (filosofia, história política e económica, física e química, pragmática linguística, história da língua, etc.), a fim de lançar luz sobre as tessituras literárias.

Escutar intervenções gravadas de Óscar Lopes, ler os seus ensaios é testemunhar um pensamento que se desdobra e expande com rigor e coerência, de modo lúcido e irradiante. É testemunhar um sentido que se constrói na pista de outro sentido e uma inteligência verbal sem paralelo. É dar graças por estar vivo e poder pensar com as palavras do outro. E é sentir que certos gestos de partilha e de procura de diálogo não têm retribuição possível.

Ninguém ousa negar o carácter excepcional das humanas qualidades do autor de Os Sinais e os Sentidos: Literatura Portuguesa do Século XX. Assinale-se, no entanto, que os dons e talento intrínsecos se viram não só modelados por um contexto familiar e local (recorde-se a pobre gente, os pescadores de Leça da Palmeira, onde Óscar Lopes nasceu, e que tantas vezes evocou em entrevistas), mas também afeiçoados por uma educação e um percurso de socialização, em convivência e aprendizagem com os outros.

Interessa por isso que o discurso dos afectos a/sobre Óscar Lopes não sirva – como tantas vezes sucede – para deixar na sombra outras realidades: a do homem que foi o que foi e assim se fez, porque, neste ponto, a sua personalidade era comparável à própria literatura enquanto criação humana.

E, «na literatura, como em geral na cultura, pode sempre distinguir-se uma ideologia, quer dizer, um conjunto de intenções historicamente determinadas, uma visão geral e discutível da realidade e das aspirações humanas» (faço questão de citar palavras da primeira edição que conheci da História da Literatura Portuguesa (a 6.ª ed., da Porto Editora, s.d., p. 9), obra da qual Óscar é co-autor juntamente com António José Saraiva).

Indissociável da valiosíssima produção ensaística e crítica, a trajectória da vida de Óscar Lopes impõe-se como exemplo de verticalidade. Até porque ela se distinguiu pelo modo como soube alicerçar o seu excepcional percurso de investigação e docência numa visão mais ampla do mundo, determinada pela condição de marxista, de militante comunista de longa data (desde 1945) e de denodado antifascista e combatente pela liberdade, pela democracia e pelo socialismo, que sofreu na pele – com prisões, interdições e perseguições conhecidas – as consequências da sua inteireza moral e ideológica.

Ora, esta condição de marxista que Óscar Lopes afirmou desde a juventude, com a naturalidade, simplicidade e coragem que lhe eram próprias, constituía o fundamento de uma ética, de uma certa maneira de estar na crítica e na investigação, como na vida e na acção política. Porque o seu tempo – não o esqueçamos – foi ainda o tempo de Bento de Jesus Caraça, Abel Salazar, Mário Sacramento, Maria Lamas, Ruy Luís Gomes, Armando de Castro ou Fernando Lopes-Graça. Figuras inesquecíveis do século XX português, que nunca dissociaram a cultura científica da cultura humanística e artística e mesmo da chamada «cultura popular».

Nem a investigação e a intervenção cultural do exercício de uma cidadania corajosa ao lado do povo com o qual quiseram e souberam aprender. Também por isso, Óscar Lopes é um modelo, porque sempre se situou nos antípodas de um modo individualista e egocêntrico, imodesto e oportunista de estar na vida e na academia, na crítica, na cultura e na actividade política.

Coliseu do Porto em festa com música clássica nos seus 75 anos. E, uma vez mais, Brasil na Casa da Música e no CCB. E ainda José Afonso na AJA Norte.

Óscar Lopes cursou piano no Conservatório de Música e era um amante de música barroca, como a de Corelli. Mas talvez não desdenhasse o repertório previsto para o Coliseu do Porto, no dia 6 de Maio. A enorme e emblemática sala de espectáculos (muito necessitada de obras na fachada, no telhado, além de outras, infraestruturais) recebe este sábado no seu palco a Orquestra Sinfónica do Porto Casa da Música para o Grande Concerto Comemorativo dos 75 Anos.

Dirigida pelo maestro Martin André, a Orquestra sobe ao palco com «uma programação clássica muito popular», como refere a informação da instituição, «ao som de obras de compositores como Beethoven, Chostakovitch e Rossini. A Sinfonia n.º 5 de Beethoven, a Sinfonia n.º 15 de Chostakovitch e a Abertura de Guilherme Tell, de Rossini compõem o repertório desta comemoração».

E, falando ainda de música, recorda-se o leitor daquela letra que rezava assim:

Passarinho cantou de dentro de uma gaiola

Cantaria melhor se fosse do lado de fora

O marinheiro acordou e tinha que se espantar

Alguém levantou mais cedo e roubou o céu e o mar

Meu amor não sabia porque nunca amanhecia

É que existia um vigia na porta de cada dia

Muita gente chamou urubu de meu louro

Pelo que vejo agora lê lê vai chamar de novo

Muita água rolou dos olhos do povo

Pelo que vejo agora lê lê vai rolar de novo

Uma inesquecível canção de resistência à ditadura militar (1964-1985), composta e interpretada pelo notável compositor e cantor da música popular brasileira que é Ivan Lins. Sabe bem ouvir as suas canções, na sequência do golpe de Temer e seus apoiantes, a soldo da classe dominante do Brasil, e no momento em que o povo se levanta, nas cidades do país irmão, em luta por direitos, salários dignos e trabalho. Pois bem, vamos poder ouvir, de novo, Ivan Lins na Casa da Música, do Porto, e no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, nos dias 17 e 18 de Maio, respectivamente. Desta feita, Ivan terá consigo diversos convidados portugueses.

Uns dias antes, na sede da delegação norte da AJA (Associação José Afonso), sita na Rua do Bonjardim, 635, 1.º Tras., Porto, prossegue a sinalização da passagem dos 30 anos da morte de Zeca Afonso, com projecção do documentário «Maior que o Pensamento, 3.ª parte – José Afonso, Uma História de Liberdade». Haverá também cantigas. Consulte a programação da AJA Norte para se informar sobre outras iniciativas.

Os Dias da Dança, no S. João do Porto, e o teatro para a infância em Lousada

Termino, por hoje, com mais duas sugestões de iniciativas culturais a norte.

Uma é já a 8 e 9 de Maio, no Teatro Nacional S. João (TNSJ). Cito: «nicht schlafen (não dormir) coloca Gustav Mahler no centro das operações, compositor que soube captar, como um sismógrafo, a aceleração e a disrupção que prenunciaram a Primeira Guerra Mundial.

Ao olhar para esses primeiros acordes do século XX, os "anos da vertigem", [o coreógrafo belga] Alain Platel reconheceu o estado de confusão e incerteza que marca a nossa contemporaneidade. nicht schlafen coloca em movimento uma reflexão sobre uma matéria intemporal e inesgotável: o sofrimento humano. Nove bailarinos contracenam com esculturas de cavalos mortos, compondo quadros vivos que evocam a pintura de Caravaggio ou Géricault, mas também a imagem de Cristo descendo da Cruz.

A ritualização da morte volve-se num apelo à vida. "Deixa de tremer. Prepara-te para viver!", palavras da Segunda Sinfonia de Mahler, palavras que recorrem em nicht schlafen, a segunda vez de Platel no TNSJ.» Consulte a informação disponível.

Entretanto prossegue, em Lousada, o 10.º Foliazinho, festival de teatro para a infância e a juventude: até 7 de Maio, uma programação de que se destaca O Principezinho, pelo Jangada Teatro, espectáculo inspirado no clássico de Antoine de Saint-Exupéry (5, 6 e 7 de Maio).

A terminar, a sugestão de leitura: um livro de Miguel Carvalho

Capa da edição Créditos

Hoje fico-me por aqui, não sem antes recomendar vivamente a leitura do mais recente livro do jornalista da Visão, Miguel Carvalho. Intitulado Quando Portugal Ardeu: Histórias e segredos da violência política no pós-25 de Abril (Oficina do Livro, 2017), é uma obra essencial para quem deseje ver problematizada e fundamentadamente contrariada a narrativa dominante sobre o que foram os anos de 1975 e 1976 – e a grande mentira histórica que ela tem alimentado.

Testemunhos inéditos, revelações impressionantes, investigação jornalística séria são alguns dos traços que pode esperar deste livro centrado nas actividades criminosas da chamada Rede Bombista, do ELP e do MDLP de Spínola, bem como no escandaloso – mas bem conhecido – comprometimento da direita portuguesa, da grande burguesia nacional e do imperialismo norte-americano (e não só) nesse processo contra-revolucionário e no ferro-e-fogo que, em 1975 e 1976, vitimou sobretudo partidos de esquerda (PCP à cabeça), suas sedes e militantes, a par de outros activistas e democratas. Um livro que não pode deixar de ler, caro leitor.

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